Crítica | Belle – A existência virtual é uma máscara, mas também um refúgio!
Ganhando distribuição no território nacional pelas mãos da Paris Filmes, Belle é, definitivamente, uma jornada que visa o compartilhamento de emoções provenientes da trama sensível e do design surreal. Emoldurado pela ficção e embalado pelo drama, a animação nipônica é um aceno forte ao mundo dos MMO — Massively Multiplayer Online — jogos online com um número gigante de jogadores, vide: Final Fantasy 14, The Sims, entre outros.
Não é de hoje que as animações orientais rompem a linha do público infantil para abordar temas densos, vistos de forma diferente pelos adultos. Em 1988, o saudoso diretor (e um dos pais fundadores do Studio Ghibli) Isao Takahata lançou o devastador Túmulo dos Vagalumes; longa que usou o poder dos desenhos para abordar a vida cruel dos órfãos de guerra. Cinco anos antes, Gen Pés Descalços, de Mori Masaki, optou por uma mensagem mais aterrorizante, tornando as cores um meio para pintar a morte em massa causada pelas bombas atômicas. Agora, em 2022, o esgotamento psicológico e a fuga da realidade estão no cerne de Belle, obra do talentoso Mamoru Hosoda.
Sobre o filme:
Suzu é uma estudante tímida do ensino médio que vive em uma vila rural. Por anos, ela foi apenas uma sombra de si mesma. Mas quando ela entra em “U”, um enorme mundo virtual, ela foge para sua persona online como Belle, uma cantora linda e globalmente amada. Um dia, seu show é interrompido por uma criatura monstruosa perseguida por vigilantes. À medida que sua caçada aumenta, Suzu embarca em uma jornada épica e emocional para descobrir a identidade dessa misteriosa “fera” e descobrir seu verdadeiro eu em um mundo onde você pode ser qualquer um.
A maioria das histórias nascem de ideias. No entanto, existem aquelas que vêm para esse mundo a partir de um sentimento ou emoção. Dor, raiva, luto, amor, empatia e solidão. Enxerga-se um misto abstrato de sensações em Belle e a culpa disso concentra-se na personagem chave dessa jornada.
De início, o enquadramento e o mundo virtual lembram o distante Guerras de Verão, primo mais velho de Belle, lançado em 2009. Porém, rapidamente, a trama seguiu os moldes de A Garota que Conquistou o Tempo, apostando alto no drama. Todos esses filmes, aliás, são frutos de Mamoru Hosoda, que transforma suas animações em discursos que podem abraçar, ferir, ou sacudir os telespectadores de suas realidades.
Depois do sentimental e encantador Crianças Lobo (animação de 2012), Hosoda continua a assinar suas obras com a mistura de fantasia, ficção e drama. Aliás, é o drama que possui a maior dose em suas receitas! Afastando saídas fáceis e fugindo do melodrama, ele constrói, com um passo de cada vez, contexto externo e interno para justificar as ações ou falta de ações de sua protagonista em Belle. O mesmo acontece, é claro, com outros personagens que possuem destaque.
Longe de criticar os consumidores de MMO, Hosoda assume a missão de mostrar a verdadeira face das pessoas que abraçam a existência através das telas do celular ou computador. Expondo uma visão que, ao mesmo tempo, é otimista e pessimista, o diretor, também roteirista, evidencia as razões alheias que levam os jogadores a usarem os games como esconderijo. Inclusive, ele se propõe a pincelar a recepção amistosa e violenta existente nesses jogos.
Suzu, a protagonista de Belle, é marcada pelo passado: carrega em si muitas feridas. Sua existência nesse roteiro se dá pela sucessão de acasos que a fazem achar um lugar aconchegante no mundo digital. Isto é, ela encontra um caminho virtual para se encontrar no mundo real. Seu arco narrativo, é claro, se cruza com uma figura feroz e corpulenta, apelidada de Fera. Foi nesse momento que eu me perguntei “será que a protagonista correrá, o tempo todo, atrás de outro personagem para se curar?“. Todavia, ajudando o outro e sendo empática foi a melhor escolha que o diretor fez, uma vez que a história do passado da personagem é mostrada.
Com a presença dos avatares do jogo, que são máscaras virtuais para os jogadores, o texto de Belle preocupa-se em escancarar as fraquezas e forças de seus personagens, inserindo-os em uma cadeia de acontecimentos. Acenando diversas vezes para A Bela e a Fera, o filme não está interessado em contar uma história de romance e isso é entendido nos minutos iniciais. Com esse objetivo claro, algumas aparições de certos personagens tornam-se um grande ponto de interrogação quando a história para, simplesmente, para mostrá-los e não conceder um maior desenvolvimento para estes.
Por outro lado, a figura que está atrás da tela, vivendo sua vida como A Fera, essa sim, possui consistência em suas poucas aparições. É na revelação final que Hosoda explica a “razão” de alguns jogos se tornarem refúgios. Todos nós, de alguma forma, construímos uma versão do nosso “eu” na “Cybervida”, seja nos games ou nas redes sociais. No fim das contas, temos os nossos avatares, de um jeito ou de outro. Enfim, ainda que Belle perca forças no segundo ato, o enredo lapida um desfecho cativante. Com um pé na realidade nada fantasiosa e outro no mundo virtual, a animação se consolida como mais um trabalho tocante de Mamoru Hosoda.
Nota: 3,5/5
Assista ao trailer:
Veja também: A Lenda do Cavaleiro Verde | Longa medieval com Dev Patel chega ao Amazon Prime Vídeo.
Deixe um comentário
Você precisa fazer o login para publicar um comentário.