CRÍTICA | O Brutalista não esconde a fragilidade do sonho americano

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Dirigido por Brady Corbet, O Brutalista não é sutil em sua crítica à ideologia estadounidense

É tendência em algumas produções que apresentam tom político/crítico social, a finalização da produção com uma música irônica. Um exemplo é Vice (2019, Adam McKay), uma produção que discute os impactos que Dick Cheney, vice-presidente de George Bush, ocasionou nos EUA e no mundo, e que encerra com America (1957, Stephen Sondheim).

Presente no musical West Side Story , a música é cantada por personagens Porto-Riquenhos, e, de modo irônico, critica a crença no modelo de vida norte-americano e seu trato para com os imigrantes. A música continua política e atual até os dias de hoje, principalmente após a reeleição de Donald Trump, mesmo com seu tom animado e festivo que permite uma interpretação satírica, o que caiu como uma luva nas mãos de McKay.

De uma maneira semelhante, O Brutalista é um filme que também destrói o ideal norte-americano, de maneira ainda mais visceral do que Vice, por conta do fato de desta vez o nosso eu-lírico ser um imigrante. Semelhante ao filme de McKay, a música dos créditos de O Brutalista encapsula, de modo satírico, todas as críticas presentes no filme: One for You, One for Me (1978, La Bionda).

Enquanto a música da década de 70 discute um ideal de companheirismo digno de comerciais de margarina, O Brutalista demonstra quão forte é esta crença em imigrantes que chegavam nos EUA buscando novas oportunidades, sonhos e um modo de se destacar no mundo.

Logo em uma das primeiras cenas da ópera cinematográfica que é O Brutalista, somos apresentados a um navio cheio de imigrantes que chegam esperançosos nos EUA, acreditando que é a famosa terra bíblica que emana leite e mel, sempre com oportunidades novas e aberto à todos. Ao enxergarmos, logo na primeira cena do filme, a estátua da liberdade, um dos maiores símbolos do liberalismo norte-americano, filmada de ponta cabeça, já entendemos a subversão desta ideia de prosperidade, ditando o tom que o filme seguirá durante toda sua duração.

O Brutalista

Adrien Brody e Guy Pearce em cena de O Brutalista-Universal

O Brutalista conta a história de László Tóth, Adrien Brody em um papel muito semelhante àquele que o premiu com o prêmio de melhor ator em O Pianista (2002, Roman Polanksi), um arquiteto que fugiu da Europa pós-segunda guerra e foi para a América com o objetivo de construir uma nova vida, porém, para alcançar seu sonho, ele acaba fazendo o pacto com um metafórico diabo.

Tóth apresenta o sonho de deixar sua marca, de ser lembrado pela eternidade, assim, para alcançar seu objetivo, faz um acordo com Harrison Lee Van Buren, Guy Pearce em um dos melhores papéis de sua carreira, um milionário que o contrata para projetar um grande e ousado prédio.

Tóth percebe que esta é a oportunidade de sua vida, assim, assume a ousada tarefa, sem perceber alguns nítidos sinais que ele é somente um “escravo egípicio”, trabalhando para estes faraós que almejam alcançar os céus.

O filme é longo para a média, apresentando 3 horas e 35 minutos, porém, ele não perde ritmo, inclusive acelerando em seu final após uma interação desagradável entre Harrison e Tóth, que dita o resto da produção como um todo.

Em quesito de narrativa clássica, podemos considerar que a jornada de Tóth se iniciou no positivo, acreditando que os EUA serão sua esperança de vida, porém, ao longo desta busca, sua jornada altera muitas vezes entre positivo e negativo, algo comum em grande parte dos heróis trágicos como Aquiles e Ulisses, e algo que Brady Corbet não esconde em nenhum momento.

O Brutalista apresenta um prólogo, dois longos atos e um pequeno epílogo que finaliza com chave de ouro, assim, a produção pode facilmente ser enxergada como uma tragédia épica, em que um personagem luta contra todas as desavenças para se destacar, sempre para ser rebaixado e provado, vez atrás de vez, que ele não é bem vindo ali, a triste história de muitos imigrantes que vão para os EUA, até os dias de hoje.

Em certo momento, o jovem e mimado Harry Lee, diz a frase que resume toda a luta social presente na produção: “Nós toleramos vocês”.

Em O Brutalista não existe igualdade entre Tóth e Harrison, quando sua esposa chega da Europa junto com a sobrinha, elas também não são iguais, existirá sempre uma sombra que os impede de ser algo mais.

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Cena de O Brutalista-Universal Pictures

A jornada do herói trágico apresenta poucos descansos ao longo da produção, somos constantemente lembrados, antes mesmo de László cair na real, que este sonho americano de igualdade e destaque, é falso e utópico.

O Brutalista apresenta uma fotografia espetacular, uma trilha sonora mestra que merece o Oscar, atuações primorosas de Adrien Brody, Felicity Jones e Guy Pearce, e uma reflexão necessária e nem um pouco sutil sobre a força que um sonho falho ainda apresenta na vida de muitas pessoas que tentam diariamente esta terra de leite e mel, para somente encontrar podridão e uma sociedade que a rejeita.

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