CRÍTICA| Nosferatu, ou a beleza por meio do macabro
Dirigido por Robert Eggers, Nosferatu usa e abusa da estética expressionista para construir uma nova visão do épico.
O movimento expressionista alemão surgiu no começo do século XX como uma resposta cinematográfica à destruição do país, ocorrida durante a primeira guerra mundial. Com o país em crise, o cinema fez diversas produções que apresentavam como características principais: uma visão pessimista de mundo, o constraste entre luz e sombra, a atmosfera onírica do filme e uma arquitetura característica e vista como deformada, dentro de um cenário sempre de angústia e pesadelo. Entre as principais produções do movimento, está incluso Nosferatu (1922, F. W. Murnau.), um filme que ganhou recentemente a sua terceira versão pelas mãos de Robert Eggers.
Nosferatu é considerado uma livre adaptação da história de Drácula, de Bram Stoker. Após Murnau não conseguir os direitos do livro, o filme foi gravado alterando todos os nomes e seguindo os mandamentos do expressionismo alemão, se tornando uma visão única da obra do escritor irlandês, e uma sinfonia de horror, como diz o seu subtítulo.
Toda adaptação, seja de Drácula ou Nosferatu, conta a mesma história sob uma diferente ótica. A história se resume em um homem britânico, recém casado, que é mandado para um país distante com o intuito de fechar um acordo imobiliário com um conde misterioso, porém, ao chegar lá, descobre que o conde é um vampiro, assim, juntamente com outros homens, deve impedir que ele espalhe sua praga pelo novo mundo, ao mesmo tempo que deve salvar a sua esposa do monstro.
A alegoria do homem estrangeiro está presente, juntamente com o erotismo que acompanha as versões, de uma maneira ou outra. O homem britânico é visto como casto, cito como exemplo Keanu Reeves em Drácula de Bram Stoker (1992, Francis Ford Coppola), como um homem que é o auge da pureza e da santidade, enquanto o vampiro é um poço de eroticidade, principalmente se levarmos em consideração a sua paixão pela carne e pelo sangue, a ponto de sugar de suas vítimas, até deixar sem nada.
Nicholas Hoult e Aaron Taylor Johnson em cena de Nosferatu- Divulgação Universal Pictures
Eggers aposta em um Nosferatu mais sexy do que os realizados anteriormente, sem medo de voltar às raizes de um folclore permeado por contos de horror e erotismo. Quando Thomas Hutter, Nicholas Hoult, tem seu sangue sugado pelo vampiro, sua cara representa um orgasmo, a relação entre Ellen e Nosferatu beira um amor doentio e de êxtase erótico, como se o monstro conseguisse dar a ela, algo que o marido jamais poderia. Ao falarmos do vampiro, a caracterização do Nosferatu de Eggers, traz mais uma camada na discussão sobre masculinidade do estrangeiro em comparação ao europeu: um vasto bigode.
Isto parece algo pequeno e até cômico, porém, dentro do mundo construído e somado a uma assustadora atuação de Bill Skarsgård, é algo que acrescenta muito dentro da história do personagem, construindo um Nosferatu extremamente viril ,em comparação ao puro Thomas Hutter, um homem sem nenhum pelo de barba no rosto.
Este visual de Nosferatu, destoa muito da versão de 1922 e do subsequente remake de 1979, dirigido por Werner Herzog, assim, foi uma decisão corajosa da Universal ocultar o verdadeiro design de Nosferatu até o lançamento da produção, gerando uma surpresa até mesmo choque no público, que esperava o mesmo careca icônico de sempre.
Esta não é a única liberdade dentro do filme de Eggers. A verdadeira protagonista de seu Nosferatu não é Thomas Hutter, e muito menos o próprio vampiro, porém, Ellen Hutter, de todas as versões, esta é a que ela realmente carrega o manto de protagonista, muito por conta de uma surpreendente atuação de Lily-Rose Deep.
Lily Rose Deep em cena de Nosferatu-Divulgação Universal Pictures
Sua relação com o personagem de Willem Dafoe, o único que consegue realmente enxergá-la, é um dos pontos altos da produção. Nosferatu se inicia e se encerra com ela, com um plano inclusive, que modéstia a parte, eu teria emoldurado na parede pois é a perfeita composição entre o que há de mais belo no mundo e ao mesmo tempo o que há de mais macabro.
Do mesmo modo que Robert Eggers se inspirou no folclore para a construção de seu vampiro, o filme apresenta diversas referências e simbolismos que remetem ao movimento expressionista, à arte gótica presente na idade média e à arte barroca, principalmente em sua composição entre luz e sombra, algo utilizado pela fotografia, sempre maravilhosa de Eggers, como forma de construir tensão.
Ao final da produção, Nosferatu entende o seu papel como uma adição à esta sinfonia de horror que já dura mais de cem anos, ele não tenta reinventar a roda, mas sim, passar a sua própria visão da mesma história, de uma maneira que somente ele conseguiria.
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