CRÍTICA | “Saideira” é uma dramédia brasileira que acerta na narrativa, mas escorrega nas piadas
“Saideira” tropeça ao tentar ser “dramédia”, mas surpreende pela temática repleta de brasilidade e aconchego
Em contato com o seu respectivo pôster, o longa “Saideira”, lançamento da Elo Studios, co-dirigido por Pedro Arantes e Júlio Taubkin e estrelado por Thati Lopes e Luciana Paes, pode passar uma primeira impressão de reproduzir algumas fórmulas do cinema brasileiro de comédia recente.
“Saideira” | Elo Studios
A colorização vibrante, título de caráter popular e escolha de atrizes para protagonistas davam indícios de que a produção poderia tentar reeditar as comédia de estereótipos adicionando rostos conhecidos mas de diferentes nichos , como é o caso de filmes recentes como “Os Parças” (2017) e “Farofeiros” (2018).
Este tipo de produção pode ocorrer na intenção de reviver a tradição de sucesso da comédia no cinema brasileiro aliado a uma tentativa de renovação do público, unindo o nicho de cinéfilos mais assíduos (neste caso, através de Luciana Paes) com a nova geração de consumidores da cultura digital (com Thati Lopes, conhecida inicialmente por seus papéis hilários em esquetes curtos do canal “Porta dos Fundos”).
Mas, para surpresa dos espectadores mais desavisado, a expectativa por mais uma sessão de piadas no estilo pastelão, diálogos em alto tom de voz e personagens com forte representação de estereótipos logo dá lugar à uma narrativa com temática e brasilidades sólidas, mesmo que tropece em alguns momentos entre o drama e a comédia.
O filme, bom exemplo de “dramédia”, conta a história de duas irmãs que, com a morte do avô, se reúnem novamente para embarcar em uma jornada de autodescobrimento e acerto de contas: uma viagem de carro pelo interior do Estado de Minas Gerais em busca do alambique responsável por produzir a lendária cachaça que apenas seu avô possuía, a cachaça “Saideira”.
“Saideira” | Elo Studios
E aqui reside justamente a principal valência desta produção: a temática que mistura relações familiares, história do Brasil e ode à mais brasileira das bebidas alcoólicas, a cachaça. Além, é claro, da deslumbrante ambientação em cidades icônicas como São Tomé das Letras e Ouro Preto, representantes mineiras da rota que ficou historicamente conhecida como Estrada Real.
O filme assume um caráter de roadmovie em grande parte de sua duração, e o espectador é transportado pelas estradas mineiras de maneira aconchegante (e também nauseante e cheia de ressaca). Destaque para o ótimo trabalho de cenografia, caracterização e direção de trilha sonora, que são fundamentais para desenrolar a trajetória das protagonistas de maneira leve, construindo uma narrativa agradável e divertida, principalmente, na chave do melodrama familiar.
Na chave da comédia, o filme não tem o mesmo êxito e leveza que em sua contrapartida. As piadas, apesar de em alguns momentos acertarem no tom, arrancando algumas risadas, sofre com uma falta de consistência e frequência, não sendo tão marcantes para a experiência quanto o mistério em torno do passado das personagens ou outros elementos narrativos mais conectados à chave do drama, sub aproveitando o potencial cômico e artístico de ambas as atrizes protagonistas.
Os diálogos também não contribuem para que o elenco entregue atuações mais condizentes com seus talentos, trazendo falas muitas vezes óbvias, que acabam por destoar do suspense criado em torno da origem da cachaça “Saideira” e da história dos familiares de Jo e Penélope, as irmãs protagonistas da trama.
Ainda assim, o filme opta por escolhas criativas de direção para que seu ritmo se mantenha firme ao percorrer este caminho de oscilação entre o humor e o melodrama, característica típica de outras “dramédias” de grande destaque entre o público, como a série norte-americana vencedora do Emmy, “The Bear” (2022) do canal norte-americano FX.
“Saideira” | Elo Studios
Vale aqui o destaque para algumas cenas muito criativas e de bom humor do longa, como a hilária cena de abertura, estrelada pelo gênio Tonico Pereira em ótima forma; a divertida cena em que Penélope, cachaçóloga de sucesso e herdeira de copo de seu avô, dá uma aula sobre a origem e a produção de cachaça no Brasil de maneira animada e dinâmica; e, talvez a melhor de todo o filme, a cena em que Penélope e Jo encontram o personagem do icônico Jackson Antunes para uma longa noite de intensa bebedeira em uma birosca esquecida no remoto interior mineiro, relembrando os melhores momentos de insanidade alcoólica do clássico australiano “Wake in Fright” (1971) do diretor Ted Kotcheff.
Portanto, apesar de tropeçar na alternância típica das dramédias, “Saideira” afasta os estereótipos da comédia pastelão e abraça a brasilidade de sua narrativa, convidando o espectador para uma divertida viagem pelo interior mineiro, propondo debates sobre familiaridade e regionalismo, apresentando muito do potencial criativo da parceria entre seus jovens diretores e deixando boas expectativas para futuras produções assinadas pela dupla.
É uma boa recomendação para o filme de domingo com amigos ou família, principalmente se for acompanhado de uma boa dose de pinga.
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