Crítica | Castlevania — Temporada Final é um épico sombrio digno dos games
Quatro anos atrás, a Netflix abriu uma porta para a escuridão. Das sombras, renasceu um dos jogos mais aclamados da empresa Konami — Castlevania. Deixando os consoles e migrando para o streaming, a série animada adaptou a trajetória dos “games” seguindo os passos do caçador de monstros, Trevor Belmont. Após três ciclos, a temporada final é uma recompensa para os fãs, transpondo o horror visual e a ação frenética presente no material de origem.
É comum observar rostos franzidos e sobrancelhas arqueadas quando uma manchete no mundo do entretenimento anuncia uma adaptação audiovisual de “games”. Essa reação é uma resposta automática dos fãs, pois nos últimos anos eles tiveram que engolir, a contragosto, versões cinematográficas que não respeitavam a fonte primária. Nos cinemas, Resident Evil fez bilheteria, mas conquistou uma parcela ínfima de apreciadores dos jogos. Warcraft – O Primeiro Encontro de Dois Mundos, longa baseado no clássico dos MMORPGs, também deslizou no abismo, despertando apenas a insatisfação dos “gamers”.
Livros, jogos e HQs. Afinal, todas as adaptações precisam ser fiéis? Esse é um debate que está impregnado na essência da Cultura Pop, e até hoje não há uma resposta unânime. Assim como existem exemplos que desagradaram a audiência, o oposto também está por aí.
Na prática, o que faz uma releitura ser um projeto bem sucedido é a qualidade narrativa, a assinatura criativa combinada entre roteirista e diretor e uma representação que respeite o personagem existente em outra mídia. Esse é o combo de acertos que Warren Ellis fez na conclusão de Castlevania.
Sobre a temporada final:
Valáquia entra em caos enquanto facções se confrontam: algumas tentando assumir o controle, outras tentando trazer Drácula de volta dos mortos. Ninguém é quem parece, e ninguém é confiável. Estes são os tempos finais.
A temporada final de uma série detém a responsabilidade de encerrar a jornada, de trancar todas as portas abertas e concretizar as promessas feitas no decorrer da história. Castlevania nasceu na Netflix de forma introspectiva, com apenas quatro episódios, e no andar da carruagem foi ganhando força e forma, apostando nas raízes que fizeram o jogo se popularizar. Agora, dez capítulos cumprem a tarefa de apresentar o “grand finale”.
A cena de abertura ancora nossa atenção em Sypha e Trevor, ou seja, somos agraciados pela química fervorosa que existe entre eles. Contemplar a Maga e o Caçador de Monstros atuarem em conjunto é um vício; sempre queremos mais dessa dinâmica. Como um dueto destrutivo, ambos alcançaram o entrosamento perfeito. É divertido e assustador assistir os seres demoníacos suarem muito para enfrentá-los.
Warren soube equilibrar o “ouro” que tinha nas mãos: os protagonistas e os coadjuvantes. A dinâmica criada por ele, além de sagaz, transforma o arco dos personagens em um grande espetáculo lúgubre. O aproveitamento feito com os coadjuvantes é o ponto alto na temporada final. Isso já ocorreu nos ciclos anteriores, no entanto, aqui é maior o tempo de tela que eles têm. Alucard, Trevor e Sypha, três pilares cruciais no roteiro, dessa vez passam mais tempo nos bastidores, enquanto os personagens secundários brilham em narrativas paralelas que conquistam nossa atenção.
Basta um minuto para que o público compre essa ideia, incentivados pelos monólogos bem arquitetados que desbravam o passado, a ambição e a tese trabalhada nos coadjuvantes. Esse cuidado especial vai na contramão de outras produções que tratam tais figuras apenas como suporte narrativo. Entretanto, em Castlevania, todos as peças usufruem o poder de movimentar a história para frente; aqui os peões também são reis, decidindo o destino nesse tabuleiro sangrento.
Trevor Belmont é aquele personagem carrancudo e boca suja que conquista nossa empatia logo de cara. Um especialista em combate com armas, ele eleva o nível de dificuldade para os inimigos toda vez que entra no campo de batalha. Seu arco de personagem é uma bomba relógio: nunca sabemos se ele vai explodir ou se as coisas ao redor dele vão. De fato, ele é um ímã para o caos.
Ora herói, ora anti-herói, afinal o que pesa mais? Existe uma balança interna no Belmont, oscilando constantemente. Assumir um manto é a grande pergunta na última fase, e caberá aos episódios finais concederem uma resposta definitiva.
Já Alucard é como uma fênix renascendo das cinzas. Depois de uma terceira temporada que o deixou de “escanteio”, ele recupera o fôlego, tomando as rédeas de um protagonista. Sob uma narrativa que o insere no centro de uma batalha, quase como um salvador divino, o filho do Drácula precisa lutar, física e mentalmente, contra seus inimigos e os fantasmas que sussurram em sua cabeça.
O senso de justiça e a vontade de perseverar são os atributos que nutrem a força de Sypha. Canalizando esse dom graças ao diálogo, a personagem cresce episódio após episódio. Suas escolhas e questionamentos são fortes como um discurso. Aliás, todas às vezes que Sypha movimenta as mãos, conjurando elementos da natureza, a animação se transforma em uma explosão de cores e movimentos. A fluidez utilizada para animar os dons dela é um deleite visual. Água, gelo, fogo e sangue — essa é a fórmula que nunca perde o efeito de impressionar.
A temporada final de Castlevania é uma experiência que une a imersão dos jogos com o poder narrativo de uma série. Diversas cenas simulam o enquadramento dos “games”, como se o público estivesse usando um “joystick invisível”, movendo os personagens nas cenas de batalha. A movimentação giratória e a perspectiva visual durante o confronto final é similar ao clima de títulos como God of War e Shadow of the Colossus.
Para a Netflix, esse “game over” é o “start” para futuras adaptações de games. A princípio, pode soar prematuro o encerramento da série em seu 4º ano. Todavia, é preciso ter muito tato para colocar um ponto final em uma história. E o criador Warren Ellis escolheu o momento certo, transformando Castlevania em um épico gótico.
Nota: 4,5/5
Assista ao trailer:
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