Com ritmo próprio e tons de humor e leveza, “De Volta à Alexandria” (2023) ressignifica o conceito de filme de estrada.
De volta à Alexandria (2023) te convida para uma viagem pelo Egito e por temas universais que se materializam em torno da jornada de sua protagonista. Ao receber a notícia de que sua mãe Fairouz (Fanny Ardant) está enfrentando problemas de saúde, Sue (Nadine Labaki), que vive há muitos anos no exterior, terá que retornar à sua cidade natal no Egito e lidar com todas as questões mal resolvidas de seu passado.
O longa do diretor e roteirista Tamer Ruggli constrói, através da jornada de retorno e autoconhecimento vivida por Sue, uma narrativa sobre temas universais como família, maternidade, separação de classes e embates geracionais, explorando um momento da vida das personagens que exprime ao máximo sua humanidade: a iminência da morte, e o legado que fica para os que permanecem vivos.
Este embate entre vida e morte, passado e presente, é exposto principalmente nos momentos de total alucinação da protagonista, que fantasia diálogos entre si própria e uma versão idealizada e ainda saudável de sua mãe, com participação especial de uma versão de si mesma na infância.
Através de cenas com duração maior do que o cinema comercial se habituou nos últimos anos, os diálogos entre mãe e filha trazem à tona as mágoas que ambas carregaram ao longo de sua relação, como a mãe que gostaria de ter tido um filho menino e a filha que abandonou seu país para afastar qualquer semelhança com a vida que sua mãe havia construído.
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“De Volta à Alexandria” (2023) | Tipimages Productions
A duração do filme transcorre de maneira surpreendentemente muito efetiva e trabalha com humor e leveza mesmo os episódios mais traumáticos vividos pelas personagens. Nesse sentido, vale o destaque para a cena em que Sue fantasia com todas suas antepassadas mulheres que já faleceram e aguardam, à mesa do jantar, a chegada de sua mãe para juntar-se ao clã fúnebre.
O filme, de narrativa simples mas sofisticado uso da linguagem cinematográfica, surpreende ao criar personagens ao mesmo tempo caricatas e multidimensionais, que despertam uma certa empatia compulsória mesmo para o espectador da mais distante cultura. É o caso da tia de Sue que, entre o apagar de um cigarro e o acender do próximo, tem o hábito de demonstrar carinho por sua sobrinha através de diversos foras, palavrões e grosserias (quem não tem uma tia ou tio rabugento desse na família?).
É muito curioso e reconfortante enxergar em outras culturas alguns dos mesmos dilemas vividos por pessoas do nosso convívio, dialogando sobre temáticas que transcendem as barreiras culturais de cada país ou região e é nessa proposta que o filme atinge seus maiores êxitos. A produção parece usar aqui do conceito do cinema enquanto espelho da sociedade, mas não busca refletir esta realidade através necessariamente de uma estética realista,que mimetiza uma representação fiel do real.
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“De Volta à Alexandria” (2023) | Tipimages Productions
Pelo contrário, na verdade o longa utiliza-se da linguagem audiovisual para trazer reflexões através de alucinações e diálogos apenas imaginados por Sue, numa representação da psique humana muito mais poética do que realista. Em sua viagem de retorno à Alexandria, Sue reconecta-se com o passado, com seus familiares e sua cultura. Mas é através da jornada interna que a personagem descobrirá a verdadeira redenção de sua relação com a mãe e, por consequência, consigo mesma.
Em alguns momentos, o filme parece emular o que nos habituamos a rotular como roadmovie, com algumas cenas de estrada, um chamativo veículo automotivo e trilha sonora bem marcante. Mas é, sem dúvida, na linguagem poética que reside os maiores acertos do longa, convidando o espectador a embarcar ao lado de Sue por estas duas viagens simultâneas, a da estrada e a interna.
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