CRÍTICA (FESTIVAL DO RIO) | Continente é uma história de vampiro em sistema coronelista
Dirigido por David Pretto, Continente usa o vampiro para analogia ao colonialismo
Por grande parte de Continente, fazemos um paralelo com Bacurau (2019) de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles. As semelhanças incluem: um vilarejo afastado do mundo, com moradores que tomam um remédio, cuja pessoa que protegia, acabou de falecer, e assim, após esta morte, o vilarejo começa a sofrer as consequências da morte de seu protetor.
As diferenças entre Bacurau e Continente se encerram aí, abrindo espaço para as diferenças, como: um homem branco, e estrangeiro, que falece ao invés de uma mulher negra, sua filha francesa que retorna ao povoado com o namorado, um senso de tensão constante que somente é explicado no meio do segundo ato em diante, e vampiros.
Continente retrata a queda de um sistema de coronelismo, em um pequeno povoado, e a substituição necessária para evitar a ruína da região. Todos trabalhavam para o antigo patriarca, todos respondiam à ele, e em troca, a cada 15 dias, recebiam seu pagamento em forma de sangue, ou seja, o patriarca sugava o sangue do morador, e vice-versa, para assim, manter a paz dentro dentro do vilarejo.
Cena de “Continente”- Foto divulgada pelo Festival Do Rio
Após sua morte, a cidade rapidamente inicia um processo de auto-destruição e violência, algo que não existia durante o domínio de seu coronel, assim, todos os moradores viram ovelhas sem pastor, sem saber o que fazer. Em uma cena, que relembra os zumbis de George A. Romero, muitas pessoas, sem vida no olhar, prestam respeito ao falecido patriarca, assim, lentamente todos entram na casa e tentam sugam o sangue do corpo sem vida.
O vampiro é um dos seres fantásticos mais discutido dentro do cinema e da literatura, cada produção tenta reinventar sua mitologia secular, seja o vampiro que brilha na luz, o vampiro atormentado, a vampira vizinha de um menino, ou o vampiro dono de um hotel. No caso da produção de Davi Pretto, o vampiro age como o dono de uma fazenda que protege todo o povoado, após sua morte, uma nova pessoa deve assumir este papel, alguém que apresenta o mesmo sangue do antigo coronel.
Do mesmo modo que A Herança, de João Cândido Zacharias, Continente segue uma estrutura básica de filmes de horror já estruturados e consagrados mundialmente. Seu principal ocorre no clichê do retorno para casa, neste caso, na forma de Amanda, filha do patriarca que viveu 15 anos na França. Ela é seduzida pelo lugar, mesmo com todas as indicações que algo está errado.
Ana Flavia Cavalcanti em cena de “Continente”- Foto divulgada pelo Festival Do Rio
Amanda aceita o seu destino e se torna a nova provedora para o vilarejo. Em uma cena extremamente erótica, suga o sangue de cada um dos moradores do local, em ambos os praticantes do ato apresentam um êxtase catártico, não fugindo da conotação sexual tão presente na mitologia de vampiros.
Desde antes de sua mais famosa interação em Drácula de Bram Stoker, o vampiro é um estrangeiro. Nem Amanda, nem seu pai antes dela, eram brasileiros, porém, são eles que dominam a região e controlam os moradores com punho de ferro, dentro de um um sistema claro de suserania e vassalagem. Continente é um filme chocante, subvertendo um ideal patriarcal em diversas cenas, desde ele ser substituído por uma mulher, até a personagem de Helô, uma mulher, médica e negra, que recusa este sistema de soberania, porém, cede ao perceber que não existe escapatória.
A produção é lenta em sua maior parte, porém, ao entrar de cabeça no horror do vampiro, o filme prende como poucos conseguem fazer, misturando um hermetismo em alguns momentos, um realismo fantástico em outros como uma chuva de sangue, e cenas de violência extremamente gráficas em outros.
Continente é uma excelente adesão ao gênero de horror nacional que se encontra em rápida ascensão, usando um mito secular e conhecido, para construir analogias ideais para o nosso país.
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