Crítica | O Oficial e o Espião – Obra de Polanski retrata os sacrifícios para o “bem da Pátria”
A grandiosidade do trabalho de um diretor é vista de muitas formas como prêmios, bilheterias e novos projetos oferecidos ao cineasta. Assim como, o comportamento do público, em usar uma figura de linguagem que substitui a obra pelo nome do criador. É isso que acontece com o filme O oficial e o espião; que na boca dos telespectadores é chamado de “o novo filme do Polanski“.
Sinopse O oficial e o espião:
Paris, final do século 19. O capitão francês Alfred Dreyfus é um dos poucos judeus que faz parte do exército. No dia 22 de dezembro de 1884, seus inimigos alcançam seu objetivo: conseguem fazer com que Dreyfus seja acusado de alta traição. Pelo crime, julgado à portas fechadas, o capitão é sentenciado à prisão perpétua no exílio. Intrigado com a evolução do caso, o investigador Picquart decide seguir as pistas para desvendar o mistério por trás da condenação de Dreyfus.
Roman Polanski é um artista da indústria cinematográfica capaz de transformar a experiência audiovisual em um
marco pessoal para cada pessoa que assiste aos seus filmes. Responsável pelos sucessos O Pianista (filme que o consagrou com o Oscar de melhor diretor em 2003) e pelo clássico do terror O Bebê de Rosemary (longa de 1968), Polanski, mais uma vez, consegue mostrar que seu repertório é vasto, ao apostar numa história minimalista, que cresce progressivamente, roubando nossa atenção como um ilusionista num show de mágica.
O diretor sabe como causar na gente o sentimento de “impotência”. É isso que nos sufoca perante as injustiças expostas em O oficial e o espião.
Na primeira cena, o personagem Dreyfus está cercado por todo o batalhão francês e mesmo com tantas pessoas ao seu redor, é palpável a solidão que o cerca naquele momento (um presságio de seu futuro). Todos ali o enxergam apenas como um traidor. Aliado a isso, o céu com nuvens escuras simboliza a tempestade prestes a eclodir dentro daquele personagem injustiçado. Ao ser destituído de seu cargo, em uma cena humilhante, Dreyfus se mantem firme, de cabeça erguida, enquanto grita aos seu companheiros “sou inocente“. Um momento iniciado de forma simplória, que repentinamente é engolido por uma atmosfera densa.
A partir disso, o filme mostra todas as artimanhas que os homens fardados são capazes de fazer para que a injustiça seja feita. A mensagem é clara, quase escrita na tela. Para um bem maior, tudo é permitido. Chantagear, mentir, matar e acusar um inocente. Tais abominações transformam-se em pilares da justiça, para que os homens de farda mantenham o status de heróis da nação. A que custo? Bom, é aí que o filme se torna um soco no estômago, esmiuçando o processo para o “bem maior“.
O roteiro, também assinado por Polanski, é eficaz ao ir fundo nos detalhes que envolvem o novo cargo de Picquart (interpretado pelo ator Jean Dujardin), que se torna o novo responsável de um gabinete que intercepta cartas e telegramas, desrespeitando o sigilo das correspondências, em prol da “segurança da Pátria“.
Nomeado como o novo Chefe do Serviço de Inteligência, o personagem Picquart é usado pelo enredo como se fosse os “os olhos do público”, pois será pela visão desse personagem que veremos as etapas da espionagem feita pelo Departamento de Inteligência.
Usufruindo da camada visual, o filme expõe o poder e a fraqueza da comunicação, e como a manipulação desta é capaz de criar verdades mentirosas (desculpa o paradoxo). Indo além, o filme ainda tem tempo de narrar como a opinião pública reverencia tais “verdades”.
Carregando a trama por longos minutos de projeção, o ator Jean Dujardin é dono de uma interpretação poderosa e envolvente. No primeiro ato do filme, o personagem escancara seu preconceito; mais precisamente seu antissemitismo o que nos faz torcer o nariz para ele. Logo, assumindo as rédeas de seu novo trabalho, o militar Picquart descobre uma prova que contesta o acusamento do Dreyfus. Obstinado a brigar pela verdade, é nesse ponto que o personagem começa sua metamorfose. O ator vai muito além; sua raiva, sua desconfiança e sua força de querer provar a inocência de seu ex-aluno é como um quadro pintado bem na nossa frente: é perceptível, é convincente. Em outras palavras, é uma atuação deslumbrante.
Louis Garrel (que interpreta o injustiçado Dreyfus) é fadado a um grande desafio de interpretação. Mergulhando fundo nos fantasmas de seu personagem, ele transmite muitos sentimentos usando somente o silêncio. Preso e exilado em uma ilha, o ator conjura em seu papel um olhar que fisga o nosso. É como se ele gritasse com os olhos, com o corpo e com a expressão neutra. Mas, sempre mantendo a postura do militar. Não é fácil atuar com tamanho contraste, mas Louis faz isso muito bem.
A época que se passa o filme é retratada com maestria pela fotografia. O focinho das câmeras abusam dos planos abertos, utilizando os prédios históricos e os comércios antigos para evidênciar o período da narrativa. A interação entre personagens e elementos cenográficos, captados por um enquadramento inteligente, conduz o olhar espectador para os objetos de cena, que por sua vez movimentam o andar da história.
A cena inicial, por exemplo, quando a câmera foca nas insígnias jogadas no chão ao lado dos pés de Dreyfus, quando acusado, nos conta muito sobre o momento; é a honra de um militar sendo destruída. Isso se repete muitas vezes, quando os personagens interagem com as cartas, jornais e telegramas. Somado a isso está o figurino impecável e a trilha sonora, que combinados fazem um trabalho em grupo excelente.
O segundo ato é feito de cenas mais intimistas, às vezes silenciosas, outras vezes sustentadas por uma troca de olhares. E, é nesse ponto que podemos enxergar o brilho da narrativa.
O clímax do filme é regido por um tribunal com julgamentos, testemunhas e muitas reviravoltas. Nada que diverge dos outros filmes que retratam a corte marcial. É o momento mais importante do filme, mas a essência e a força estão no segundo ato. O desfecho de O oficial e o espião segue com lentidão. Mas, nos minutos finais surge uma pressa em contar os fatos, atropelando uma evolução que estava se construindo com calma.
O título da obra em português merece elogios, também. Ao longo da projeção os dois personagens centrais vestem o manto de “oficial e espião”. Enquanto um é acusado injustamente de ser o espião, o outro usa a espionagem como procedimento legal em seu novo cargo.
Em suma, O oficial e o espião é um filme que possui força, mas não equipara-se as demais obras do diretor. Uma história que merecia ser contada, da forma que somente o cinema de Polanski é capaz de contar.
No Brasil o filme será distribuído pela Califórnia Filmes.
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