Crítica | Rua do Medo: 1978 – Parte 2 resgata atmosfera de Sexta-feira 13
Semeando outra perspectiva para o tratamento de trilogias, a Netflix abre as portas para a continuação da sua nova franquia de terror. Em Rua do Medo: 1978 – Parte 2 nada é aleatório, inclusive a data presente no título. Nota-se o cuidado, o planejamento em construir, através do calendário, coerência temporal e homenagem aos clássicos. Na história do gênero Slasher, foi nos anos setenta que os pioneiros O Massacre da Serra Elétrica e Halloween ditaram o manual que viria a ser seguido por outros filmes, nas décadas seguintes. Nada mais simbólico que habituar a narrativa no período que marcou a gênese dos filmes slasher.
Olhando para trás e resgatando a fala do personagem Randy, em Pânico 2, temos as regras de uma sequência: “Número 1 – O número de corpos é maior. Número 2 – As cenas de mortes são bem elaboradas“. Mesmo com a distância de quase três décadas, essa análise metalinguística exprime com maestria o epicentro narrativo de Rua do Medo: 1978. Diferente do antecessor, a contagem de mortos é extrapolada, o aprofundamento da mitologia segue ares mais míticos e o banho de sangue, frequente, às vezes precisa ser oculto pela fotografia escura.
“Rebobinando a fita”, a narrativa volta no tempo, apostando na ambientação à lá Sexta-feira 13. Seguindo diretrizes totalmente diferentes, a sequência cumpre seu papel de “filme do meio”, ligando a Parte 1 com a vindoura Parte 3 de forma orgânica.
Sobre a Parte 2:
Na cidade amaldiçoada de Shadyside, uma onda de assassinatos aterroriza o Acampamento Nightwing, transformando as férias em uma luta pela sobrevivência.
Lançar uma trilogia, em menos de um mês, é “coisa de streaming“, ou melhor, é “coisa da Netflix“, e isso é inédito! Plantando na mente do público uma nova vivência cinematográfica, será que as demais plataformas investirão nessa ideia? Desde a estreia do filme primário, a Netflix não está apenas oferecendo uma franquia de terror, e isso pode ser percebido em Rua do Medo: 1978. Nos minutos iniciais, a sensação é que estamos segurando um convite, imersos numa festividade sinistra, que une diversão e terror, envelopados numa embalagem escrita “Entretenimento Macabro”.
Na prática, o fator medo ganha destaque na Parte 2, e o resultado é como um bônus. Aperta-se o play num filme slasher sobre adolescentes na década de noventa e, de repente, o público é presenteado com uma faixa extra, focado no terror setentista. Essa intersecção confirma o óbvio: trata-se de um evento, uma experiência diferente. No cinema, por exemplo, trilogias costumam acontecer em um longo período, mas aqui é diferente. Estamos diante de uma tríade fílmica que se completará em três semanas. Não há tempo para a contagem de dias, respiro narrativo ou especulação dos fãs, pois as respostas chegarão em breve.
Respondendo às indagações a conta-gotas, a trama prefere desenvolver um filme [dentro do filme], com começo, meio e fim. Diferente do precursor, a Parte 2 detém a aparência de trama “completa”, não parecendo uma série. Mesmo que o prólogo e o desfecho possuam ramificações com a Parte 1 e a futura Parte 3, percebe-se uma história autônoma em Rua do Medo: 1978. Há mais liberdade na conclusão dos arcos de personagens e a dinâmica ação x reação independe da influência dos outros filmes.
Tal emancipação permite que a diretora, Leigh Janiak, mais uma vez, desfaça as amarras dos estereótipos, porque esse fragmento da história, apesar de “fechado”, presta reverência à construção de persona presente nos slashers de anos atrás. Dentro dessa legião de potenciais vítimas, a apresentação vai se transformando em aprofundamento, humanizando os personagens que, inicialmente, parecem rotulados, e no prosseguir dos acontecimentos se tornam coadjuvantes fortes.
No final, a conclusão desse “filme dentro do filme” responde diversas perguntas, no entanto, deixa mais interrogações cintilando pelo caminho. E o que poderia ser defeito, aqui se transforma em engajamento. A audiência anseia compreender a origem, os segredos e as regras da maldição. Todo detalhe tem cara de pista, chamando o público para um jogo particular; uma missão de desvendar o quebra-cabeça.
Desenterrando mistérios e apostando nas relações — amizade, inimizade, amor e irmandade — o segundo filme se sustenta sozinho e isso é uma característica merecedora de exaltação. Apesar de ser o miolo de uma massa maior, a Netflix prova que alguns elementos intrinsecamente ligados às séries cabem na construção de longas-metragens. Então trata-se de uma série disfarçada de filme? Não! Pois, o conjunto da obra se prova autossuficiente.
As diversas configurações do medo são usadas com inteligência. O sobrenatural ganha protagonismo, roubando a cena no terceiro ato claustrofóbico e, em alguns momentos, dramático. No fim, fica na boca o gosto de “quero mais”, cutucado por uma prévia da vindoura Parte 3 que promete resgatar outra vertente do terror. Em suma, Rua do Medo: 1978 é uma sequência que sabe caminhar com as próprias pernas, mantendo a essência do longa primário, mas alguns degraus acima no quesito qualidade.
Nota: 4/5
Assista ao trailer da Parte2:
Veja também: Crítica | Rua do Medo: 1994 – Parte 1 é um tributo ao subgênero Slasher.
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