CRÍTICA (FESTIVAL DO RIO) | Apesar do nome, Bruxas é um documentário muito humano
Fazendo uso de material de arquivo, Bruxas constrói um retrato sobre maternidade a dor feminina pós parto.
Bill Nichols, um dos maiores estudiosos do gênero documental, delimita o gênero em 6 tipos: Expositivo, Observativo, Participativo, Reflexivo, Poético e Performático. Bruxas, se encaixa em três destas categorias: ele é um documentário participativo, na medida que diversas mulheres, incluindo a diretora, prestam seus depoimentos sobre a dor e a agonia que sofreram após o parto; é um documentário reflexivo, ao usar imagens de arquivos de filmes diversos para construir uma linha de raciocínio que conduz toda a produção; e principalmente é um documentário poético ao agir como um estudo psicológico e um modo destas mulheres se abrirem de forma terapêutica.
Bruxas é narrado por Elizabeth Sankey, diretora e participante do documentário. Logo em seu inicio, vemos diversas imagens de filmes clássicos do cinema que apresentam alguma forma de bruxaria, seja Macbeth, As Bruxas de Eastwick (1987), A Bruxa do Amor (2016), Jovens Bruxas (1996), entre outros.
O principal paralelo realizado ocorre quando se é analisado o filme O Mágico de Oz (1939). Elizabeth diz que desde pequena, sempre quis ser uma bruxa, porém, uma boa como Glinda, nunca a Bruxa Má do Oeste, enfatizando a dualidade interna entre as duas personagens da produção.
A partir deste exemplo, somos apresentados à capítulos dentro documentário, cada um tomando como inspiração um trecho ou alguma frase do Grimório das Bruxas. Em cada capítulo, entramos mais a fundo na dor e culpa que Elizabeth, e outras mulheres como Sophia Di Martino, a Sylvie da série Loki (2021-2023), sentiram e ainda sentem por estarem encabeçadas dentro de um papel de mãe que são obrigadas a seguir.
Em uma parte da entrevista, Sophia diz que a culpa nunca vai embora, você tem o filho e depois disso somente sobra culpa. Seguindo esta lógica, o documentário segue uma linha semelhante com o que Clarissa Pinkola Éstes fez em seu livro Mulheres que Correm com Lobos, trazendo caminhos para que as mulheres se libertem de um regime social que as aprisiona, sendo a principal forma de isto ocorrer, é na forma de sororidade, afinal, muitas mulheres sofrem sozinhas por medo de não serem compreendidas.
Elizabeth Sarkley, diretora e roteirista de “Bruxas”- Foto cedida pelo Festival do Rio
Em Bruxas, Jessica discute o estigma de maternidade e a importância de se unir com o espectro de dor que ela carrega, se abrindo sobre como teve que ser internada em um hospital psiquiátrico após o nascimento de seu filho, porém, este acontecimento permitiu que ela conhecesse outras mulheres que sentem o mesmo, permitindo que ela se libertasse de parte deste sentimento, aceitando que este sentimento é algo normal a se sentir dentro de determinado contexto.
Por meio de dados históricos como o julgamento das bruxas de Salem, quadros históricos e muitos arquivo de filmes. Acompanhamos estes depoimentos com dor no coração, porém, uma felicidade, pois, ao fim, é explorado novamente O Mágico de Oz (1939), desta vez a partir de uma nova visão: a importância de se aceitar o lado Bruxa Má do Oeste, pois, a partir dele, que a mulher consegue se encontrar, encontrar o seu coven, e se libertar de um sentimento social imposto inconscientemente na mulher há muitos anos, afinal, manter a personagem de bruxa boa por toda a vida, apesar de ser isso que se espera das mulheres, é inviável, trazendo culpa e ressentimento no processo.
Leia também:
Deixe um comentário
Você precisa fazer o login para publicar um comentário.