Crítica | Rua do Medo: 1666 — Parte 3 mergulha na mitologia, montando um sombrio quebra-cabeça
Valorizando o projeto literário do escritor R. L. Stine, a Netflix conclui sua nova empreitada, colocando todos os pingos nos “is” (ou quase!). Mais uma vez, Rua do Medo: 1666 – Parte 3 replica o mesmo comportamento do original, com trejeitos de série. Assim como o filme progenitor, a conclusão faz dessa característica sua força, revelando que o melhor foi guardado para o final, nesse caso “finais”, no plural, pois estamos diante de uma “dobradinha” — um filme “dois em um”.
“Como encerrar uma trilogia?”. Essa pergunta matou (e salvou) inúmeras franquias. Para a diretora de Rua do Medo, Leigh Janiak, basta entrar no túnel do tempo e dissecar o passado, assim como em Pânico 3. Alinhando o enredo numa longínqua vila de peregrinos, a Parte 3 realoca os atores em outros papéis, cercando-os de segredos, reviravoltas e mais mortes. Optando pela exploração comportamental, Janiak segura as rédeas da trama com firmeza, apostando no contraste existente entre a vida do indivíduo x a vida em comunidade. Em outras palavras, eis o terror que visa estudar a anatomia da conduta humana.
O resultado é o filme mais importante da trilogia, desafiando o público a desembaralhar os pedaços de pistas deixados pelo caminho. Às vezes aparentando ser o episódio final de série, a atmosfera lapidada flerta com o taciturno A Bruxa, de Robert Eggers; e para bom entendedor, tal elogio já basta!
Sobre Rua do Medo: 1666 – Parte 3
No filme, um grupo de pessoas de um pequeno vilarejo colonial é vítima de uma brutal perseguição religiosa durante o século XVII, o que causa efeitos desastrosos por séculos jogando uma maldição assustadora em todos os moradores daquele lugar.
A ponte criada no final da Parte 2 torna-se o gancho mais poderoso dentre os três filmes. Sussurrando no ouvido do público o convite para mergulhar na mitologia da principal figura sobrenatural, a bruxa Sarah Fier, o longa se desprende da identidade Slasher, agarrando-se no terror psicológico. Os dias remotos em Rua do Medo 1666 são examinados na primeira hora de filme. Se observa os costumes do povo regido pela fé (ou o medo produzido por esta), o fanatismo religioso e a manipulação da verdade.
A fluidez é a melhor amiga do terceiro filme, pois em duas horas a trama consegue a proeza de destrinchar o passado e recuperar o “time”, retomando os acontecimentos de Rua do Medo: 1994. Tal dinâmica permite que o público seja agraciado com respiros narrativos, mais mistérios e uma sessão dupla.
Esse recorte no tempo abre parênteses para uma discussão antiga, porém atual! Sabe-se que o comportamento humano, muitas vezes, leva a reprodução de atos sombrios. E é isso que a diretora mostra: a vertente cruel, habitando cada ser, seja pai, mãe, irmão, vizinho ou amigo.
Com a fotografia cinzenta, diferente da paleta de cores neon predominantes na Parte 1 e 2, Rua do Medo: 1666 se apega aos cenários, extraindo o máximo de bizarrices rotineiras, na missão de passar ao público a atmosfera pesada. Parece que estamos diante de uma visão que não nos pertence, mesmo assim precisamos vê-la, senti-la! Dessa experiência, nasce os embates na tela. Fé e descrença, medo e esperança, amor e ódio, verdade e mentira. Afinal, quem vence? Essa são as indagações que Janiak se propõe a responder (e discutir). Desse modo ela une os demais filmes a este, numa grande teia de acontecimentos que culminam no mesmo ponto: Quem, de fato, foi Sarah Fier?
Eis a questão, o ponto-chave da trilogia. Quando as respostas surgem, a edição encerra a primeira parte do fim de forma crua, pessimista. A retomada do ponto de partida — período “noventista” — trabalha com as consequências e tomadas de ações, uma vez que a gênese da maldição foi descoberta.
Se as duas primeiras partes da trilogia serviram como ode ao cinema de terror, indo de Pânico a Sexta-feira 13, aqui a diretora pinta homenagens aos títulos A Bruxa, A Vila, e entre outros. Apesar da enxurrada de tributos, a Parte 3 conta a própria história, sem jamais usar as referências como escada para alcançar sua linha de chegada. Repleto de simbologias, antigas e atuais, é na essência dos personagens, nas escolhas e relações deles, que habita o coração dessa fita de terror. Não há grandes sustos ou doses de megalomania, usa-se a simplicidade do cotidiano dos peregrinos para desenrolar os conflitos e plantar a semente para o mau.
Temos aqui o encerramento justo, respeitando a construção dos filmes anteriores. Apesar dos deslizes que acometem o roteiro, vez ou outra, nenhum deles atua como sabotador. Permanece, no fim, a famosa sensação de “jornada concluída”, apesar das “reticências”…
Desafiando o público a embarcar nesse experimento fílmico, a Netflix assina seu nome em uma nova receita para os streamings: trilogias com filmes lançados a cada semana. O fechar das cortinas é marcado por dosar drama, terror e humor, atestando este como o melhor filme da saga. Portanto, Rua do medo 1666 finaliza sua passeata com energia, mostrando que o desfecho — ainda — é o melhor lugar para grandes revelações.
Nota: 4/5
Assista ao trailer da Parte 3:
Veja também:
Crítica | Rua do Medo: 1994 – Parte 1 é um tributo ao subgênero Slasher.
Crítica | Rua do Medo: 1978 – Parte 2 resgata atmosfera de Sexta-feira 13
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