Crítica | O Milagre: Uma critica à cegueira causada pelo fanatismo religioso
O Milagre, produzido pela Netflix, conta a passagem da enfermeira Lib Wright, interpretada pela atriz Florence Pugh, na Irlanda, para um serviço de vigilância sobre uma garota, chamada Anna O’Donnell. Que apresenta estar sem comer durante meses, como um milagre católico. O objetivo da presença de Lib é comprovar se o acontecimento é real ou manipulado pela família da garota, que é fervorosamente cristã
O filme começa com uma apresentação metalinguística sobre a narrativa que estamos prontos a ver na tela, fazendo uma transição de um set de filmagem presente, até o tempo que a história acontece. Trajetória que acontece em um plano sequência de menos de 2 minutos. Claro objetivo de mostrar o filme como uma obra fictícia em que o espectador está sendo convidado a crer no ocorrido ou não. Algo que é abordado de forma nem muito sutil e nem muito agregador ao valor da obra completa (Ato de quebra da quarta parede também é utilizado para isso em um diálogo pouco orgânico durante a narrativa).
O enredo é apresentado como um drama dividido em duas partes, sendo a jornada da personagem protagonista com o luto por uma perda familiar, e tendo que se dopar em um pequeno ritual todas as noites antes de dormir; e a visão dela sobre a garota que é voltada de forma mais realista, pelo fato de não ser religiosa como a família de Anna, que também teve a perda de seu irmão, que se apresenta de forma agonizante, com seus olhos pintados em um retrato da família. Colocando o espectador ciente sobre a importância desse personagem, naquilo que está acontecendo.
A fotografia do filme conversa bastante com a jornada da protagonista, principalmente nas transições e na utilização de cores em contraste, sendo azul, a cor do único figurino da protagonista em toda a obra, e o verde, sendo do espaço com pouca saturação e da natureza. Um simbolismo de que, mesmo uma personagem com um forte controle emocional e calma, está em um ambiente em que algo de muito errado e desconforto está acontecendo em sua volta.
Os cantos e a respiração reverberada na trilha sonora do filme, também compõe essa dualidade de algo milagroso, mas escondido, sem saber se é um canto ou um grito, uma respiração de calma, ou de ansiedade pelo que está acontecendo. Sem contar que é uma voz doce, como a da personagem Anna. Que é, durante a narrativa, obrigada a seguir o milagre, de forma opressora, sendo psicológica ou pelo afeto.
A obra demonstra ao longo da narrativa, as possíveis consequências, de formas dramáticas e indo até para um caminho de terror (utilizando da interpretação da atriz Elaine Cassidy, a mãe de Anna, Rosaleen O’Donnell; e a fotografia fria e desconfortável criada a partir da pouca saturação e da trilha sonora) sobre o fanatismo religioso sobre a figura infantil feminina no final do século XIX. Época que se deu origem ao niilismo, e o começo de uma geração que não está com os pés tão fincados na fé como a de seus pais e avós, demonstrando que existe algo muito de errado no meio dessa “fé” que as famílias tanto perpetuavam.
Algo que é demonstrado na fotografia captando a protagonista, seja nos planos caminhando em meio a natureza, e nos planos dela comendo. Seja em frente a uma janela, quando tem algo a se revelar, ou na frente de uma escada, quase cogitando sendo um milagre dos céus, mesmo tendo algo estranho nos degraus negros que se tem que subir para acreditar.
A narrativa é instigante e a interpretação de Florence Pugh e Kila Lord Cassidy, que demonstram o desconforto sobre o que está acontecendo e que algo precisa ser falado entre elas, mas de outra forma, sem ser pelo caminho da realidade. Mas o filme tenta se aventurar de algumas formas para prender o espectador, e para demonstrar maturidade, que fogem do sentido narrativo do filme em maior parte do tempo.
Sendo os principais pontos: A jornada afetuosa da personagem Lib com o repórter interessado no milagre, que acontece de forma apressada; a utilização de artimanhas audiovisuais como quebra da quarta parede, e a metalinguagem, que não tem nenhum motivo que agregue o discurso posto pelo resto do filme. É como se o diretor quisesse nos lembrar que o filme é uma ficção, mas separando o espectador mais que o aproximando.
Mas, mesmo com pequenos casos de excessos, o filme demonstra maturidade e beleza em sua execução, com um bom trabalho técnico, e um bom desenvolvimento de personagens, de mãos dadas com as interpretações das personagens principais.
Nota: 3,5/5
Assista ao trailer:
Deixe um comentário
Você precisa fazer o login para publicar um comentário.