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Crítica | Parasyte – 1ª Temporada é uma viagem sombria e questionadora

Anime recém-chegado na Netflix é uma adaptação do manga de Hitoshi Iwaaki, que criou e ilustrou uma narrativa bizarra sobre as questões que separam homens e monstros

No instante que a palavra “anime” é falada em uma roda de conversa entre amigos, a primeira imagem que vem à mente de muitos são as produções com o típico personagem principal otimista, que aspira grandiosidade e empatia. No entanto, existe uma sombria galeria de protagonistas que fogem dessa construção com veias esperançosas, visando outras propostas, como o Kira em Death Note, ou Shinji de Neon Genesis Evangelion. Quem também se enquadra nesse perfil é Shinichi, figura essencial do anime Parasyte, cuja história se dispõe a dissecar a escuridão que há dentro do ser humano, assim como as sombras que residem o interior de monstros.

Sobre Parasyte:

A história se passa em um mundo que seres parasitas surgem na Terra. Eles se apoderam dos humanos, entrando por qualquer cavidade corporal, com a finalidade de controlar o corpo da vítima. A história se desenvolve quando um desses parasitas falha em se apoderar do corpo de Shinichi Izumi, fazendo com que os dois sejam obrigados a conviver juntos.

Parasyte - 1ª Temporada
Parasyte / Madhouse / Netflix

Aqueles que escutam de longe podem confundir o nome deste anime com o longa sul-coreano que levou o Oscar de “Melhor filme” em 2020. Mas, apesar de ambas as obras se apoiarem nas infinitas associações que orbitam o termo “parasita”, a animação nipônica Parasyte abandona quaisquer metáforas e conta uma história literal sobre monstros x humanos. Disponível no catálogo da Netflix, com 24 episódios, a trama é uma tempestade de discussões sobre o homem e a sua relação com a vida, a morte e a grande (ou pequena) linha entre esses dois polos, chamada de “existência”.

A primeira vista, sua mente pode reduzir Parasyte a um simples enredo sobre um adolescente que tem um parasita falante no lugar do braço. Bom, a princípio, é exatamente isso! Entretanto, após o desfecho intrigante do primeiro episódio, percebe-se que esse anime tem muito para falar e você, como telespectador, tem muito a ouvir. Shinichi não carrega o protagonismo sozinho, pois ele divide esse fardo com sua “mão parasita” — chamado de Migi — um ser pensante, com um forte desejo de entender tudo ao seu redor, porém com um grande déficit em compreender simples atos humanos movidos pela emoção. Para ele, escolhas tomadas a partir da empatia, amor materno, amizade e outras vertentes abstratas, não fazem sentido.

Parasyte - 1ª Temporada
Parasyte / Madhouse / Netflix

Assistir um jovem humano dividir seu corpo com um parasita é uma experiência bizarra (uso esta palavra como um grande elogio para o anime!). E, enquanto ambos aprendem um com o outro e protagonizam momentos incomuns, somos bombardeados por pensamentos profundos. O que separa homens de monstros? O que diferencia o ser humano, que mata animais para comer, de um monstro que faz o mesmo, se alimentado de carne humana? Qual o propósito da vida quando percebemos que estamos destinados a morte? São estas e outras indagações que “parasitam” sua cabeça episódio após episódio.

Com uma trama profunda que nunca se sacia com diálogos ou situações rasas, a direção pega a mão de sua audiência, conduzindo-os em uma jornada de ideias, dúvidas e debates. Claro, tudo isso pelos olhos de uma ficção melancólica e brutal. A narrativa de Parasyte utiliza muitas máscaras: ação, comédia, terror e suspense. Contudo, por baixo de toda essa fachada, o rosto desse anime é o “drama”.

É o drama que impera a narrativa do começo ao fim, por mais que existam momentos cômicos aqui e acolá, muitas cenas de luta com extrema violência gráfica e grandes mistérios. São os monólogos pensados pelo protagonista e as falas proclamadas pelo novo “hóspede” de seu corpo que dominam os principais conflitos e resoluções. Talvez, no começo, a estranheza despertada pelo visual possa criar um certo afastamento no telespectador, mas os diálogos cumprem bem o papel em fixar a atenção daqueles que compraram a proposta.

Parasyte - 1ª Temporada
Parasyte / Madhouse / Netflix

O melhor acerto de Parasyte está em seu protagonista, que nunca é transformado em “herói”, ainda que tenha traços para ser um. Sua jornada é uma desconstrução daquela figura que vemos nos primeiros episódios. Logo, não tarda para o protagonista sofrer uma drástica metamorfose, ficando diante de situações que mais parecem um beco sem saída. Ficando mais forte, ele perde gradativamente sua humanidade, precisando reencontrá-la dentro de si para resolver seus problemas.

Longe da perfeição, Shinichi é apenas um refém do acaso, que precisa continuar nadando nesse mar de monstros, lutando para não se afogar nas semelhanças entre eles. Aqui temos um personagem que sofre as consequência de seus atos, que cresce e diminui a cada escolha, que se encontra e se perde muitas vezes. Mas, acima de tudo, está em constante desenvolvimento.

Migi (vulgo parasita) é um personagem que não sabe muito deste mundo, e logo se propõe a entendê-lo, sem jamais abandonar sua visão pragmática. Dele partem as principais questões que levará você a ficar alguns minutos perdido, buscando respostas e duvidando de suas justificativas. Para ele, tudo é novo, e sua atos, baseados apenas no lado racional, logo são confrontados quando batem de frente com as ações emocionais de seu “anfitrião”.

Parasyte - 1ª Temporada
Parasyte / Madhouse / Netflix

Quem merece aplausos é a equipe de animação do estúdio Madhouse, que faz um excelente trabalho de adaptação. Como o manga foi lançado no final da década de 1980 e sua versão animada estreou em 2014, ocorreram singelas alterações nos traços, mas nada que destoe muito do material original. A produção embarcou nas bizarrices, mantendo as distorções visuais que marcam os monstros, e preservando as características dos humanos que também possuem estranhezas comportamentais.

 A conclusão de Parasyte é um soco no estômago, através de palavras e ideias que te levarão a discussões internas. Colocando o homem como a figura primordial em uma trama de monstros, seguimos por um caminho cruel, frio e realista. Afinal, o que é pior? A monstruosidade humana? Ou a monstruosidade de um monstro? É fácil se perder nos pontos de interrogação que o anime se propõe a esculpir em nossas mentes, por outro lado, é muito difícil encontrar respostas.

Parasyte - 1ª Temporada
Parasyte / Madhouse / Netflix

Existe uma lista de produções audiovisuais que habita uma parte da nossa cabeça, alimentando nosso repertório através da ficção. Algumas pessoas jamais serão as mesmas após assistir um filme ou uma série, e isso acontece de forma particular e singular. São poucas histórias que, de alguma forma, falam diretamente com o público, tirando-o de sua zona de conforto, levando-o a questionar as mesma indagações feitas pelos personagens.

Em suma, Parasyte é um palco para aqueles que adoram se perder em debates sobre a moral e o livre-arbítrio. Um anime melodramático? Sim! Aterrorizante? Sim! Excêntrico? Sim! Mas, acima de tudo, original e questionador.

Nota: 4,5/5

Assista ao trailer:

Veja também: Crítica | 3% -3ª Temporada.

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