Crítica | #Alive – O isolamento social em um cenário de Apocalipse Zumbi
Da vida real para as telas. Filme sul-coreano utiliza a “Quarentena” como pano de fundo para contar a história de Oh Joon‑woo, um típico jovem da Era Digital que precisa sobreviver trancafiado em seu apartamento, enquanto o mundo lá fora é devastado por uma epidemia de zumbis.
Em 2016, o público apaixonado por cinema pôde experimentar uma nova vertente no gênero “apocalipse zumbi” graças ao excelente projeto do diretor Yeon Sang-Ho com o longa-metragem Invasão Zumbi. Indo na contramão dos filmes ocidentais, o thriller deixou o pedestal para o drama, o que trouxe mais humanidade para a história. Dessa vez, em tempos de isolamento social, a Netflix aposta em #Alive, cuja narrativa conversa com os dias atuais. Trata-se da arte imitando a vida e se aproveitando da licença da ficção para retratar os efeitos do distanciamento social em um indivíduo. O longa é uma versão oriental de Alone, filme do diretor Matt Naylor que ainda não foi lançado.
Sinopse #Alive:
Um jovem gamer precisa lutar por sua vida diante de um apocalipse zumbi, se encontrando cercado em seu apartamento. Mas a situação complica ainda mais quando a energia é cortada. Assim, ele não pode mais acessar parentes e amigos online, jogar seu game ou se conectar com o mundo exterior.
Quando a palavra “Zumbi” é dita no trailer de um filme ou lida na sinopse, logo presume-se que a história terá muitas vísceras e um banho de sangue, assim como estonteantes cenas de destruição e morte em massa. Elementos estes que possuem grande força em filmes do gênero lançados nos últimos anos, tendo em conta o frenético Guerra Mundial Z e a franquia Resident Evil. Há anos que os filmes com essa temática afastaram-se dos clássicos como A Noite dos Mortos-Vivos, de George Romero, que foca sua narrativa nas relações entre os personagens e situações simplistas. Eis que o cinema coreano trouxe esse lado “introspectivo” outra vez, atualizando as tramas para a época atual.
#Alive é a prova viva de que uma premissa intimista é uma saída difícil, porém forte o suficiente para ficar marcada na memória do público. Não que o filme desdenhe do famoso “jump scare” ou algumas sequências sanguinolentas, só que elas ficam em segundo plano. Cho Il (diretor e roteirista) dá espaço para o drama de um protagonista que precisa ficar isolado em seu apartamento, sem informações sobre a família, sem esperanças e em breve sem comida. Qualquer semelhança com a nossa realidade não é mera coincidência!
O vazio é uma presença que impera durante o primeiro ato do filme. No momento presente, em que todas as pessoas do mundo passaram e ainda passam por um estágio que necessita de isolamento social, a narrativa conversa com a gente, direta e indiretamente. Trancado em casa, enquanto do lado de fora se alastra uma epidemia, o protagonista corre para os braços da sua “vida” virtual, refugiando-se em partidas de games e postagem em redes sociais. Similar, não é mesmo? O drama real sendo pintado na tela através da linguagem cinematográfica.
O roteiro se preocupa em mostrar a passagem do tempo de forma arrastada e sofrida. Os dias discorrem, as notícias da TV não são otimistas e a fome bate à porta do personagem Oh Joon‑woo. Atormentado física e psicologicamente, ele vive um dia após o outro, lutando pela sua sobrevivência. A sacada de seu apartamento é como uma janela nada convidativa para o pandemônio que eclode nas ruas infestadas de mortos-vivos. É nesse canto da residência que ele tem contato com o mundo exterior, muitas vezes incapaz de fazer algo, como um mero telespectador, assim como nós.
Sabe-se que as redes sociais tornaram-se corriqueiras, pois nossa vida e existência passaram a significar muito no ambiente virtual. É nessa tecla que o filme bate, mais de uma vez, usufruindo do cotidiano do protagonista como espelho da nossa própria conduta. A necessidade da internet, a dependência da comunicação e a utilização de games como “válvula de escape” estão lá, na primeira parte do filme! Mais que elementos visuais para a construção do protagonista, são analogias aos hábitos praticados por todos nós, inclusive numa quarentena.
Quando outro rosto surge, adicionando um rumo abrupto para o enredo, cabe a personagem Kim Yoo‑bin, interpretada pela atriz Park Shin‑hye, mostrar uma nova faceta para o termo “sobrevivência”. A inserção dela é uma alavanca para a discussão sobre “solidão x acompanhamento“.
Passar por tudo isso sozinho? Ou contar com a ajuda de outra pessoa para sobreviver? Como diz o velho ditado brasileiro, será que a união realmente faz a força? Ou devemos contar apenas com nós mesmos? A aparição de Kim Yoo talvez seja a resposta para tantas perguntas, afinal, os dois personagens se complementam, mesmo que separados pelo distanciamento.
O ator Yoo Ah‑In (que empresta seu talento para viver o protagonista) carrega nas costas a primeira meia hora do filme, com muita competência e carisma. Uma tarefa difícil sustentar a atenção do público nos momentos de introspecção, mas ele faz da solidão (e dos objetos) degraus para se aproximar da audiência. É como se estivéssemos ali, do lado dele, observando tudo, sem pode ajudar, sem poder interferir. A verossimilhança com a pandemia causada pelo COVID-19 nos faz torcer minuto após minuto pelo personagem.
Já Park Shin‑hye entrega toda a carga emocional de sua personagem através do olhar e das falas impregnadas de sentimentos. A atriz grita suas emoções metaforicamente, e a partir disso conseguimos captar tudo o que ela sente e carrega dentro de si; no terceiro ato isso é ainda mais forte. Ainda que a personagem parece mais “centrada” e regida pela lógica, pouco a pouco o enredo revela algumas camadas dela, isto é, percebemos que Kim Yoo não é tão diferente assim do seu companheiro de sobrevivência, quando destacado seus traumas e escolhas.
Citando mais uma vez o inesquecível Invasão Zumbi, #Alive possui uma semelhança visual quanto a caracterização dos mortos-vivos: a maquiagem horripilante trabalhada em conjunto com o CGI. Ademais, o filme também explora outras possibilidades comportamentais, tornando os zumbis mais do que um amontoado de seres canibais. O vestígio de inteligência nestes seres implementa uma dose extra de pânico na narrativa, uma abordagem parecida com os dinossauros “inteligentes” dos primeiros filmes de Jurassic Park. Esse paralelo é maior quando a confirmação deste fato está associado ao ato de abrir uma simples porta, igual na icônica cena da obra jurássica.
Não se preocupando em mostrar a origem do vírus, muito menos explorar uma visão mais abrangente de uma epidemia, o longa permanece fiel até o fim em explorar o lado mais íntimo dos personagens, mantendo a trama fechada a poucos espaços. Infelizmente, o terceiro ato não tem a mesma força que o primeiro, todavia consegue embrulhar nossa estômago (não por causa do zumbis, mas sim pela natureza humana e suas inclinações). Nossa senso de perseverança é colocado em xeque tantas vezes que nos minutos finais perseverança e pessimismo travam uma batalha até o último instante. Resta saber qual prevalecerá!
O longa não se prende apenas ao horror oferecido pelo backgraund escolhido; o filme excede isso, mergulhando na camada psicológica dos seus personagens. A luta pela sobrevivência vai além de cenas predominadas pelo vermelho sangue. É preciso vencer, antes de tudo, medos e fraquezas, e o filme compreende isso. Está no interior o primeiro obstáculo que faz da solidão um inimigo silencioso e obstinado.
Um pensamento propagado na internet diz “entre uma dose e outra, de otimismo, a gente vai tentando sobreviver ao caos“, tal frase representa com exatidão os dramas dos protagonistas. A ansiedade que se propaga no isolamento, o medo constante e as paranoias que sussurram nos nossos ouvidos. O que fazer? A mensagem do filme é clara: “você deve sobreviver”.
Com uma escala pequena comparada a outros filmes do gênero, #Alive é grandioso nos momentos despretensiosos e no minimalismo de sua história. Tangível pela equivalência com o estado atual do mundo, certamente esse é um filme que não será esquecido.
Nota: 4,5/5
Assista ao trailer:
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