Crítica | Sweet Tooth – 1ª Temporada é uma fábula doce e sombria
Transformando as figuras da HQ em personagens de “carne e osso”, a Netflix entrega para os assinantes a 1ª temporada de sua nova e audaciosa produção baseada nos quadrinhos de Jeff Lemire — a fantasia Sweet Tooth. Misturando elementos fabulosos, drama e um toque sombrio, a série carrega para as telas uma carga dramática gigantesca, capaz de adoçar os corações mais pessimistas, além de alertar o público com uma mensagem afiada sobre a preservação da natureza.
Animais falantes estão no centro das principais fábulas infantis, metaforizando situações cotidianas, com o propósito de ensinar às crianças através da moral da história. Sempre há um discurso por trás de uma narrativa, com a finalidade de alertar, educar ou conscientizar. Livros, HQs, filmes e séries são canais promissores para a narração de tramas fantásticas, e graças a gigante do streaming o público pode espiar o futuro não muito distante, em que a fantasia utiliza híbridos de animais e humanos para construir a premissa de Sweet Tooth.
Indiretamente, pode-se considerar o show como o novo “Stranger Things”, uma vez que a trama fantasiosa, cercada por mistérios, insere crianças e adultos no enredo que vai do sombrio ao surreal, sem perder a mão. Aqui, a Netflix acerta no tom, modificando alguns pontos do material original, mas mantendo a qualidade narrativa.
Sinopse 1ª Temporada:
Gus, um menino-cervo, vive em um futuro pós-apocalíptico e faz parte de uma nova raça híbrida de humanos e animais. Isso é resultado de uma série de mutações que aconteceram depois do “Grande Colapso”, quando um misterioso e mortal vírus espalhou o caos pelo mundo. Devido à pandemia, Gus cresceu isolado por uma década, até que decide deixar sua casa na floresta para explorar o que restou lá fora e encontrar sua mãe desaparecida. Mas, contra todas as probabilidades, ele se torna amigo do ex-jogador de futebol Tommy Jepperd. Juntos, eles embarcam em uma aventura extraordinária por um planeta devastado.
Conexão emocional. Duas palavras que, quando combinadas, são capazes de criar uma legião de fãs, de construir uma sólida relação entre série e público. Um sorriso, uma gargalhada, uma lágrima e até um arrepio, são reações provenientes das emoções, respostas do nosso corpo quando algo toca nosso emocional. Foi o que aconteceu com inúmeros projetos televisivos que souberam mirar sua flecha narrativa no coração dos telespectadores, maravilhando-os.
É isso que está no centro da 1ª temporada de Sweet Tooth: conexão emocional. O nível sentimental é gigantesco e isso está atrelado a todos os pilares da história: personagens, roteiro, diálogos, fotografia e trilha sonora.
Gus, o protagonista, é sinônimo de “fofura”, de gentileza. Sua esperança pode soar quimérica aos adultos, mas no discorrer dos eventos, torna-se um lembrete para os “Grandões”. Não há mal nenhum sonhar, alimentar esse resquício de positividade chamado “perseverança”. Crescer é uma desconstrução chata, no entanto, algumas tramas cumprem a função de reavivar a criança interior, de despertar o cultivo da alegria, da vontade de crer no impossível. Querendo ou não, Sweet Tooth é um Conciliador, capaz de induzir alguns telespectadores a fazerem as pazes com a boa e velha Esperança.
Há mais de um ano, encontramo-nos diante de um cenário caótico, confinados e temorosos, por causa de uma pandemia viral. Consciente desse episódio real, a série cria fortes paralelos com o Hoje, e a todo momento nos vemos representados na história, seja através de um personagem ou de uma situação verossímil, ao ponto de esquecermos que estamos na frente de uma fantasia. Tal associação vale para a conturbada relação do homem com a natureza, pintada sutilmente na temporada inaugural, levantando questionamentos sobre o papel da humanidade em uma terra também habitada pela fauna e pela flora.
A galeria de personagens desse show é uma explosão de carisma. Os mocinhos, os vilões, e aqueles que estão no meio-termo, todos possuem múltiplas dimensões, explorados ao máximo. Jepperd, o parceiro de jornada de Gus, é a mente adulta, criando um laço afetivo com o Menino-Cervo, similar ao que já vimos no filme Logan ou na série de games de The Last of Us.
Dr. Singh e sua esposa, Rani, estão em uma ponta distante e são cruciais para o “andar da carruagem”. Mesmo como coadjuvantes, o roteiro respeita tais personagens, colocando sobre os ombros deles o mesmo peso de importância que está nas costas dos protagonistas. Aimee e sua filha Wendy (duas figuras similares a Jepperd e Gus) também assumem as rédeas narrativas, conduzindo viradas no roteiro e protagonizando um dos momentos mais enérgicos da 1ª temporada.
E não podemos esquecer “dele”, que apesar de não aparecer fisicamente, conduz a história com sua voz: o Narrador. Figura importante, cabe a “ele” o papel de levantar algumas reflexões diante da aventura e do caos. Uma voz suave, gentil, mas que não poupa metáforas ou lições de vida para passar ao público as principais temáticas, sem soar piegas ou enfadonho.
A fotografia é uma explosão de cores, condensando nos enquadramentos a natureza na sua forma mais selvagem e singular. Mesmo que se trate de uma “baixa fantasia”, as imagens combinam com perfeição o cenário urbano/rural com elementos fantasiosos.
Que semana feliz para ser fã de histórias nascidas da criatividade incomum e do devaneio absurdo. Uma boa dose de fantasia faz bem à saúde, e a Dona Netflix sabe muito bem disso! Não é à toa que ela presenteia os assinantes com a 1ª temporada de Sweet Tooth, uma “série promessa”, que marcará uma nova geração de crianças, adolescentes e adultos.
Na visão mais pessoal de todas, [eu] senti algo que há muito tempo não sentia. É difícil explicar, mas é fácil exemplificar. Sabe aquela sensação que você teve ao ver os minutos iniciais de Harry Potter, quando aquele bebê foi deixado na porta dos tios? Ou no momento que o quarteto de irmãos atravessaram o guarda-roupa, rumo à Nárnia? Ou quando a personagem Galadriel narra o prólogo de O Senhor dos Anéis: A Sociedade do Anel? Esse é o “sentimento” que Sweet Tooth desperta! Um “encantamento” complexo de transpor na tela, mas igualmente poderoso quando bem executado.
Fisgando a atenção (e o coração) da audiência nos primeiros cinco minutos do episódio piloto, Sweet Tooth se consagra como uma das principais produções que terá um longo tempo de vida no catálogo. Eis uma fábula viva, às vezes açucarada, às vezes sombria, mas cativante do começo ao fim.
Nota: 4,5/5
Assista ao trailer da 1ª temporada:
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