Como Star Wars influenciou a cultura pop a partir da Jornada do Herói
O gênero de ficção científica por vezes pode ser um dos mais complexos de se produzir no cinema mundial, a imposição imaginativa dos filmes deste segmento cinematográfico exigem de profissionais criativos uma ruidosa habilidade em conceber em suas mentes a projeção de algo novo e ainda indefinido, e claro, não podemos esquecer dos aspectos pragmáticos da produção de uma obra como esta. Foi com essa premissa que George Lucas jogou contra tudo e todos e apostou suas fichas em um filme que revolucionaria o cinema do anos 70, a forma como as pessoas se veem representadas nas telas de cinema e a cultura pop mundial.
Após mais de cem anos da criação do cinema e suas diversas fases de desenvolvimento narrativo e tecnológico ainda existem histórias que são capazes de comover uma legião de pessoas, se tornando símbolos, marcos históricos, alterando o modo como as pessoas vivenciam suas experiências e vidas. A franquia Star Wars seguramente é uma delas, é para isso, inicialmente é preciso se perguntar: como a saga impactou tão fortemente o imaginário popular?
George Lucas: Um Discípulo do Herói de Mil Faces
Primeiro é preciso compreender que a busca incessante de George Lucas pelo melhor roteiro possível para Star Wars chegou a um ponto comum de muitos roteiristas: a base de um dos maiores escritores e pensadores do universo das narrativas: Joseph Campbell. O pesquisador, que escreveu “O Herói de Mil Faces”, se debruça no livro na abordagem da cultura dos mitos, estabelecendo um cenário sólido, porem flexível, para que outros escritores pudessem basear seus personagens a partir de arquétipos. Em resumo: Campbell definiu que todas as narrativas do mundo bebiam da mesma fonte; heróis, vilões, aliados, inimigos são tudo parte de um mesmo processo universal que está presente no imaginário de cada pessoa.
A pesquisa deu embasamento a Jornada do Herói, uma espécie de ciclo que um personagem precisa cumprir. Desde a vida comum que leva, até o chamado a aventura, o momento em que deixa sua casa e a segurança de seu lar, sua vila, sua cidade e entra em um novo mundo em que precisa lutar por um objetivo, uma recompensa final, seja ela dinheiro, o regaste de uma pessoa amada ou um aprendizado interior.
Mas como isso pode ser parte da influência e do sucesso de Star Wars? Bem, esses processos estão no imaginário popular porque eles de fato ocorreram e ocorrem diariamente com as pessoas, e são transmitidos por relatos orais, livros, filmes, rádio, entre outros. É bem possível que você também já tenha experimentado uma aventura que fuja de seu cotidiano já que estamos sempre sendo desafiados a romper limites; e essas histórias de pessoas “simples” realizando feitos aquém do esperado está presente em nossas mentes como um símbolo de triunfo, de onde é possível chegar acreditando em si mesmo, estudando, trabalhando ou mesmo lutando contra regras e imposições que não acreditamos.
O Efeito da Força no Cotidiano
E é esse o efeito que George Lucas transmite para o seu público quando o órfão Luke Skywalker recebe um chamado a aventura após seus tios, que o criaram, serem mortos. A narrativa de um jovem órfão que precisa fazer seu próprio caminho superando limites e buscando “algo mais” pode ser examinada em diversas produções, como a franquia Harry Potter. Em suma, o aspecto humano, frágil e aguerrido de Luke que conquista o público e o aproxima das pessoas comuns; ora, quantos milhões de jovens já sentiram que não podiam fazer algo e precisaram dar um passo além em um momento de tensão e necessidade? E podemos continuar, o personagem é reconhecidamente um dos heróis mais puros de coração e traz consigo uma característica que, embora difícil de se ter, é extremamente estimada pelas pessoas em geral: o perdão.
É importante ressaltar que embora o herói seja alguém capaz de ir além das forças que considerava ter em busca de seu objetivo, ele raramente consegue alcançar seu objetivo sozinho. E neste aspecto é possível pensar em uma infinidade de exemplos: Sherlock Holmes e Dr. Watson, Batman e Robin e Dom Quixote e Sancho Pança. É válido ressaltar que não necessariamente o parceiro do herói precisa ser humano, os robôs C3PO e R2 D2 são parte fundamental da jornada de Luke, estando lado a lado e por vezes recebendo os pesados danos que o próprio herói receberia, afinal, geralmente os espectadores não querem ver o mocinho morrer, não é mesmo? Os amigos são parte fundamental no nosso universo, dividindo as felicidades, as conquistas, lutas e participando de nossas vidas.
Estes personagens fornecem ainda um alivio cômico, isso é, especialmente nos momentos mais tensos é necessário que existam pontos de fuga para aliviar a visão do protagonista e os coadjuvantes do destino violento, decisivo e complexo em que se encontram. O personagem Han Solo também é parte desse universo, embora tenha uma aversão inicial a Luke, algumas grandes amizades só se desenrolam após algumas arestas serem aparadas, ou mesmo uma dificuldade comum acometer as pessoas, fazendo elas precisarem se unir.
O mestre Yoda é um personagem conhecido como o mentor e a sua presença na história se faz necessária para orientar a jornada, já que embora o herói tenha seus amigos por perto, nem sempre eles serão perspicazes para lhe ajudar nas decisões mais importantes. Ser sábio é uma questão muitas vezes relacionada com a idade, experiências, e por isso que o personagem é um dos pontos chaves da história, porque no inconsciente ele traz o aspecto da memória afetiva ligada aos avós, pais, familiares e em geral, a qualquer pessoa considerada sábia e experiente para aconselhar e ajudar nas decisões difíceis.
E por fim, a personagem que causa uma sensação ambígua na vida de Luke, uma vez que seus sentimentos o confundem, mas que luta de forma brava o instigando a ser melhor: a Princesa Leia. A bravura de Leia e a sua resistência perante o Império ajudam o herói a manter a sua jornada, e mesmo quando o confunde passionalmente, a princesa é uma parceira destemida no aspecto da guerra política contra o mal, embora a descoberta de ser a irmã perdida de Luke, após o rápido envolvimento romântico, coloque panos quentes na situação.
O Lado Negro da Força e a Sombra
É comum que quando pensemos em um vilão venham a mente os piores tipos possíveis, e muitas vezes são dessa forma que são retratados na cultura pop ocidental. Mas aqui é importante considerar que nem sempre os vilões são pessoas de todo mal, e talvez Darth Vader possa ser visto a partir deste ponto de vista. Herói da guerra dos clones, Anakin Skywalker foi seduzido pelo lado negro da força e se tornou Vader, o braço de Darth Sidious na luta contra a aliança rebelde.
Não é possível desconsiderar todo o mal que Anakin causou para as pessoas e os lugares que atacou e destruiu, e nem mesmo a escolha que fez para salvar sua esposa deveria valer tudo o que se seguiu, trazendo-o um preço alto demais. Mas é este o ponto bastante relevante que deve ser salientado: pessoas em situações extremas são capazes de fazer qualquer coisa para se salvar e salvar aqueles que amam. Quem poderia condenar John Q. Archibald (Denzel Washington) por tomar de assalto um hospital e tentar garantir que seu filho ganhasse um novo coração? É quase um instinto humano.
A definição dos heróis e vilões podem ser relativas de acordo com as culturas e vivências, mas mesmo com uma trajetória como a dele, Darth Vader assume um papel de duplicidade entre um genocida que amava o poder e um homem manipulado que confiou cegamente em um líder do mal para salvar a mulher que amava. E essa motivação evoca o público a considerar se não fariam uma escolha perversa e extrema para salvar alguém ou algo, humanizando a figura de um dos mais famosos vilões do cinema.
O mesmo não pode ser dito de Darth Sidious, um manipulador e cruel Imperador do Império Galáctico. Neste ponto, é importante observar que a figura humanizada não é tão existente neste personagem, suas escolhas obscuras são claras e objetivas enquanto busca poder e controle. Principal responsável por impulsionar a execução da Ordem 66, levando a destruição da Ordem Jedi, e convertendo Anakin, um dos grandes Jedis, em seu aliado, o homem demonstrou durante toda a saga que impor medo e consolidar seu império era seu único objetivo.
Darth Sidious, que carrega grande força, só não é capaz de impulsionar a admiração do grande público, e um aspecto que podemos considerar é a falta do mínimo de bondade que torna o espectador incapaz de encontrar um ponto de conexão inconsciente com as atitudes do personagem, não criando uma identificação tão próxima como a com Vader, mesmo sendo crucialmente importante para o enredo da saga.
Isso é um final?
Ainda há pelo menos uma dúzia de personagens que podemos citar aqui que, a mando de Sidious, ajudaram a corroborar o poder do lado negro da força e difundir o mal, assim como há diversos outros personagens bons que lutaram por um mundo livre e melhor, mas o ponto que queremos explorar aqui é como George Lucas, a partir da Jornada do Herói conseguiu conectar os personagens de Star Wars com a Jornada do Herói, influenciando a cultura pop de uma forma única.
As histórias continuam sendo contadas e de acordo com Campbell, é possível encontrar em cada personagem um resquício de Luke Skywalker, de Darth Vader, Yoda e outros mais, pois mesmo que sejam fruto de uma história única, foram gerados pela mesma árvore da mitologia. O grande impacto causado por Star Wars na história do cinema e principalmente na sociedade, em especial dos fãs do entretenimento, só realça a força que o cinema tem de construir narrativas a partir de mentes criativas, mas que estejam fortemente conectadas com a realidade das pessoas, onde sempre será possível se encontrar.
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