Crítica | Ontem Havia Coisas Estranhas no Céu – Filme nacional transforma o “Cotidiano” em protagonista
Colocando na tela uma leitura que reúne narrativa ficcional com elementos reais, Ontem Havia Coisas Estranhas no Céu é um filme intimista, que não se prende ao “Comum”, apesar deste ser sua principal oferta.
A aproximação pessoal com o elenco, cenário e a narrativa tornam o trabalho de Bruno Risas livre de amarras especulativas. Seu olhar naturaliza quaisquer aspectos privativos, contando essa história de forma trivial, levando o espectador para dentro da casa e, acima disso, para conhecer os problemas que assolam a família. Sem pressa de levar o público para uma trama que, despretensiosamente, visa quebrar a atmosfera realista, o diretor apresenta um “pseudodocumentário” em Ontem Havia Coisas Estranhas no Céu, ora flertando com o verídico, ora flertando com o quimérico.
Concedendo um passe para entrarmos no seio familiar, o diretor se transforma em uma peça — na frente e atrás das câmeras — e, mesmo que distante, mostra-se determinado a registrar todos os momentos, de todos os personagens, enquanto cumprimos nosso papel: observar. Com uma proposta que foge do convencional, o filme que está disponível no catálogo da Netflix nos convida a entrar em um mundo regido pela monotonia do dia a dia.
Sobre Ontem Havia Coisas Estranhas no Céu:
Uma família vive em crise quando o pai fica desempregado e eles são obrigados a se mudar para uma velha casa no interior de São Paulo. Em meio a brigas, a avó adoecendo e problemas financeiros, eles seguem vivendo, enfrentando as dificuldades do cotidiano. Certo dia, a mãe é abduzida, mas a vida continua como se nada tivesse acontecido.
Sutilmente, o diretor conduz o público para conhecer a rotina de sua família, que passa por uma crise (reflexo de um contexto social), que agora precisa adaptar-se as transformações que ocorrem por causa da mudança. Os personagens que estão em cena realmente são parentes do cineasta e através da câmera “contemplativa/invasiva” e dos diálogos (que nos fazem perder a noção do que é ensaiado e do que é real) tornamo-nos residentes, sufocados pelo registro lento e cansativo da narrativa.
O texto de Ontem Havia Coisas Estranhas no Céu apela para os acontecimentos que cercam qualquer lar: o desemprego e as brigas entre familiares. As tarefas domésticas também tomam boa parte da história, como correntes difíceis de enxergar, porém fáceis de sentir. Todos esses pontos, de imediato, criam uma aproximação entre o telespectador e os personagens. Há margem para a identificação com aqueles rostos que transitam durante todo o filme, só que a quebra da 4ª parede, nesse caso, destrói certas proximidades.
Em determinados momentos, percebe-se o desconforto perante as câmeras e alguns questionamentos direcionam o poder do longa-metragem para além das telas, como um filme de bastidores. É como se o “making of” ganhasse o direito de habitar o cerne do filme, em todos os atos, como parte principal do corpo da narrativa. Isso também acarreta estranheza, causando afastamento em vários momentos, e achegamento em outros poucos. No fim, mostra-se uma escolha perigosa, decerto, pois a utilização dessa ideia, em paralelo com a trama desapressada, dá abertura para uma experiência maçante em boa parte da projeção, infelizmente.
Em contrapartida, na já citada “aproximação”, Ontem Havia Coisas Estranhas no Céu desperta sensações que tomam boa parte da rotina de muitos indivíduos. Por mais que o filme brinque com a simulação de uma história real, que de fato é real, nota-se a missão de dar palco a tudo o que é pessoal, mesmo que para isso seja necessário abandonar uma apresentação mais dinâmica das circunstâncias. Mas, não é somente uma linguagem mais pé no chão que domina o filme, há um momento, em particular, que o diretor estende a mão para o Absurdo, inserindo um acontecimento digno de uma boa ficção científica — uma abdução. Aqui, neste ponto, reside uma infinita lista de interpretações subjetivas.
Esta eventualidade extraterrena é inusitada, repentina e quase assustadora; e serve como uma folha em branco para traçar semelhanças entre o ponto de vista social e o ponto de vista ilógico das coisas que estão na nossa vida. Ao lado do “Cotidiano” — O Grande protagonista “invisível” do filme —, a mãe, outra importante personagem, toma para si boa parte da carga dramática, no qual o filme encontra uma “solução” a partir do encontro com o Surreal. Nela está pintado uma figura maternal que transcende a ordem natural, pois agora ela é “mãe” de sua própria mãe. Também cai sobre seus ombros a função de deixar todos de pé, tudo isso ocultando o que está no seu âmago: seus desejos e sonhos adormecidos.
A presença do “desemprego”, que atualmente está na vida de muitos, é forte no enredo, que a todo momento pisa com força nessa tecla, expondo os resultados que esse fato social gera. Nesse quesito, Ontem Havia Coisas Estranhas no Céu também é um reflexo generalizado do cidadão brasileiro que busca uma carteira de trabalho assinada, enquanto as contas continuam a chegar mês após mês.
São nos olhares, na quietude e na contemplação do meio urbano que vive a alma do filme. Somos consolados por sorrisos que escondem o lado mais melancólico e, cientes disso, embarcamos nessa trajetória com receio e esperança. O tempo também invade esse âmbito familiar; é possível senti-lo no decorrer da história e nos personagens que melhor transmitem a passagem das horas, dias, meses e anos. Sobretudo na matriarca, uma representação da partida e da volta. Das idas e vindas. Do silêncio e do grito.
Mesmo que se proponha a nadar contra leituras e releituras de filmes que apresentam os dramas de uma família, Ontem Havia Coisas Estranhas no Céu se sai bem nas cenas introspectivas e sem diálogos, mas declina, intensamente, nas tentativas de criar um fio que conecte quem está fora e quem está dentro daquele núcleo.
Nota: 3/5
Assista o trailer:
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