Crítica | O Preço Da Verdade
Em tempos de caos político e de crescentes problemas ambientais, “O Preço da Verdade” (“Dark Waters”, no original), co-produzido por Mark Ruffalo e dirigido por Todd Haynes, chega aos cinemas em um momento crítico da sociedade como um alerta traduzido em imagens e traz ao espectador a luta entre um advogado ambiental e uma das maiores multinacionais de produtos químicos da época.
Baseado no artigo da New York Times Magazine, intitulado de “The Lawyer Who Became DuPont’s Worst Nightmare” (“O Advogado Que Se Tornou o Pior Pesadelo da DuPont”), o roteiro, assinado por Matthew Carnahan e por Mario Correa, traz a história real de um advogado de defesa corporativo (Mark Ruffalo) que, após ser requisitado por fazendeiros de sua terra natal, descobre um segredo obscuro e se depara com uma teia de enigmas e crimes que conectam o crescente número de mortes inexplicáveis e os acentuados efeitos ambientais com uma das maiores e mais poderosas companhias do mundo. Para expor a verdade, ele embarca em um processo judicial que perdura por anos e ameaça tudo em sua vida, incluindo seu futuro, sua família e sua própria segurança.
“O Preço da Verdade” apresenta em sua narrativa um grande tom expositivo, podendo, facilmente, ter sido um grande documentário. A abordagem narrativa ficcional, no entanto, escolhida pela dupla de roteiristas e por seu diretor, foi crucial para o impacto que a equipe gostaria de alcançar. E consegue. A história sobre um advogado que enfrentou a multinacional que servia grande parte da população mundial e que, conscientemente, envenenava todos os seus consumidores por meio de um subproduto químico conhecido como PFOA (Teflon, encontrado em panelas antiaderentes e em diversos outros produtos) é horripilante. Porém, mais do que tudo, a forma com a qual a narrativa é conduzida é imprescindível para o tom de denúncia e de alarme para a situação atual do meio ambiente e, sobretudo, do meio corporativo.
O filme é, em seu início, propositalmente lento e procura, de maneira cuidadosa, introduzir o espectador à realidade retratada e à complexa história prestes a ser desenvolvida. Envolvente, o filme se transforma e cresce exponencialmente até se tornar um grande drama político. Acompanhando esse tom definido pela direção do longa e o tema tratado pelo roteiro, Edward Lachman, fotógrafo do filme e também de outras produções de Todd Haynes, cria, a partir de uma cinematografia categórica, paisagens urbanas desumanizadas embebidas em cinza e cenários campestres cheios de sombras e intocados pelo Sol. O diálogo entre o roteiro, a direção e a fotografia de “Dark Waters”, nesse sentido, é impecável e imerge o espectador na tela de maneira surpreendente. A correlação entre o que é narrado e o que é mostrado é um deleite visual. Tudo parece natural e se desenrola de maneira fluida e orgânica.
Com nomes importantes no elenco para acompanhar o protagonismo de Mark Ruffalo, a produção conta com a vencedora do Oscar Anne Hathaway (Os Miseráveis), com o vencedor do Oscar Tim Robbins (Mystic River), com Victor Garber (Titanic) e com Bill Pullman (The Sinner, Netflix). Contudo, apesar da qualidade em mãos, os mesmos são notoriamente desperdiçados. Por culpa do roteiro, que prioriza datas e manobras políticas e jurídicas em detrimento do desenvolvimento de cada personagem, nenhum coadjuvante em cena se sobrepõe ou consegue escapar do retrato a ele imposto. Temos como exemplo o personagem de Bill Pulman, que é apresentado e subitamente esquecido na trama, e o de Anne Hathaway, que é completamente mal aproveitado.
A narrativa fílmica de “O Preço da Verdade” encaminha o espectador para uma jornada de anos e uma luta na justiça alucinante de um caso que parece perdido. O advogado que processa a DuPont por conscientes danos ao meio ambiente e à saúde humana em uma perseguição que simplesmente não tem fim. Os sinais de desesperança frente a descarada corrupção que ocorre todos os dias nos Estados Unidos e em todo o mundo. Contudo, a narrativa é, também, o sinal da necessidade de uma incessante luta pelo que é certo e pelas virtudes que deveriam guiar a sociedade. “Dark Waters” expõe o que há de pior por detrás das grandes companhias e das multinacionais e os efeitos globais das ações cotidianas dessas corporações que perduram até os dias de hoje.
Segundo estatísticas da própria produção do longa, hoje, 99% de toda a população mundial carrega em seu corpo a substância tóxica retratada no filme.
“O Preço da Verdade” nos coloca a par de uma história horripilante e de uma realidade suja. Quase como um chamado ao ativismo político e ambiental e funcionando como um filme denúncia, ele é o suficiente para fazer você querer arremessar fora todos os seus produtos antiaderentes e à prova d’água depois de assisti-lo.
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