Crítica | Ilha de Ferro – 1ª Temporada
A guerra de streamings foi declarada quando grandes nomes entraram na acirrada disputa. Disney+, Telecine Play e Amazon Prime são exemplos de empresas que observaram o sucesso que a Netflix alcançou, e decidiram investir nesse meio. Com a finalidade de abocanhar uma fatia desse mercado, a Globo entrou nessa disputa com o Globoplay, apostando, inclusive, em conteúdo original como a 1ª temporada da série Ilha de Ferro.
O homem é capaz de se tornar uma ilha quando não encontra uma cura para as feridas emocionais. O filósofo Nietzsche escreveu “não venha roubar minha solidão, se não tiver algo mais valioso para oferecer em troca”, tal frase sintetiza muito bem os dramas dos personagens de Ilha de Ferro. Os protagonistas Dante e Júlia, acostumam-se com a solidão, todavia a convivência colocará ambos em conflito.
Sinopse 1ª Temporada de Ilha de Ferro:
Dante é o coordenador de produção da PLT-137, uma plataforma petrolífera recordista de acidentes. Ele sonha em se tornar gerente do local, mas fica revoltado quando percebe que precisa competir com a recém-chegada Júlia pelo cargo. No entanto, é no meio dessa disputa que acaba surgindo uma paixão entre os dois capaz de mudar o rumo de suas vidas.
O roteiro da série aproveita o cenário isolado e hostil para criar tramas que oscilam entre o drama e a ação. A produção é resultado das mentes criativas de Max Mallmann (criador da obra literária As mil mortes de César) e Adriana Lunardi (autora do livro A longa estrada dos ossos). Ambos fazem um trabalho convincente, mas alguns deslizes no enredo vão surgindo no decorrer dos 12 episódios da 1ª temporada. Uma edição mais rígida, com certeza, compactaria a série em 8 capítulos, tirando alguns excesso narrativos que não movimentam o plot.
Não há problema algum quando uma história finca suas bases em dois gêneros. Quando bem feito, torna-se um recurso de saltar os olhos. O erro de Ilha de Ferro é fazer isso de forma desequilibrada. No início da série podemos ver com clareza a desigualdade da balança narrativa, que não sabe aprofundar algumas situações. Somente nos minutos finais que o drama ganha força e um cliffhanger nos catapulta para o próximo episódio.
Ilha de Ferro cria a todo momento novos conflitos. A pergunta é a seguinte: todos eles são necessários? Enquanto os personagens principais enfrentam guerras internas, os coadjuvantes recebem conflitos que não apresentam nenhuma consequência e são resolvidos de forma pífia. Um exemplo é o casamento organizado às pressas, mas desfeito por uma traição, para segundos depois a deslealdade ser perdoada. Tudo acontece em um único episódio sem relevância alguma. Veja, o problema não são os personagens; o grande defeito é o desenvolvimento superficial que colocam sobre eles.
Há uma simbologia representada pelo roteiro, que merece todos os elogios. No decorrer da 1ª temporada fica nítida para o espectador que a plataforma petrolífera funciona como um refúgio para que alguns personagens fujam de seus fantasmas. Em outras palavras, é como se eles fossem náufragos por vontade própria. Sutilmente, o roteiro vai apresentando os monstros que habitam a terra firme e obrigam os personagens a tornar a Ilha de Ferro um abrigo.
Quatro nomes se destacam na produção. Cauã Reymond assume muito bem sua função de protagonista. O ator tem um bom desempenho ao dar vida para o carrancudo e amargurado Dante; um líder nato que conquista nossa admiração através da química com as demais figuras da trama. Seu arco é recheado de traições, perdas e escolhas de vida ou morte. Está no olhar de Cauã a preocupação de seu personagem. Não podemos ver ou ouvir os gritos internos dele, mas podemos sentir.
Maria Casadevall faz Júlia Bravo, a nova gerente da plataforma petrolífera. Um dos pilares da série, ela possui o melhor pano de fundo, despertando de cara nossa curiosidade para entender o que de fato aconteceu no seu misterioso passado. Às vezes, fria e rígida, outras vezes, corajosa e humana, sua personagem se reveste em uma casca de proteção e graças à atuação excelente da atriz, essa casca vai se quebrando e podemos visualizar as nuances de Júlia. O roteiro aproveita a força da personagem para discutir o machismo de forma nua e crua.
Logo de cara, Sophie Charlotte usurpa todos os holofotes para si. A atriz faz um trabalho excelente na composição de Leona. Tudo é feito naturalmente: seu olhar, seu modo de falar e andar. Esse conjunto de detalhes fazem a atuação de Sophie se destacar. Ela nem precisa colocar seus pés na Ilha de ferro, uma vez que a câmera faz questão de evidenciar que o apartamento dela é “sua ilha”. Cada cômodo mostra como a personagem está confortável em seu eterno desconforto, presa com seus demônios, na companhia de seus gatos e seu amante que está em coma. É genial como as cores neons contribuem para ressaltar perturbação mental da personagem.
Outra grande surpresa da 1ª temporada é o personagem de Klebber Toledo. Encenando como o imprevisível Bruno, ele passa metade da história de lado, mas a sua presença e atitudes passadas geram consequências para os demais. Não vou me estender muito sobre ele, pois estragaria a experiência. O que devo ressaltar é que sua atuação é tão impecável quanto a de Sophie Charlotte.
A equipe de efeitos visuais ganham pontos a cada vez que visitamos a Ilha de Ferro, feita com muito esmero. Também é interessante como eles usam uma linguagem abstrata para representar os medos, anseios e desejos que estão na cabeça de cada personagem. O uso das cores e a performance dos atores submerge o passado de cada um.
Um ponto negativo é que não existe um apelo visual que crie contraste entre a plataforma de petróleo e o continente. Uma pena, pois ambos os locais deveriam ganhar mais personalidade pelas mãos da fotografia.
A missão da trilha sonora é cumprida. Tudo o que está na camada emocional da história chega até os nossos ouvidos de forma “agressiva”. A composição sonora remete a todo momento o sentimento mais predominante na série: a raiva. E além disso, as músicas com letras mais “corajosas” contam um pouco mais daquilo que está nas entrelinhas. A música de abertura “Heroes, kings and gods“, por exemplo, diz muito sobre os protagonistas: “Você achou o que você precisava? Ou era apenas uma busca interminável?“.
Acertando e errando na mesma proporção, Ilha de Ferro é uma história que se arrisca nas guerras internas de seus protagonistas, mas que peca por utilizar o mesmo caminho de forma superficial com os personagens secundários. Algumas viradas de roteiro até parecem interessantes, mas se tornam cansativas minutos depois. Infelizmente os dois últimos e incríveis episódios não anulam as falhas que tanto incomodam. Uma coisa é certa: boas histórias precisam dar importância aos seus coadjuvantes, assim como para seus protagonistas. Veremos se tal falha será corrigida na 2ª temporada.
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