CRÍTICA | Deadpool e Wolverine: filme do ano ou álbum de figurinhas da Marvel?
“Deadpool e Wolverine” acerta na metalinguagem e descontração, mas peca na irrelevância de seus acontecimentos.
Deadpool e Wolverine é, sem dúvida nenhuma, o filme mais aguardado do MCU desde “Homem-Aranha: Sem Volta para Casa (2021)”. Com a mesma temática sobre o multiverso, o novo filme do Mercenário Tagarela, além de introduzir o personagem no universo cinematográfico dos maiores heróis da Terra, também tinha a missão de reviver (literalmente) um de seus personagens mais populares: o Wolverine de Hugh Jackman. Mas será que o longa corresponde à expectativa criada por seus dois protagonistas ou seria apenas mais um álbum de figurinhas da Marvel?
“Deadpool e Wolverine” | Disney
Explicando, um álbum de figurinhas (como o da Copa do Mundo) tem um formato padrão há décadas: suas páginas são preenchidas pelas seleções que disputarão o torneio e os jogadores convocados. Apesar da impressão e qualidade gráfica ter avançado significativamente ao longo dos anos, a expectativa não está exatamente na inovação de seu formato, mas sim nas figurinhas que o colecionador receberá em cada pacotinho.
E essa vem sendo a tonalidade dos filmes de multiverso da Marvel. Roteiros com pouca profundidade, eventos épicos mas sem grandes consequências no universo criado… Mantinha-se apenas a expectativa de descobrir quais heróis iriam aparecer em tela para agraciar a sede dos fãs (mesmo que seus papéis e trajetórias fossem descartáveis).
Mas filmes não são álbuns de figurinhas, e quando o espectador, mesmo o mais marvete, vê seus heróis favoritos com tempo de tela mínimo e relevância reduzida, suas expectativas são frustradas, deixando um sentimento de assistir apenas mais um blockbuster comercial, ausente do toque artístico característico da Casa das Ideias.
O exemplo mais recente disso foi o filme “Doutor Estranho no Multiverso da Loucura”(2023), que falha na tentativa de introduzir velhos conhecidos personagens ao MCU, reduzindo drasticamente seu tempo de tela e a abrangência de seus superpoderes, além de criar uma narrativa que consegue ser ao mesmo tempo épica mas irrelevante para o universo cinematográfico dos heróis. Mas será que o novo longa do Mercenário Tagarela sofre da mesma falta de profundidade da sequência do Mago Supremo?
Enquanto continuação dos outros dois filmes do Deadpool, a nova produção funciona muito bem. Suas referências metalinguísticas e temáticas irreverentes fazem jus aos anteriores, adicionando uma pitada à mais de acidez ao personagem ao brincar diretamente com a infantilização típica da Disney e o fim de seu estúdio anterior, a 20th Century Fox.
“Deadpool e Wolverine” | Disney
Falando em Fox, o filme funciona muito bem também como uma grande homenagem ao controverso estúdio que, apesar das escolhas artísticas questionadas, foi responsável por clássicos do gênero, como “X-men” (2000) e “Quarteto Fantástico” (2005), e ainda guarda um lugar nostálgico no coração dos fãs. A metalinguagem, nesse caso, também ajuda e muito para emular a relação de amor e ódio estabelecida entre o ex estúdio e seu público.
É, com certeza, uma carta aberta de despedida dos personagens da 20th Century Fox aos seus espectadores que cresceram vendo suas histórias, independente da qualidade de suas produções.
Agora fazendo parte definitiva do MCU, os heróis da Fox deveriam ser introduzidos ao Universo, criando a sinergia entre os diferentes filmes que marcaram as produções da Marvel desde o “Homem de Ferro” (2008). Neste ponto está talvez a sua principal falha, comum em filmes sobre multiverso.
O filme aposta em uma narrativa muito mais voltada para a metalinguagem do que para o “épico”, decisão acertada que cria uma atmosfera de empolgação no retorno do astro Hugh Jackman à franquia e a participação dos protagonistas em futuras produções como os próximos Vingadores. Mas seus eventos não parecem ter muitos efeitos práticos no Universo como um todo, diminuindo a potência de sua narrativa e revivendo um problema crônico do multiverso da Marvel.
Se os Universos são infinitos, acaba sendo um pouco difícil se apegar à uma linha do tempo apenas. De que vale o esforço para salvar o mundo se existem inúmeros outros iguais ou até melhores para se descobrir?
Esta falta de relevância de um único Universo frente à tantos outros cria um problema de identificação do público para com seus personagens. Tudo parece descartável e qualquer morte pode ser revertida como num passe de mágica (ou uma grande quantia de dinheiro) em produções futuras.
Mesmo assim, “Deadpool e Wolverine” encontra uma pequena brecha para este empecilho justamente ao aprofundar a metalinguagem de seu personagem principal. Os eventos podem ser infinitos, mas de alguma forma Deadpool parece saber de tudo que acontece fora das telinhas e esta interação cria uma narrativa divertida e única, ainda que não muito profunda.
O retorno de Wolverine após sua emblemática despedida no filme “Logan” (2017) é um retrato dessa dicotomia e Deadpool trata de lidar com isso logo na cena inicial, com muito sangue, piadas de duplo sentido e referências cinematográficas. Aliás, as referências são outro ponto alto do longa (como já era de se esperar). Sempre irreverentes e astutas, conseguem resgatar elementos clássicos do cinema, consolidando novamente o nome da Marvel como ícone da cultura pop. Em especial, as referências à “Furiosa: Uma saga Mad Max” (2024) e “Star Trek: A Ira de Khan” (1982) são as cerejas do bolo para o marvete mais cinéfilo.
As aparições, neste caso, também funcionam muito bem. Tanto no sentido de introduzir ótimos personagens ao MCU quanto de honrar o legado de suas histórias e filmes. Parece que os produtores aprenderam com os erros de “Doutor Estranho no Multiverso da Loucura” (2022), fazendo jus às aparições dos personagens e surpreendendo (e muito) em alguns dos casos. Os personagens (e atores escolhidos) possuem arcos específicos tanto na ficção quanto na vida real e a metalinguagem de Deadpool trabalha bem estas representações junto à expectativa do público.
“Deadpool e Wolverine” | Disney
Mas afinal, “Deadpool e Wolverine” é o filme do ano ou apenas mais um pacote de figurinhas da Marvel? A resposta é: nem um, nem outro. Seu roteiro muito conveniente em certos pontos e falta de consequências reais diminui a potência de seus personagens, mas o filme acerta na despretensão ao épico, criando uma narrativa divertida, engraçada, sangrenta e cheia de ação. Os personagens principais funcionam muito bem juntos, resgatando os bons momentos da parceria dos quadrinhos e revivendo (neste caso, literalmente) o Wolverine dos cinemas, ainda é ótima forma. Quase 20 anos depois, finalmente tivemos a interação Deadpool e Wolverine que os fãs tanto aguardaram e, principalmente neste sentido, o filme vai muito bem, obrigado.
“Deadpool e Wolverine” está longe de ser o melhor filme da Marvel, mas tem potencial para ser talvez o melhor até aqui sobre Multiverso, dando um gás no estúdio, que vivia seu momento mais baixo desde a criação do MCU e empolgando novamente as expectativas para os próximos Vingadores.
Independente de seus erros, a possibilidade de ver Ryan Reynolds como Deadpool, Hugh Jackman como Wolverine, Tobey Maguire como Homem-Aranha e tantas outras possibilidades marcantes de representações dos heróis mais poderosos da terra, reunidos é muito animadora. Mesmo sem a sinergia e relevância de eventos canônicos como estalar de dedos de Thanos, o longa foge da mesmice das últimas produções da Marvel e dá ainda uma sobrevida para o Universo, prendendo seus fãs novamente até o próximo filme dos Vingadores, pelo menos.
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