Crítica | Mulher-Maravilha 1984 – Em tempos sombrios, Patty Jenkins resgata esperança e heroísmo
A Guerreira de Themyscira, uma das pontas essenciais na composição da “Trindade” da DC, é um legado da Cultura Pop e isso é um fato. Honrando essa herança, Gal Gadot e Patty Jenkins nos cativam mais uma vez. Mulher-Maravilha 1984 é o filme mais humano do Universo Estendido DC, feito com muito coração e ternura.
No passado não tão distante, o mundo dos heróis projetado na tela do cinema foi assombrado por uma infame hesitação: fazer ou não fazer filmes solos protagonizados por mulheres? Em mais de cinquenta anos, apenas cinco longas foram protagonizados por super-heroínas. Na ponta do lápis, quando o cálculo é feito, a discrepância é gritante! Supergirl (1984), Mulher-Gato e Elektra, filmes que não agradaram o público e a crítica, tornaram-se justificativa para a incerteza dos produtores e dos estúdios. Mas, em 2017, Patty Jenkins mudou esse cenário com Mulher-Maravilha. Três anos depois, a continuação — Mulher-Maravilha 1984 — é entregue ao público.
Nesse meio tempo, a casa concorrente da DC também brindou os fãs com uma estrutura similar em Capitã Marvel. Talvez, Jenkins não soubesse, mas seu trabalho impactou a indústria. Não demorou muito para que Mulher-Maravilha se transformasse em um “farol”, iluminando um novo caminho para as super-heroínas, derrotando de uma vez por todas esse grotesco vilão chamado Hesitação. Toda essa trajetória gerou uma das sequências mais sublimes. Mulher-Maravilha 1984 é um show visual e uma explosão de positividade. Super-força? Não! O verdadeiro dom desse filme é a boa e velha Esperança.
Sinopse Mulher-Maravilha 1984:
Diana trabalha no museu Smithsonian, como arqueóloga, podendo ser a heroína mais forte do mundo. Em 1984, ela está diante de um perigo mortal, fruto da conspiração feita pelo empresário Max, que canta alto para satisfazer os desejos das pessoas, e uma inimiga misteriosa, a Mulher-Leopardo.
A princípio, sensibilidade e força podem soar como conceitos que estão em lados diferentes, compartilhando apenas a distância que existe entre eles. Dois fatores que, quando combinados, constroem um pano de fundo rico, criando tanto uma abertura para que as falhas e as fraquezas de um herói sejam mostradas, quanto a sua “volta por cima” e como ele lida com fracassos e perdas. Se no primeiro longa Patty Jenkins fundiu esses dois elementos, pintando uma protagonista que conquistou o público, dessa vez ela eleva o nível sem perder a mão, inserindo a Princesa Diana em um estágio diferente de sua vida como heroína e como membro de uma sociedade em ascensão.
Não há apelo ou apego a ação desenfreada, o que não significa que tais cenas fiquem em segundo plano, aquém do esperado. Muito pelo contrário, os momentos enérgicos do roteiro são de extrema qualidade, colocando a heroína em situações distintas, para que seus poderes sejam explorados por outra perspectiva. A principal escolha do filme, contudo, está no aprofundamento da personagem, na sua relação com o mundo, com o luto e com as pessoas ao seu redor. O desenvolvimento é mais rico, tomando boa parte da projeção, aproximando-nos mais da Mulher Maravilha.
Em vários momentos, provavelmente sem perceber, você notará um sorriso no seu rosto, perceberá que seus olhos estão marejados e sentirá um abraço “indireto”; é como se os diálogos e os olhares fossem dedicados, especialmente, a você! Tudo isso está no pacote de otimismo, que nada mais é que um presente encantador que Mulher-Maravilha 1984 oferece. A alma do filme é tão palpável, tão real, que nos tornamos espelhos dessa aura radiante; o coração que Patty Jenkins colocou no roteiro é uma força motora que contagia. É impossível sair da sala do cinema e não se sentir perseverante.
Em tempos que a nossa realidade é tomado por adversidades que alimentam o pessimismo, gerando preocupação contínua e temores, correr para os braços da Sétima Arte significa buscar um refúgio. E Mulher-Maravilha 1984 chega para salvar o dia, a semana e o mês de muitos, estendendo uma mão de boas vibrações, desfazendo esse peso generalizado que torna nossa rotina um mundo monocromático.
Ao longo de Mulher-Maravilha 1984 a fusão entre ser forte e ser sensível é compartilhado com outros setores do filme. A fotografia é uma explosão de cores vivas, evidenciando a naturalidade dos ambientes urbanos e a beleza utópica que rege a Ilha de Themyscira. Os enquadramentos são majestosos, captando um mundo real e fantasioso ao mesmo tempo. Já a trilha de Hans Zimmer, mais uma vez, gera boas doses de energia, coragem e solidariedade. As batidas frenéticas ainda possuem a vitalidade de um grito de guerra, capaz de arrepiar e tocar o lado emocional do espectador. As cenas dramáticas não ficam de fora, sendo embaladas por notas cuja missão é maravilhar o nosso “eu” interior.
Chris Pine, Gal Gadot, Kristen Wiig e Pedro Pascal formam o time na frente das câmeras, cada um deles tem a sua própria “escada” e precisam subir um passo de cada vez, enfrentando conflitos e dilemas. Fazendo disso seu ponto forte, o roteiro investe no desenvolvimento desse quarteto, contando histórias distintas que vão se emaranhando numa teia de ação e reação. O ponto de chegada para cada um desses personagens é uma questão que desperta nossa curiosidade, mas é a caminhada até lá que importa.
A frase a seguir pode soar clichê, porém não há melhor definição para o trabalho dela. Gal Gadot nasceu para viver a Mulher-Maravilha, e isso é incontestável. Poderosa na atuação, a atriz se entrega para o papel, assumindo esse manto com mais garra, provando que a força de sua personagem não é quando ela está com os punhos erguidos, mas quando ela utiliza o poder do diálogo para enfrentar seus inimigos. Chris Pine é uma surpresa que os trailers deveriam ter mantido em segredo, mas tudo bem. É engraçado observar que dessa vez é ele quem precisa de um “guia” para compreender as mudanças sociais e tecnológicas que aconteceram em sua ausência. A química entre ambos permanece firme.
Kristen Wiig, intérprete da Dr. Barbara Minerva, sai de um ponto e vai para o extremo oposto, subindo um degrau de cada vez. A atriz utiliza sua veia cômica com naturalidade e ao longo da sua transformação vivenciamos as nuances de sua personalidade, moldada por ambição, desejo e sede por mudança. Wiig domina a fera, assinando um trabalho marcante.
Já o Max Lord, de Pedro Pascal, é uma incógnita dentro de uma equação complexa, desafiando-nos a resolve-la. O ator utiliza o charme de seu personagem, alimentando a visão que temos sobre ele. Consequentemente, acontece uma desconstrução e ele se transfigura noutra pessoa. Nem é preciso uma mudança drástica de visual para notarmos isso, pois Pascal mergulha fundo na psique do personagem, nos brindando com um vilão humano e convincente.
Existe um quinto personagem crucial para a história e “ele” magnetiza todos os holofotes para si diversas vezes: o ano 1984. Extremamente importante para o roteiro, a década de oitenta não é só uma fachada; há uma combinação perfeita entre os dois lados da moeda dessa data. Na prática, somos transportados e isso é resultado do figurino colorido, da ambientação fidedigna, da trilha e da representação midiática daquela época. Se por um lado a beleza de 1984 é enaltecida, em contrapartida a fealdade é patenteada. Não é só de aclamação ao período “oitentista” que vive Mulher-Maravilha 1984. Questões sociopolíticas que envolvem paranoia global e politicagem também encontram espaço no enredo.
Você pode até pensar que está preparado para este filme, mas o seu coração não tem ideia do que está por vir! Mulher-Maravilha 1984 é uma chama de esperança, incendiando aquele resquício de heroicidade que habita o nosso ser, transformando-o em uma labareda. É um resgate daquele velho sentimento acerca do heroísmo. Cheio de vida, a nova fase da Guerreira de Themyscira vem para fincar sua bandeira no solo sagrado destinado somente as melhores sequências.
Em resumo, Mulher-Maravilha 1984 tem um propósito nobre: bombear vida para a fonte de inspiração que um herói, nesse caso heroína, tem para oferecer ao mundo.
Nota: 5/5
Assista ao trailer:
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