Skip to main content

Crítica | O Príncipe Dragão – Animação da Netflix é um convite à Alta Fantasia

Existe um personagem oculto nas grandes aventuras: você. Quando Frodo aceitou destruir O Um Anel ou no momento que os irmãos Pevensie atravessaram o Guarda-roupa, rumo a Nárnia, você estava lá, acolhendo esse convite. O poder de uma história de fantasia está em sua jornada. O instante que os heróis atravessam o limiar e embarcam na aventura de suas vidas representa, também, nossa aceitação ou recusa (como telespectadores) em acompanhá-los. Resgatando a típica jornada, com direito a dragões, elfos, magia e grandiosas cenas de guerra, a animação O Príncipe Dragão representa o renascimento da Alta Fantasia dentro do catálogo da Netflix.

Sobre O Príncipe Dragão:

Dois príncipes humanos formam uma inesperada aliança com uma elfa que foi enviada para matá-los. Com um grande segredo em suas mãos, eles embarcam juntos em uma longa jornada na esperança de acabar com a antiga guerra entre seus povos.

A trama de O Príncipe Dragão se passa em uma terra chamada Xadia, regida por dons originados do sol, lua, estrelas, terra, céu e oceano. Com 3 temporadas que reacendem nossa paixão pela aventura, a Netflix já iluminou o caminho para um vindouro 4º ano da animação.

shaman king 1420469233
O Príncipe Dragão / Netflix

O pai da Literatura Fantástica, J. R. R. Tolkien, ao criar A Terra Média, plantou uma semente que ao decorrer das décadas gerou grandes sagas de fantasia. Lá em 2001, o longa O Senhor dos Anéis: a sociedade do anel estreou nos cinemas apresentando uma nova face para a palavra “épico”. A partir disso, o universo audiovisual contou histórias grandiosas, através de filmes, desenhos e séries. Nos últimos anos, no entanto, o número de animações desse gênero caiu. Mas, em 2018, uma dessas sementes de Tolkien cresceu, e O Príncipe dragão surgiu, para aquecer o coração dos fãs órfãos de sagas fantásticas.

O Roteiro

As rédeas de O Príncipe Dragão estão sob o comando de um trio de protagonistas que esbanjam carisma. Esta última palavra pode ser considerada “mágica”, porque todos os personagens dessa animação detém um grande carisma; alguns nem precisam falar para te conquistar.

Os irmãos Callum e Ezran, ao lado da elfa Rayla (habilidosa e cheia de segredos) administram a longa caminhada, que se estenderá ao longo de cada temporada. Incumbidos de levar o ovo de dragão de volta para sua terra natal, os três desvendarão mistérios que colocará em xeque quem é aliado ou inimigo. É no decorrer dessa diretriz que eles reconhecerão na amizade o verdadeiro poder para cumprir essa missão.

O Príncipe Dragão Netflix animação
O Príncipe Dragão / Netflix

Com um número grande de raças e criaturas mágicas, a história jamais apela para exposições cansativas. Não se preocupe, sua inteligência não será subestimada. A série apresenta os elementos narrativos com naturalidade, seguindo um ritmo reconfortante; nada é acelerado ou lento em demasia. O passado, importantíssimo para a evolução do enredo, se abre como um leque, revelando novas camadas existentes no conflito que impera no tempo presente. O uso de flashbacks serve para preencher lacunas, como peças de um quebra-cabeça, abrindo nossos olhos para decifrar personagens e suas interações.

Em alguns momentos, o texto é ingênuo e tenta ser engraçado (além da conta), recorrendo a piadinhas fracas, mas nada que dê vergonha alheia. O humor é um traço fixo no roteiro, aliviando a balança narrativa que discute outras temáticas como luto, traição, morte e preconceito.

Tendo no currículo umas das melhores animações dos últimos anos (vulgo Avatar: A Lenda de Aang), Aaron Ehasz é a mão por trás do roteiro de O Príncipe Dragão. Seu estilo narrativo é nítido quando traçamos semelhanças entre as duas obras, basta ouvir atentamente os diálogos e observar com cautela as construções de personagens. No fim, o maior aspecto de Ehasz está no subtexto político, que utiliza a máscara da fantasia para tocar em assuntos atuais.

parasita 05
O Príncipe Dragão / Netflix

Na animação, os líderes estão fadados, dia e noite, a enfrentar dilemas. Conflitos emergem das diferenças entre as raças e suas culturas. O desrespeito aos animais e como isso afeta o equilíbrio como um todo, costuram cada episódio em um emaranhado de escolhas e consequências. Em suma, a política é, e continuará sendo, um background indispensável para a fantasia, e O Príncipe Dragão segue esse lema. Ficou para trás o estigma que pregava que desenhos são coisas de crianças. As animações de hoje conversam com nossa sociedade, aproximando ficção e realidade.

Os Personagens

Callum é o irmão mais velho, obcecado em aprender a magia do céu. Seu instinto protetor, crescente ao longa da jornada, o faz evoluir como personagem e familiar responsável. Fugindo de arquétipos que prevalecem na personalidade de um típico “mago”, ele é um poço de carisma e insegurança, com defeitos comuns, mas com uma grande vontade de se provar.

Ezran é a personificação da inocência e abnegação, características notadas em seu comportamento singelo, e reforçado através das interações com os outros personagens, seja animal ou humano. Forçado a amadurecer antes do tempo, ele nunca perde sua essência, mantendo-se fiel ao seu “eu”, diante dos percalços. Somado a isso, o pequeno príncipe carrega nos ombros o fardo de ser herdeiro direto do trono, obrigado a tomar decisões que somente adultos deveriam decidir. Capaz de entender os animais, e com alguma dificuldade para compreender os humanos, é através dele que o roteiro se apoia para entregar algo reforçado pontualmente na história: a esperança.

O Príncipe Dragão / Netflix
O Príncipe Dragão / Netflix

Cinquenta por cento do poder desse trio pertence a Rayla, uma elfa obstinada a cumprir sua missão e provar seu valor como guerreira. Sua interação com os outros protagonistas, que são humanos, desperta nela um lado abundante de compreensão.

A balança narrativa precisa tomar cuidado para que o antagonista continue sendo o que ele é: um antagonista. Com exceção da jornada da redenção, bons vilões precisam vender seus ideias, antes da imagem, para que o público possa comprar suas convicções. Viren, o principal rival dos protagonistas, é um homem divido por dois polos: passado e presente. No mundo de ontem, ele é apresentado como um mago obstinado, desejando o bem-estar de sua nação. No presente, ele anseia em marcar nas terras das outras raças a força dos homens. Passado e presente atuam com sincronia para construir este vilão, muitas vezes caricato, porém carismático o suficiente para compreendermos sua cruzada. Portanto, é um rival à altura dos protagonistas.

A representatividade presente na história

Espadas e escudos são erguidos a todo momento durante a jornada de O Príncipe Dragão. Mas, afinal, o que tem de incomum nisso? A resposta é simples: o heroísmo é um manto que pesa com mais frequência sobre os ombros das personagens femininas, todas, sem exceções. As veias narrativas quebram os padrões típicos das histórias medievais, presenteando o público com personagens profundas e corajosas.

greenamaya
O Príncipe Dragão / Netflix

O exército do reino de Katolis, por exemplo, é comandado por Amaya (tia dos protagonistas). O primeiro contato com a personagem revela que ela utiliza a língua de sinais para se comunicar, quebrando uma barreira pouco vista em animações do gênero. As demais figuras da narrativa que conhecem Amaya comunicam-se com ela, compreendendo-a e fazendo uso da mesma linguagem. Uma sutil construção de personagem, que representa muito para o público surdo.

A diversidade é representada através de personagens Lgbtq+ que, infelizmente, estão amarrados a tramas secundárias e isto é uma constante na animação. A sensação é que faltou um pouco mais de coragem, para que estas figuras da história tivessem mais tempo em tela. Ainda assim, é um grande passo, quando olhamos para o passado. No futuro, talvez, O Príncipe Dragão seja um pouco mais parecido com Steven Universo, Hora de Aventura e She-ra e as Princesas do Poder, que são exemplos de narrativas que aprofundaram seus personagens assumidamente Lgbtq+.

As temporadas de O Príncipe Dragão

A mão estendida para você, chamando-lhe para embarcar nessa jornada de aventura é evidente na primeira temporada. Revivendo sua nostalgia por jornadas, o primeiro ciclo da série é uma apresentação de mundo e personagens, sem se prender a explicações forçadas. O trio de protagonistas é formado, e nós, como um quarto membro oculto dessa aventura, acompanhamos de perto o objeto narrativo que move a trama — o ovo de dragão — e como ele é capaz de interferir, para o bem e para o mal, na vida dos nossos heróis.

O Príncipe Dragão / Netflix
O Príncipe Dragão / Netflix

O segundo ano da série começa apresentando o novo participante do grupo de protagonistas, que deixa de ser um trio, para tornar-se um quarteto. O ovo de dragão chocou e somos apresentados ao filhote de dragão, apelidado como Zym. Assumindo um tom mais frenético, as cenas de ação ganham mais tempo.

A terceira (e mais recente) temporada é a melhor das três, dando espaço para outros personagens brilharem nesse palco medieval. Acompanhamos o crescimento absurdo dos protagonistas, separados por caminhos distintos, mas movidos pela mesma sede: a paz.

A quarta temporada ainda não foi confirmada, mas o gancho na season finale é a garantia de que ainda tem muito pela frente.

6a0a7f69856002d81132925aef56a2c6
O Príncipe Dragão / Netflix

Com momentos dignos de uma boa sessão de RPG e personagens que emanam carisma, essa animação não é feita apenas para os fãs de sagas épicas, qualquer um é bem-vindo. Enfim, é uma história singela sobre amizade, sacrifícios e crescimento.

A fantasia é um gênero que liberta-nos dessas amarras cotidianas, transportando nossa alma e coração para outros mundos. E O Príncipe Dragão é um sopro de vida que ressuscita nossa alma de aventureiros, é um grito distante, convocando cada um de nós para aquelas peripécias fantásticas que alimentam nossa imaginação através do lúdico e fazem nossos olhos brilharem.

Nota: 4,5/5

Assista ao trailer:

Leia também: Crítica | Nancy Drew – 1ª Temporada.

Créditos ao autor:

Deixe um comentário