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  • CRÍTICA| Wicked pega algo bom e evolui a um nível glorioso

    CRÍTICA| Wicked pega algo bom e evolui a um nível glorioso

    Unindo um dos melhores musicais da Broadway, e o melhor que a sétima arte consegue proporcionar, Wicked é gigante na medida certa.

    Baseado no musical da Broadway, que é baseado no livro homônimo de 1995, escrito por Gregory Maguire, que é baseado no filme O Mágico de Oz, que por sua vez é baseado no livro homônimo de L. Frank Baum. Wicked se tornou um sucesso milionário ao longo dos anos, estando a mais de 20 anos em cartaz na Broadway, porém, uma produção cinematográfica parecia longe de acontecer, apesar de seu contexto ser extremamente cinematográfico.

    Jon M. Chu ficou encabeçado pela direção, e cada plano do filme, demonstra o amor que o cineasta apresenta pela produção e por toda a história, a ponto de ter cultivado 9 milhões de tulipas para construir Munchkinland, ao invés de simplesmente ter optado pelo CGI, algo constante no filme, porém, com um grau de personalidade perdido após tantos filmes de super heróis.

    Com o título oficial de Wicked: A História Não Contada das Bruxas de Oz, a produção conta a amizade e iminente separação de Glinda, a bruxa boa do Sul, e Elphaba, a bruxa má do Oeste, antes dos eventos que levaram à derrota da última pelas mãos de Dorothy.

    Um acontecimento ocorrido na sessão, define as vantagens de Wicked com maestria. Após a performance da música The Wizard And I, a plateia inteira aplaudiu e gritou, porém, um homem gritou no fundo da sala que ali não era um teatro. Apesar de apresentarmos esta consciência, Jon M. Chu construiu sua adaptação como uma experiência que não ignora as qualidades do icônico musical, mas sim as amplia, tornando algo glorioso e especial para fãs.

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    Ariana Grande em cena de Wicked- Divulgação Universal Pictures

    Os melhores truques usados por Jon M. Chu são: direção de fotografia, design de produção e principalmente elenco.

    A direção e a direção de fotografia se somam, por meio de diversos planos sequências e detalhes, o filme proporciona uma experiência que nenhuma performance teatral, por mais grandiosa que seja, jamais conseguiria proporcionar. No teatro, estamos distantes dos personagens, o cinema permite uma maior aproximação. Um pé empinado na performance de Popular, um abraço que a câmera está mais próxima do que nunca deste amor fraternal, um plano sequência que acompanha Defying Gravity, entre outros momentos que nos tiram o fôlego. Por meio de um universo fantástico e meticulosamente cuidado, Wicked consegue cativar até mesmo aqueles que não gostam de musical.

    O design de produção é estrondoso, O Mágico de Oz é um dos filmes mais importantes da história do cinema, e isto é relembrado a cada plano idealizado por Chu e companhia. A criação estética da produção é assustadora, jogos de luzes, figurinos maravilhosos, construções idealizadas somente para o filme como um trem de 16 toneladas que realmente anda, efeitos práticos em momentos essenciais, e efeitos digitais que se somam dentro deste universo fantástico e lúdico que é Oz.

    Além de tudo isto, o principal ponto a se considerar em Wicked, e sua maior força como um todo, é o elenco estelar escolhido a dedo: Ariana Grande é fantástica como Glinda, roubando a cena toda vez que aparece, trazendo uma Glinda perfeita como contraponto à Cynthia Erivo, o verdadeiro brilho da produção.

    Idina Menzel eternizou Elphaba na primeira versão teatral de Wicked, porém, após Cynthia Erivo, não me surpreenderia se futuras interpretações da personagem, sejam feitas por mais atrizes negras. Cada música, cada tom, cada performance brilhante, consegue levar a audiência ao chão e nos faz refletir sobre o quanto a público e a audiência desvaloriza certas atrizes.

    Cynthia Erivo e Ariana Grande em cena de Wicked

    Cynthia Erivo e Ariana Grande em cena de Wicked- Divulgação Universal Pictures

    Todo o crédito à Ariana Grande, sua performance está excelente e seu estrelato como uma das maiores cantoras pop da atualidade, com certeza trará milhões de pessoas ao cinema, somente por ela, porém, é Cynthia Erivo que realmente domina o filme todo, apesar do duplo protagonismo de ambas. Levando em conta que ambas cantaram ao vivo, é algo assustador o que se construiu.

    Como um todo, Wicked é espetacular, agradando gregos e troianos, os fãs de musicais e somente os apreciadores de bom cinema. Por 2 horas e 40, somos maravilhados por beleza atrás de beleza, até terminar na joia da coroa que é a performance de Defying Gravity, prometendo grandes coisas para a sequência programada para 2025.

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  • CRÍTICA | Arcane traz uma jornada inesperada com uma animação superior para sua 2º Temporada

    CRÍTICA | Arcane traz uma jornada inesperada com uma animação superior para sua 2º Temporada

    A última temporada da primeira adaptação do universo League of Legends, realizada pela Netflix, encontra o equilíbrio ideal de fazer algo diferente, inesperado e cheio de coração.

    Depois de anos esperando o retorno, de uma das maiores surpresas já entregues pela plataforma da Netflix, para compreender o que houve após a personagem Jinx lançar um ataque contra a elite de Piltover que organizava um acordo de paz com o lado de Zaun, já que personagens importantes poderiam ter morrido e uma nova guerra poderia se instaurar, seria difícil segurar a ansiedade e empolgação, ainda mais com a qualidade que nos foi entregue a primeira temporada. Então, para quem aguardava algo do mesmo nível ou até mais, dificilmente se decepcionou.

    Uma coisa que surpreende de cara ao iniciar a 2º Temporada de Arcane é ver o contraste nas animações, remetendo ao que Homem Aranha: Através do Aranhaverso fez recentemente, brincando com estilos de animação, com a contagem de frames por segundo e evoluindo o que já havia feito anteriormente, esclarecendo a demora para essa nova temporada chegar, tal como fazendo valer a pena essa espera. Indo de uma tinta guache para uma forte conversão com o estilo 2D, remetendo a algo mais desenhado e rabiscado.

    A complexidade em curtas cenas deve ser reconhecida também, já que durante alguns movimentos, mesmo que tudo seja desenhado ou feito no computador, a câmera parece se prender a um objeto, trazendo uma sequência quase que em primeiro plano. E indo além, ao brincar com inúmeras realidades, em fundos desfocados ou planos rápidos, é possível ver indicadores do que está diferente, do que vem de uma memória antiga ou universo perdido.

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    Arcane (2º Temporada) | Netflix

    Entretanto, as qualidades não param pelo visual e a narrativa progride de modo fascinante, o inicio da temporada acarreta em personagens que até então não haviam interagido, se conhecerem, e outros com problemas pendentes, a se resolverem. A promessa do que poderia ficar para o final da temporada, ganha um clímax já no terceiro episódio, e as surpresas não param por aí, já que cada trama percorre pra um caminho divergente do outro e ainda que possam soar distantes, apenas vão se entrelaçando mais para um afetar o outro, progredindo para um final arrebatador.

    O grande diferencial de Arcane, contudo, não vem na entrega das tramas e sim na abordagem reflexiva que cada personagem proporciona com seus anseios e suas resoluções para com os problemas, indo de comprar a ideia pelo controle de um povo por uma perspectiva ditatorial para a fé cega que pessoas doentes ou frágeis tendem a demonstrar para com aqueles que aparentam trazer a verdadeira cura, quando essa farsa vem de um poder desconhecido que não deveria ter sido encontrado.

    Além disso, o tratamento para com a complexidade dos personagens desenvolvidos brilha ao tirar a ideia de que uma é vilã por ter tomado péssimas decisões ou que o mais santo não poderia esconder um monstro dentro de si, proporcionando ao espectador sentimentos contrários diversas vezes, porque entre o certo e o errado, existem apenas pessoas afetadas pela jornada, pelo passado (ou pelo futuro), que sentem a necessidade de responder de acordo com o que as prepararam para aguentar e tal preparo não foi suficiente.

    Arcane (2º Temporada) | Netflix

    Arcane (2º Temporada) | Netflix

    Dessa forma, cada atitude repercute e impacta na vida de outro, podendo levar a repensar as ideias, reconhecer os erros, ou abraçar ainda mais o possível destino que imagina ter pra si. Com isso, ainda que os 40 minutos de duração por capítulo deem conta de contar uma história fluída, sem soar apressada ou enrolada, não deixando cada trama ficar perdida na festa. Os personagens acabam sendo tão ricos, passando por situações tão interessantes e até complexas, que seria merecido receberem uma temporada para protagonizar ou um episódio completo para si, como de certa forma ocorre no sétimo ”Fingir que é a primeira vez”.

    Ao final, portanto, não deixa a desejar, entregando muita ação e filosofia ao mesmo tempo, relembrando o inicio da série, as relações que realmente importam, ao mesmo tempo que cada pequeno detalhe plantado durante a jornada ganha fruto. Ainda que alguns ocorridos possam soar apressados, na minha visão, eles veem pelo bem da urgência que o final pede. E a falta de mais diálogos sobre o fim dos que sobreviveram ganha preenchimento com o pouco mesmo. Se quiser algo mastigado, tem muitas outras obras que farão o serviço desnecessário.

    Vale destacar que além da animação excelente e, como devo ter transparecido durante o texto, a ótima montagem guiando tantas tramas em conjunto sem deixar perdido aquele que assiste, há um exímio trabalho por parte da trilha sonora presente em meio aos combates que, mesmo ficando mais perceptível um valor adicional por parte da produção para trazer mais músicas ao invés da primeira temporada que veio em momentos pontuais, consegue intercalar pontualmente com cada cena, causando a comoção pedida pelo roteiro e de forma alguma, sendo encaixada forçadamente.

    O terceiro capítulo ”Finalmente acertou o nome” representa de forma espetacular o que estou elogiando, porque não é qualquer obra que consegue casar uma cena de ação com uma cena de descoberta totalmente fora da casinha, oferecendo uma bagunça visual que nunca se torna incompreensível, onde a música usada consegue tanto funcionar de um jeito empolgante para o combate visto quanto de modo lúdico, como se tivesse fazendo uma descoberta que mudaria o mundo e a forma de pensar sobre, que é exatamente o que ocorre em cena.

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    Arcane (2º Temporada) | Netflix

    Arcane entrega um daqueles finais satisfatórios, onde a produção prova que sabia a história que queria contar, para onde planejava levar e em que momento sabia que devia parar. Mesmo com a divisão de arcos proporcionado pela entrega semanal de episódios, o ritmo nunca se perde e consegue muito bem equilibrar os momentos de paz com pura loucura. A estética evolui em muito e fácil pode se estabelecer como uma das mais lindas que vai encontrar, onde cada frame pode servir de plano de fundo pra tela do computador.

    Mesmo que a série seja baseada em jogos e fique claro que os personagens estão evoluindo para se tornarem algo familiar para quem entende, isso em nada afeta a experiência daqueles que desconhecem, mostrando a sabedoria de conseguir mexer com algo que tem sua base de fãs e agradar tanto ela quanto aqueles que podem se interessar a partir do que assistiu. Demonstrando ser uma obra completa!

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  • CRÍTICA | Em Gladiador II, Ridley Scott retorna à arena com ambição e crítica ao Poder

    CRÍTICA | Em Gladiador II, Ridley Scott retorna à arena com ambição e crítica ao Poder

    Mesmo carregado de sentimentalismo e algumas conveniências narrativas, Gladiador II ousa expandir o universo da Roma Antiga, apresentando novos protagonistas divididos entre lealdade e rebeldia.

    Desde que lançou “Gladiador” (2000), há mais de vinte anos, Ridley Scott (“Blade Runner”) manteve um ritmo de produção impressionante, chegando a lançar dois filmes por ano, até mesmo aos 86 anos. Ainda que sua filmografia tenha se expandido consideravelmente desde então, “Gladiador” segue sendo uma de suas obras mais adoradas. Após anos de pedidos por uma continuação, Scott finalmente traz “Gladiador II” aos cinemas, retomando a história com seu toque característico de crítica afiada às grandes corporações — agora adaptada ao contexto do Império Romano.

    Na nova trama, Lucius (Paul Mescal), ao ver seu lar ameaçado pelos tiranos que governam Roma, é forçado a entrar no Coliseu. Ele precisará revisitar seu passado em busca de forças para restaurar a glória de Roma e devolver sua dignidade ao povo.

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    Gladiador II | Paramount Pictures


    Diferentemente de retomar a jornada de Maximus (Russell Crowe), Scott adota uma abordagem atualizada, mais próxima de seu estilo recente, ao dividir o espírito do protagonista original entre Lucius e Acacius (Pedro Pascal).

    Enquanto Lucius carrega o ressentimento por ter sido injustiçado pelo Império, influenciado também por sua relação com Lucilla (Connie Nielsen), irmã de Commodus, Acacius, um general que vive no coração do poder, sente o peso de servir a uma sociedade obcecada pela conquista, mas que ignora seu próprio povo. Esses personagens confrontam o Império de perspectivas diferentes, criando um embate entre lealdade e insubmissão, atualizando e aprofundando as questões do filme original.

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    Gladiador II | Paramount Pictures


    Entre os destaques do elenco está Denzel Washington (“Dia de Treinamento”), que brilha no papel de Macrinus, um vilão astuto que manipula o cenário político com maestria, entregando uma atuação magnética e implacável.

    O longa-metragem também resgata diversas rimas visuais e sonoras que marcaram o primeiro “Gladiador”, buscando, assim, reforçar a nostalgia do público que acompanhou o sucesso anterior. No entanto, essas referências são apresentadas com efeitos variados e nem sempre sutis, o que pode criar uma sensação de familiaridade, mas também de repetição.

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    Gladiador II | Paramount Pictures

    Embora Ridley Scott se destaque no aspecto técnico com a criação de cenários grandiosos, batalhas épicas e cenas meticulosamente elaboradas, sua direção, em alguns momentos, exibe uma certa falta de controle. Esse descontrole se reflete na utilização de conveniências narrativas que parecem forçadas e no excesso de sentimentalismo, principalmente nas passagens relacionadas aos laços familiares de Lucius, que acabam ganhando um peso dramático exagerado. Ainda que o diretor amplie as discussões sobre poder, ambições e ideais, algumas tramas que foram encerradas de forma clara no primeiro filme retornam de maneira redundante, o que prejudica a sensação de urgência e novidade em determinados momentos da história.

    Além disso, o ritmo da narrativa, em certos trechos, se torna um tanto arrastado, prejudicando o fluxo geral da trama. O exagero no sentimentalismo e a insistência constante em explorar temas familiares fazem com que algumas das decisões de Lucius se tornem previsíveis e, por consequência, enfraqueçam a complexidade de suas escolhas. O longa, em diversos momentos, parece se prender excessivamente a essas questões, limitando o desenvolvimento de outros aspectos da história e diminuindo o impacto de certas reviravoltas e personagens.

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    Gladiador II | Paramount Pictures


    Ao final, entre acertos e erros, “Gladiador II” apresenta um saldo positivo. Apesar das falhas apontadas, a nova aventura entrega um espetáculo visual e oferece uma crítica provocadora ao sistema de poder, contando com um elenco talentoso que, ao lado de Scott, dá continuidade ao legado do primeiro longa. Embora perca fôlego em algumas partes, o filme mantém sua crítica incisiva ao poder e aos impérios, entregando uma obra ambiciosa que desafia convenções históricas.

    “Gladiador II”, portanto é pop, desafiador e frenético; para Scott, que já se consagrou, alcançar a eternidade deixou de ser prioridade — agora, ele aproveita a liberdade de sua própria arena.

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  • CRÍTICA | Pinguim se Torna Aposta Certeira da DC e Peça Fundamental para o Futuro do universo de Matt Reeves

    CRÍTICA | Pinguim se Torna Aposta Certeira da DC e Peça Fundamental para o Futuro do universo de Matt Reeves

    Com uma narrativa intensa e personagens complexos, Pinguim revela a essência perturbadora de Gotham e promete moldar e revirar o futuro do universo de ‘The Batman’.

    A série do Pinguim, nesse contexto de um pós -“The Batman”, traz uma profundidade muito interessante para um personagem que, apesar de carismático, sempre foi uma figura perturbadora e, até certo ponto, incompreendida. A atuação é, sem dúvida, o ponto mais alto da trama, com o ator (Colin Farrell) encarnando o Pinguim de uma forma que nos faz questionar constantemente nossa própria visão sobre o que é “bem” e “mal”. Essa habilidade de fazer o público simpatizar com um psicopata e depois, no mesmo episódio, lembrá-lo de sua frieza é um jogo arriscado, mas bem executado. A série tem coragem de se manter nessa linha tênue, sem buscar redenção barata para Oswald Cobb, o que é um ponto positivo e uma escolha ousada.

    O enredo se apoia na briga de poder após a morte de Carmine Falcone, com o filho Alberto Falcone (Michael Zegen) assumindo o trono, até ser brutalmente assassinado por Oz. Essa morte fria e impiedosa nos dá o tom da série, reforçando que, em Gotham, a sobrevivência é para quem está disposto a fazer sacrifícios e Oz, mais do que qualquer um, parece pronto para qualquer coisa. A introdução de Alberto e o conflito entre ele e Oz servem como um catalisador perfeito para o caos que só cresce entre o restante da família Falcone.

    A morte de Alberto nas mãos do Pinguim, ao invés de ser meramente um ato de maldade, acaba revelando traços da personalidade desequilibrada de Oswald, além de um desprezo pelo poder estabelecido, sugerindo que ele não busca só o controle de Gotham, mas algo mais profundo: uma subversão total.

    Com uma narrativa intensa e personagens complexos, Pinguim revela a essência perturbadora de Gotham e promete moldar e revirar o futuro do universo de 'The Batman'.

    Pinguim | HBO | Max

    Ao longo da série, somos apresentados a dois personagens que dão ainda mais profundidade ao caos da série: Victor Aguilar (Rhenzy Feliz) e Sofia Falcone (Cristin Milioti) que entregam um verdadeiro espetáculo de atuação. Victor, um jovem que tenta sobreviver nos bairros pobres de Gotham, é pego tentando roubar peças do carro de Oz. O Pinguim, no entanto, não apenas o poupa, mas o faz seu “aliado”, desde que o rapaz o ajude a esconder o corpo de Alberto Falcone. Esse encontro com Oz acaba sendo o começo do fim para Victor, que, na tentativa de sobreviver, se envolve cada vez mais no submundo do crime. É uma história trágica que ressalta a perversidade de Oz: digamos que ele dá uma falsa escolha a Victor, mas o destino do jovem já está selado desde o momento em que cruza o caminho do Pinguim. Victor representa a juventude de Gotham, constantemente destruída pelo sistema e pelas figuras de poder.

    Já Sofia Falcone, filha de Carmine Falcone, surge como um contraste interessante. Ela é uma personagem marcada pela dor e pela vingança, moldada pelas decisões do próprio pai, que a usou como peão e a condenou ao Asilo Arkham por crimes que ela não cometeu. Seu tempo em Arkham apenas alimentou sua fúria e destruiu qualquer traço de sanidade que ela pudesse ter. Ao sair, Sofia é um misto de ódio e resiliência, determinada a vingar-se e a tomar o que julga ser seu por direito. Com a morte de seu irmão Alberto, o ódio reprimido de Sofia explode, tornando-se um desafio real para Oz. O apelido de “Carrasco” acaba realmente pegando por uma boa razão, e a rivalidade entre ela e Oz é um dos pontos mais intensos da trama, que vem sendo mostrado desde a época que Oswald trabalhava como motorista da família Falcone.

    A relação de Oz com Sofia e Victor deixa claro que, apesar de seu discurso sobre justiça social, ele só usa as pessoas para seu próprio ganho. Ele explora a empatia do público ao se posicionar como vítima da sociedade, destacando as desigualdades de Gotham e dando aos bairros pobres uma sensação de esperança. Contudo, é tudo uma manipulação: ele nunca busca ajudar de fato, apenas recruta essas pessoas como ferramentas para seus próprios fins.

    Com uma narrativa intensa e personagens complexos, Pinguim revela a essência perturbadora de Gotham e promete moldar e revirar o futuro do universo de 'The Batman'.

    Pinguim | HBO | Max

    No decorrer da série, somos introduzidos a Francis Cobb (Deirdre O’Connell), mãe de Oz, e entendemos a obsessão doentia de Pinguim por ela. O amor que Oz sente pela mãe é tão extremo que ele chega ao ponto de matar os próprios irmãos para garantir que Francis seja apenas dele. Esse relacionamento distorcido aprofunda ainda mais a complexidade de Oz, mostrando como suas conexões mais íntimas também moldaram seu caráter. É algo que nos faz questionar se, de algum modo, ele também é um “produto” das influências à sua volta ou se o próprio coração dele sempre foi dominado por essa frieza cruel.

    A brutalidade de Oz atinge um ponto alto quando ele queima vivos o filho e a esposa de Salvatore Maroni, mais um ato de crueldade que nos faz questionar até onde ele irá. Até que chega o momento em que o mesmo assassina Vic, seu jovem comparsa, de maneira gratuita e cruel, logo após o rapaz ajudá-lo a derrubar Sofia Falcone e a consolidar seu poder sobre Gotham. Essa morte é a gota d’água para o público que, até então, ainda mantinha algum tipo de compaixão por Oz. É aqui que percebemos a extensão da frieza dele: Vic, que poderia simbolizar alguma redenção ou laço genuíno, é apenas outra vítima descartável para Oz. O peso dessa morte é brutal, como se fosse uma última evidência de que o Pinguim é imutavelmente o diabo.

    O desfecho da série abre novas possibilidades. Com a nova queda de Sofia Falcone, a mesma é enviada de volta ao Asilo Arkham, onde recebe uma carta de sua meia-irmã Selina Kyle. Esse detalhe adiciona um gancho interessante, apontando para uma possível expansão do universo e quem sabe até um spin-off ou uma nova trama que pode ser explorada em “The Batman 2”.

    A Warner acerta em cheio com a série, tanto em termos de desenvolvimento de personagem quanto no universo sombrio e caótico que constrói ao redor do Pinguim. É uma produção que mantém a essência de Gotham e do Batman, deixando os fãs ansiosos por muito mais. Matt Reeves já deu indícios de que há mais surpresas a caminho, e, se esse primeiro arco é algum indicativo, o que vem a seguir promete ser ainda mais intenso. No final, a série do Pinguim fecha com um gostinho de “quero mais”, abrindo as portas para que esse vilão tão complexo mergulhe ainda mais fundo na escuridão de Gotham.

    Os 8 episódios de Pinguim já se encontram disponíveis na Max.

  • CRÍTICA| Como série de bruxaria, Agatha Desde Sempre é excelente

    CRÍTICA| Como série de bruxaria, Agatha Desde Sempre é excelente

    Agatha Desde Sempre prova seu potencial ao fugir de uma fórmula desgastada

    Caso você procure as séries da Marvel no IMDB (Internet Movie Database), todas estão incluídas dentro do subgênero de super herói, de Wandavision até Echo, porém, se você abrir a página de Agatha Desde Sempre, o primeiro subgênero é de fantasia sobrenatural, e isto diz muito sobre a série.

    Uma sequência direta de Wandavision, Agatha Desde Sempre foca na bruxa Agatha Harkness após ser libertada do encanto lançado pela Feiticeira Escarlate. Ao conhecer um adolescente, eles formam um coven para assim andarem o caminho das bruxas e buscarem os seus maiores desejos.

    Por conta de ser a primeira série do MCU pensada exclusivamente para o formato de série, e não um filme estendido por 6 horas, como Gavião Arqueiro e o tenebroso Invasão Secreta , e apresentando um orçamento mais modesto, o que permite muitas liberdades criativas, Agatha Desde Sempre tira sua força de três grandes pilares: atuação, roteiro e coragem.

    Em questão de atuação: Kathryn Hahn está super confortável de volta no papel, agora em seu momento de redenção, apresenta destaque, mas, se torna uma personagem secundária dentro da própria história, em pró de novos personagens como Aubrey Plaza, em uma personagem perfeita para o seu modo expansiva, e por Joe Locke, o grande destaque da produção, e a maior ligação com Wandavision.

    Agatha Desde Sempre

    Aubrey Plaza em cena de Agatha Desde Sempre- Divulgação/Disney

    Dentro de um universo fantástico que remete à produções juvenis dos anos 2000, o roteiro nos leva em uma jornada pequena, porém, muito bem construída, cada desafio do caminho das bruxas é único, seja uma espécie de escape 60, uma batalha de bandas, ou um jogo de tarot, cada parte permitindo que os personagens liberem o seu potencial.

    Apesar da produção apresentar maior liberdade do que outras do MCU, Agatha Desde Sempre se mantém no seguro, ousando principalmente em seus três últimos episódios, porém, perdendo oportunidades ao longo do resto da série de construir, entre muitas coisas, a primeira produção realmente de horror em 16 anos de produções Marvel.

    As 7 bruxas de Salem, o demônio durante a batalha de bandas, a possessão de Agatha no cenário anos 80, entre outros momentos, demonstram como a produção apresentava material para realmente trazer algo assustador, porém, perdendo estas oportunidades em pró de uma construção intimista de personagens que alcança seu auge nos 3 episódios finais.

    Um consenso entre os fãs da produção, é que o 7º episódio de Agatha Desde Sempre, Se a morte me encontrar, é o melhor da temporada. Focando na história pregressa de Lilia, o episódio é uma aula de construção narrativa em um tempo inferior à 30 minutos, lidando com diversas linhas temporais, evoluindo os personagens e trazendo uma maturidade que não explorada dentro do MCU.

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    Kathryn Hann e Joe Locke em cena de Agatha Desde Sempre- Divulgação/Disney

    O episódio 8, do mesmo modo que Wandavision, não consegue escapar do final dicotômico da maioria de produções da Marvel em que o bem luta contra o mal, sempre auxiliado por efeitos visuais. Em contrapartida, o episódio 9 de Agatha Desde Sempre traz um merecido descanso.

    Bruxa, Mãe e Algoz é o episódio mais lento em questão de ritmo, mostrando as origens de Agatha e do caminho das bruxas, porém, trazendo uma resolução e um conforto necessário dentro de uma produção que merece parabéns pela ousadia, apresentando como protagonista uma personagem praticamente desconhecida, ousando em questões sexuais que eram inexistentes em produções anteriores, e que com muita coragem e um bom roteiro, trouxe um respiro em um desgaste da fórmula do sub gênero de heróis.

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  • CRÍTICA I Ainda Estou Aqui é um retrato da luta pela memória e resistência

    CRÍTICA I Ainda Estou Aqui é um retrato da luta pela memória e resistência


    Walter Salles nos entrega, com “Ainda Estou Aqui”, uma reflexão densa e necessária sobre as cicatrizes deixadas pela ditadura militar no Brasil e a busca incansável por justiça.

    Adaptado do livro homônimo e autobiográfico de Marcelo Rubens Paiva (“Feliz Ano Velho”), o longa se destaca não apenas por seu conteúdo emocionalmente potente, mas também por sua relevância histórica. Aclamado em sua estreia no Festival de Veneza 2024, “Ainda Estou Aqui” foi escolhido para representar o Brasil na corrida pelo Oscar 2025, na categoria de Melhor Filme Internacional, reforçando sua importância tanto no cenário nacional quanto no internacional.

    Mais do que um simples longa, “Ainda Estou Aqui” vai além ao se consolidar como uma das produções mais marcantes do ano. Sua narrativa oferece um olhar profundamente humano sobre um dos períodos mais dolorosos da história recente do Brasil, tornando-se uma obra que ressoa intensamente com as feridas ainda abertas na sociedade.

    CRÍTICA I Ainda Estou Aqui é um retrato da luta pela memória e resistência
    Ainda Estou Aqui I Sony Pictures Entertainment


    A trama acompanha Eunice Paiva (Fernanda Torres/Fernanda Montenegro), uma mulher que se torna ativista após a captura de seu marido, Rubens (Selton Mello), pelo regime militar, em 1971. Esse evento traumático a imerge em uma luta pela memória e pela verdade, enquanto busca entender o destino de Rubens e lida com o impacto emocional em si e em seus filhos.

    Sob a direção sensível de Walter Salles (“Central do Brasil”), o filme não se limita a uma representação crua e direta da brutalidade do regime militar. Salles opta por um enfoque mais introspectivo, ao explorar o sofrimento interno de Eunice e as consequências silenciosas, mas devastadoras, da repressão. A dor psicológica e o luto incerto da personagem são apresentados de forma sutil e angustiante, criando uma narrativa que mescla memória e realidade de maneira a transcender a individualidade, tocando em questões universais.

    A atuação de Fernanda Torres (“Terra Estrangeira”) é o coração do longa. Ela incorpora uma Eunice forte, mas, ao mesmo tempo, vulnerável, uma mulher que carrega a dor da perda e da incerteza, mas que transforma esse sofrimento em resistência. Já Fernanda Montenegro (“A Vida Invisível”), em uma participação breve, mas impactante, dá vida à versão mais velha de Eunice, encerrando o ciclo da personagem com a profundidade e a sensibilidade, que só uma atriz de seu calibre poderia trazer.

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    Ainda Estou Aqui I Sony Pictures Entertainment


    Além das atuações memoráveis, o longa também se destaca tecnicamente. A fotografia, de Adrian Teijido (“Medida Provisória”), recria com precisão a atmosfera dos anos 70 no Rio de Janeiro, equilibrando a nostalgia de um período que se perde e a opressão do contexto político. A paleta de cores escolhida, junto com a estética visual, reforça essa dualidade entre os momentos alegres que antecedem a tragédia e o ambiente sufocante da ditadura. O uso de material de arquivo e de noticiários da época, entremeados à narrativa, conecta a ficção à realidade histórica de maneira autêntica e eficaz, lembrando o espectador da importância de manter viva a memória coletiva.

    A reconstituição de cenários também merece destaque. Sob a direção de arte de Carlos Conti (“Diários de Motocicleta”), os espaços recriados transportam o espectador para o clima de constante vigilância e incerteza que predominava na época. O figurino, assinado por Claudia Kopke (“Tropa de Elite”), complementa essa ambientação, sendo fiel à moda e aos costumes das décadas retratadas.

    A transição entre os anos 70 e 90, que marca diferentes fases da vida de Eunice, é conduzida com fluidez e precisão, permitindo ao filme explorar a evolução da luta não só de Eunice, mas também de seu filho, Marcelo Rubens Paiva (Antônio Saboia). Marcelo se torna uma figura fundamental na discussão sobre a “Lei dos Desaparecidos”, sancionada por Fernando Henrique Cardoso nos anos 90, o que adiciona uma camada extra de profundidade ao enredo.

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    Ainda Estou Aqui I Sony Pictures Entertainment


    O desfecho é comovente e profundamente simbólico. Salles opta por um final que não apela para o sensacionalismo ou para cenas de violência explícita. Em vez disso, o diretor foca na intimidade emocional de Eunice, lembrando o público de que o impacto da repressão vai além do sofrimento físico — ele permeia gerações e deixa cicatrizes que nunca se fecham completamente. A escolha de encerrar a narrativa com Fernanda Montenegro em uma atuação silenciosa, mas arrebatadora, reafirma a mensagem central da obra: a memória e a resistência são armas poderosas contra o esquecimento.

    Em última análise, “Ainda Estou Aqui” é um filme que vai além de sua função como uma biografia ou um relato histórico. Ele se apresenta como um retrato pungente de um país que ainda luta para superar as sombras do seu passado. Walter Salles, com sua direção delicada e precisa, oferece ao público uma experiência cinematográfica visceral e emocionalmente envolvente, onde a dor pessoal se entrelaça com a reflexão política.

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    Ainda Estou Aqui I Sony Pictures Entertainment


    À medida que a temporada de premiações se desenrola, “Ainda Estou Aqui” se posiciona como um forte candidato ao Oscar de Melhor Filme Internacional, e, quem sabe, poderá se consolidar como um marco no cinema brasileiro, tal como “Central do Brasil” foi, em 1998.

    Mas, independentemente de prêmios, a obra já é uma conquista significativa, ao oferecer um espaço para a reflexão sobre a importância da memória e da resistência em tempos de repressão.

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  • CRÍTICA | Anora atualiza Cinderela e nos derruba no processo

    CRÍTICA | Anora atualiza Cinderela e nos derruba no processo

    Vencedor da palma de ouro no Festival de Cannes, Anora mistura comédia e drama para fazer um retrato honesto do mundo atual

    Escrito pelos Irmãos Grimm, o conto da “Gata Borralheira”, ou “Cinderela” como é mais popularmente conhecido, apresenta a seguinte frase no momento que Cinderela dança com o príncipe: “Tanto tempo vivendo em meio às cinzas, agora ela estava vivendo em esplendor e felicidade”.

    Dirigido por Sean Baker, Anora pode ser considerado uma atualização desta história secular. Na produção, a princesa é uma gentil e carismática stripper chamada Ani, Mikey Madison, que se casa impulsivamente com um jovem oligarca russo chamado Ivan, Mark Eidelshtein, tendo a oportunidade de finalmente alcançar uma vida de luxo e glamour que sempre quis.

    Inicialmente se assemelhando a outras produções como Podres de Ricos (2018) e mais especificamente Uma Linda Mulher (1990), Anora se mostra bem maior do que ambos estas produções por conta de uma junção de fatores, que inclusive fizeram o filme vencer a palma de ouro do festival de Cannes 2024.

    O primeiro fator é elenco. Mikey Madison é a melhor escolha possível para o papel de Anora, uma mulher leve, engraçada e ao mesmo tempo extremamente decidida e confiante. Ao longo de duas horas presenciamos todo um espectro de emoções que variam desde a alegria até às lágrimas. É um papel que não tem medo de demonstrar suas inúmeras qualidades, do mesmo modo que suas falhas. Junto com sua protagonista, um elenco secundário compõem esta farsa, principalmente no segundo ato do filme quando o filme deixa de ser uma comédia romântica e se torna um filme de absurdos que abraça o caos de uma maneira que poucos filmes apresentam coragem.

    O segundo fator é o roteiro e a direção de Sean Baker. O que poderia ser um romance que seria esquecido após um tempo, é na verdade um misto de comédia, absurdos e drama. Por bem ou por mal, Baker pula corda com isto. No primeiro momento rimos da situação, em seguida, após a catarse, refletimos sobre o porque rimos daquela situação, algo constante em toda a produção.

    O terceiro e principal fator é a veracidade de seu roteiro. Enquanto comédias românticas como Uma Linda Mulher (1990) constroem um universo fantástico que testa a crença do espectador, em Anora nós sentimos que é real, sentimos empatia com Ani, queremos que ela alcance seu sonho, não o de amor pois em nenhum momento acreditamos que ela realmente ama Ivan, especificamente porque o personagem é construído de maneira tão imatura que nunca teria futuro com alguém complexo quanto Ani, mas o sonho de ser algo mais dentro da vida, algo que todos nós sonhamos alguma vez na vida.

    Anora

    Pôster Oficial de “Anora”- Divulgação da Focus Pictures

    A trilha sonora composta de músicas como All The Things That She Said de t.A.T.u, a cinematografia que constrói um universo fantástico e lúdico para Ani, que fica cada vez mais real na medida que o filme avança, piadas que variam do sorriso de canto de boca até chorar de rir, trazendo uma sensação de conforto para o espectador, para ao final quebrar todo este sonho anteriormente apresentado.

    A realidade não é um conto de fadas, isto que Baker quer nos lembrar com um último ato que nos deixa sem resposta. Após uma jornada diretamente tirada de um filme dos anos 80, somos lembrados de como ao final do dia, pessoas cometem erros e não arcam com eles, de como somos obrigados a certos papéis por conta de nossas escolhas, de como é difícil encontrar apoio em um mundo cada vez mais frio, de como às vezes a gente só precisa de um abraço.

    Anora é um filme corajoso, fugindo de clichês românticos ultrapassados, trazendo para a realidade e tomando decisões ousadas a cada momento. Focando todo o primeiro ato no relacionamento de Anora e Ivan, para o homem desaparecer pela totalidade do segundo ato, deixando Ani e o espectador questionando esta ausência, enquanto a realidade idílica construída anteriormente, é derrubada sem piedade por meio de um absurdo atrás do outro, demonstrando que no final, por mais que Anora e o próprio espectador desejem muito, na grande maioria das vezes, a Cinderela não alcança seu final feliz.

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  • CRÍTICA (FESTIVAL DO RIO) | O Império falha em alcançar seu potencial como sátira

    CRÍTICA (FESTIVAL DO RIO) | O Império falha em alcançar seu potencial como sátira

    Dirigido por Bruno Dumond, O Império se perde em roteiro confuso e ensosso ao satirizar o gênero de ficção cientifica.

    Em 1987, no auge da fama de Star Wars, Mel Brooks lançou S.O.S- Tem um Louco Solto no Espaço (Space Balls), satirizando o gênero da ficção cientifica de modo original e cômico, trazendo uma nova visão para este mundo épico apresentado por George Lucas que se mantém em alta, entre altos e baixos, até os dias de hoje.

    Justamente este sucesso constante de Star Wars, somado com lançamentos recentes como Duna, que permitiu O Império satirizar marcas do gênero como: o modelo dicotômico da luta do bem contra o mal, o escolhido que deve ser protegido, um imperador que quer dominar tudo, entre outros, porém, enquanto Mel Brooks acertou com louvor, tendo sido anunciado uma sequência para ser lançada quase 40 anos depois, o filme de Bruno Dumond não apresenta nenhum brilho, nem como forma de paródia e nem como filme independente.

    Em O Império, somos apresentados aos 0’s, “os sith“, e aos 1’s, “os jedis“, duas raças alienígenas que representam o bem e o mal e se encontram em exílio na terra, na forma de humanos. Quando nasce o filho da união entre um 0 e um 1, ambos os impérios apresentam planos particulares para a criança.

    O Império

    O que se segue é uma trama confusa, com um humor francês típico, ou seja, não é produzido para gargalhar alto e sim para dar vários risinhos de canto de boca por conta de absurdos apresentados ao longo do filme, porém, um roteiro inflado e confuso, recheado de personagens que não apresentam marcas únicas e são unidimensionais em um nível absurdo, fazem com que O Império perca sua força.

    Tirar todo o glamour e a magia de Star Wars, para colocar em um universo comum e real como Costa Opal, é uma premissa interessante, porém, chega o momento que estes dois universos, o grandioso e fantástico, e o terreno e chato, se tornam conflitantes demais, trazendo um sentimento de desprezo da parte do espectador.

    Seus personagens também não auxiliam, uma história secundária do filme ocorre quando a princesa dos 1’s, Anamaria Vartolomei, se apaixona pelo príncipe dos 0’s, Brandon Vlieghe, porém, seu relacionamento não é aprofundado, e para piorar a situação, pode ser compreendido que a princesa somente apresenta interesse no príncipe por conta de ele a ter apresentado os prazeres do sexo, o que demonstra um forte problema em O Império: o trato com personagens femininas.

    Em pleno século XXI, é inadmissível um filme, seja ele francês, americano, brasileiro, ou qualquer outro país. Apresentar tanto descaso com personagens femininas, quanto O Império apresenta. Além do fato de as duas principais personagens mulheres da produção se odiarem do começo ao fim do filme por conta de uma ser um 0, Line, e a outra um 1, a princesa Jane. Ambas não saem da camada unidimensional, principalmente Line, e servem somente para movimentar a narrativa da maneira mais básica possível, sem contar o seu uso para piadas machistas, de diversas formas.

    O trailer promete um filme muito mais interessante do que aquilo que foi entregue por Dumond, apresentando uma ou duas piadas que realmente funcionam, enquanto sentimos confusão e vergonha alheia por conta de acontecimentos e diálogos.

    O Império pode ser considerado um filme trash francês, isto não seria um problema se a produção brincasse com isto, porém, ao tentar levar a sério, em um filme galhofa, conceitos como a filosofia sobre o bem e o mal interno em cada um da humanidade, a produção encerra de forma absurda e vazia, como se a produção tivesse esquecido de filmar o final, assim, somando na crítica de que uma sátira deste escopo, dirigido por um nome renomado no cinema francês, poderia ter gastado um tempo maior em seu desenvolvimento e construído algo realmente grandioso.

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  • CRÍTICA (FESTIVAL RIO) | O Aroma do Pasto Recém Cortado: Um filme de recasamento

    CRÍTICA (FESTIVAL RIO) | O Aroma do Pasto Recém Cortado: Um filme de recasamento

    Dirigido por Celina Murga, O Aroma do Pasto Recém Cortado usa traição para contar uma história de reconciliação

    No livro Pursuits of Happiness: A Hollywood Comedy of Remarriage (1981), o filósofo e teórico americano Stanley Cavell se baseia em comédias românticas da época de ouro de Hollywood, como Levada da Breca (1938) de Howard Hawks e A Costela de Adão (1949) de George Cuckor, para explorar o gênero de recasamento, na qual, ao invés da produção tentar juntar um casal, ele busca trazer de volta a sua união que foi perdida.

    O Aroma do Pasto Recém Cortado conta a história de Pablo e Natalia, dois professores universitários casados, com filhos, e em crise matrimonial. No momento que ele inicia um caso com uma aluna e ela inicia um caso com um aluno, são originadas diversas situações imagéticas que ocasionam consequências em seus próprios casamentos.

    O Aroma do Pasto Recém Cortado é uma coprodução da Argentina, Uruguai, México, Alemanha e EUA, com a presença de Martin Scorcese, um diretor renomado e amante declamado da sétima arte, como produtor executivo, assim, a influência deste gênero de recasamento não se encontra tão longe, principalmente por conta de três marcas analisadas por Cavell: o diálogo constante, a presença do divórcio e a igualdade de gêneros.

    A produção de Celina Murga apresenta diálogos pontuais, que se somam a diversos momentos contemplativos e de calma, principalmente para dar tempo ao observador embarcar nesta jornada junto com seus protagonistas; O divórcio se apresenta sempre na iminência, porém, nunca colocado como uma real possibilidade; a igualdade de gêneros se encontra por meio de um co-protagonismo dividido por Pablo e Natalia.

    O Aroma do Pasto Recém Cortado

    “O Aroma do Pasto Recém Cortado”- Foto divulgada pelo Festival do Rio

    O Aroma do Pasto Recém Cortado constrói sua narrativa com base em semelhanças imagéticas entre a jornada de ambos. Tanto Pablo quanto Natalia, apesar de não compartilharem cenas durante toda a produção, apresentam casos com alunos; ambos inicialmente negam este sentimento; ambos encontram uma felicidade que se perdeu em seus próprios matrimônios, entre outras semelhanças que nos trazem duas diferentes versões da mesma história.

    Após ambos terem seus relacionamentos descobertos, ao invés de O Aroma do Pasto Recém Cortado se transformar em um drama que diretores como Woody Allen fazem no nível da exaustão, se baseando no ridículo de um de seus protagonistas e uma espécie de mea culpa. A produção mantém o seu ritmo lento e contemplativo, em nenhum momentos os casais gritam entre si, porém, na medida que os respectivos conjugues de Pablo e Natalia aceitam com tanta calma esta infidelidade, a dor que sentimos é muito maior.

    O filme demarca o desgaste do amor por meio de jogos de iluminação, um exemplo é a casa de Pablo que é sempre escura, enquanto quando está com sua amante é muito mais iluminada, algo semelhante para o que ocorre com Natalia.

    A produção é lenta, não apresentando grandes momentos de catarse e cansando o espectador ao acompanharmos a mesma história duas vezes, seja a versão de Natalia ou a de Pablo. Ao seu final, O Aroma do Pasto Recém Cortado, traz um sentimento agridoce, não sentimos que nenhum dos protagonistas realmente sofreram as consequências por suas atitudes, porém, observar como este acontecimento, seja ele errado ou não, ocasiona no que Cavell definiu como recasamento, traz um sentimento de conforto. Talvez o casamento de ambos não dure muito tempo depois do filme, porém, naquele momento eles encontraram um pouco de felicidade.

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  • CRÍTICA (FESTIVAL DO RIO) | Herege é uma aula de filosofia e depois um filme de terror

    CRÍTICA (FESTIVAL DO RIO) | Herege é uma aula de filosofia e depois um filme de terror

    Dirigido por Scott Beck e Bryan Woods, Herege se utiliza de símbolos para construir reflexões sobre crenças e fé

    Aqueles que assistirem Herege esperando um filme de terror puro e simples, provavelmente sairão decepcionados. O filme apresenta um ritmo lento, focando muito em diálogos e auxiliado por uma fotografia de destaque, marca de filmes da produtora A24.

    Desde o primeiro plano de Herege, é demonstrado o quanto o ser humano é pequeno em comparação ao mundo, enfatizando uma enorme montanha ao fundo e as duas protagonistas em primeiro plano: Irmã Barnes, Sophie Tatcher, e a Irmã Paxton, Chloe East. Quando estas jovens missionárias são obrigadas a participar de um jogo filosófico na casa de Mr Reed, Hugh Grant, ambas são obrigadas a testar sua fé, enquanto a audiência se diverte com reflexões que variam desde relações entre Monopoly e Judaísmo, até as comparações rítmicas entre as músicas The Air That I Breath de The Hollies e Creep de Radiohead.

    Apesar de apresentar traços de filmes de terror, como um porão escuro e uma tensão constante aonde não sabemos o que pode acontecer em seguida, o grande foco da produção é o roteiro, principalmente seus diálogos e suas comparações ao discutir algo tão pessoal e ao mesmo tempo tão vasto dentro da nossa sociedade atual: Religião.

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    Sophie Tatcher e Chloe East em cena de “Herege”- Foto divulgada pelo Festival do Rio

    Herege não pretende converter ninguém, respeitando as crenças, e não crenças de cada um, porém, não poupa esforços ao demonstrar contradições e fragilidades dentro de cada sistema religioso do mundo. Cristianismo, Judaísmo, Islamismo, Mitologia Grega, Hinduísmo, tudo é discutido no filme. Aos amantes de reflexões sobre a vida e a humanidade, este filme é um prato cheio, permitindo a audiência passar horas no bar entrando fundo neste buraco de coelho construído por Beck e Woods.

    Apesar de toda a produção apresentar um ritmo lento, a primeira metade de Herege é ao extremo, dando prioridade em apresentar o contexto filosófico e reflexivo necessário para a audiência sentir a tensão do segundo ato da produção.

    Neste momento Herege se torna um terror mais clássico, muito por conta da aparição de uma sacerdotisa, o “monstro” do porão, por assim dizer, porém, o verdadeiro horror do filme se encontra na frieza de Mr Reed, um homem sem um pingo de empatia e focado somente em demonstrar como as contradições da fé são aceitas pela humanidade como algo natural, ao invés de ser discutida por suas contradições.

    Em seu último ato, Herege se torna um filme mais fantástico, na medida que Beck e Woods testam a fé do espectador, construindo atos e ações irreais, brincando com a consciência do espectador sobre o que aconteceu ao longo da produção.

    Ao final, Herege pode não ser o filme de terror do ano, mas, cumpre o seu papel por meio de cenas tensas, traz o melhor papel de Hugh Grant em anos, talvez da carreira, e faz a audiência refletir sobre em que acredita, entregando boas atuações e um roteiro cirúrgico.

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  • CRÍTICA I Força Bruta: Uma Boa Ação Sul-Coreana, mas nada além disso

    CRÍTICA I Força Bruta: Uma Boa Ação Sul-Coreana, mas nada além disso

    “Força Bruta” entrega adrenalina, mas fica aquém em enredo e desenvolvimento de personagens.

    A vitória de “Parasita” (2019) no Oscar 2020 foi um marco decisivo para o cinema sul-coreano, elevando suas produções a um novo patamar de reconhecimento internacional. Ao vencer a categoria de “Melhor Filme”, “Parasita” mostrou que o mercado asiático poderia transcender fronteiras e conquistar o público global, abrindo portas para que outros gêneros também ganhem espaço no mercado internacional.

    Chegamos à 2024, quando estreia nos cinemas “Força Bruta”, uma aposta da Coreia do Sul, desta vez no gênero de ação, buscando atrair um público mais amplo e diversificar ainda mais a oferta cinematográfica do país.

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    Força Bruta I ABO Entertainment

    Estrelado por Don Lee (“Os Eternos”), o longa apresenta uma trama simples que remete a clássicos como “Stallone Cobra” (1986) e “Police Story” (1985), além de lembrar bastante a filmografia do ator Steven Seagal (“A Força em Alerta”), ou até mesmo do expoente também asiático, Jackie Chan (“A Hora do Rush”). O enredo é repleto de clichês e situações já familiares, mas a enérgica atuação de Lee é o que impede o filme de cair no esquecimento.

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    Força Bruta I ABO Entertainment

    Ambientado em 2008, durante um período de crescente violência na Coreia do Sul e no Vietnã, a história segue o policial Ma Seok-do (Lee) e o Capitão Jeon Il-man (Guy-hwa Choi), que são enviados ao Vietnã para capturar um suspeito. Durante o interrogatório, eles descobrem uma grande rede de tráfico liderada pelo vilão Hae-sang (Son Suk-ku).

    Apesar da trama simples, a grande quantidade de antagonistas rasos confunde o público, dificultando identificar quem realmente importa. Tanto os heróis quanto os vilões carecem de profundidade.

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    Força Bruta I ABO Entertainment


    Por outro lado, o protagonista compensa com seu tom cômico, mantendo o filme leve, apesar de sua invencibilidade exagerada que tira parte da tensão. Mas o ponto alto mesmo reside nas cenas de ação. A brutalidade das lutas, bem coreografadas, faz jus ao título, entregando momentos intensos e cheios de adrenalina.

    Juntando tudo isso, no fim, “Força Bruta” é um filme mediano. Funciona como um entretenimento simples e direto, mas não oferece muito além disso. O enredo previsível e os personagens superficiais limitam seu impacto, fazendo com que pareça voltado para bombar nas plataformas de streaming. Ainda assim, deve agradar quem procura diversão descompromissada.

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  • CRÍTICA I “O Aprendiz”: Uma Sátira Polêmica sobre a ascensão de Donald Trump

    CRÍTICA I “O Aprendiz”: Uma Sátira Polêmica sobre a ascensão de Donald Trump

    O Aprendiz” traz um retrato controverso da vida do bilionário republicano, em tempos de eleição.

    “O Aprendiz”, sob a direção de Ali Abbasi (“Shelley”), exibido no Festival de Cannes 2024, se concentra na complexa trajetória de Donald Trump, numa cinebiografia que entrelaça eventos históricos com provocações políticas. Anunciado em 2018, o filme ganhou notoriedade ao ser lançado durante as eleições presidenciais nos Estados Unidos em 2024, intensificando as controvérsias que cercam a figura do ex-presidente. Mais do que uma crítica simplista, “O Aprendiz” investiga diversas facetas do protagonista, revelando nuances de sua personalidade e ambições.

    Desde o início, a produção enfrentou polêmicas, especialmente relacionadas ao financiamento de Dan Snyder, um bilionário que acreditava estar apoiando uma representação positiva de Trump. Contudo, ao visualizar o corte final, Snyder processou a produtora, alegando ter sido enganado. Além desse contratempo, apoiadores de Trump ameaçaram ações legais, evidenciando a tensão em torno da figura do ex-presidente e o impacto que a obra poderia ter em sua imagem pública.

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    Força Bruta I Diamond Films

    Ainda assim, apesar das controvérsias, “O Aprendiz” não se restringe a uma visão negativa de Trump. O filme analisa a relação do ex-presidente com o desenvolvimento econômico de Nova York, destacando sua habilidade em identificar e aproveitar oportunidades. A narrativa se concentra em como o jovem Donald Trump (Sebastian Stan), começou sua trajetória empresarial na cidade durante as décadas de 1970 e 1980.

    Sebastian Stan (“Capitão América: O Soldado Invernal”), entrega uma performance impressionante, capturando a evolução do discurso e comportamento de Trump. Ele retrata habilmente a transformação do personagem, desde a juventude até sua ascensão ao poder. No elenco de apoio, Jeremy Strong (“Os 7 de Chicago”), interpreta Roy Cohn, advogado e mentor de Trump. Cohn, cuja rede de contatos e insegurança são elementos cruciais, desempenha um papel fundamental na construção do carisma e do sucesso do empresário.

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    Força Bruta I Diamond Films

    A relação entre Trump e Cohn, por sinal, emerge como um dos pontos centrais do filme, ressaltando como as conexões políticas foram determinantes para a ascensão de Trump. O roteiro, escrito por Gabriel Sherman (“Independence Day: O Ressurgimento”), aborda momentos históricos significativos, como a saída de Nixon da presidência. A forma como Trump explorou o caos político da época também é enfatizada, mostrando sua capacidade de navegar em tempos conturbados.

    A parte técnica do longa é igualmente impressionante. A fotografia de Kasper Tuxen Andersen (“A Pior Pessoa do Mundo”), se destaca ao utilizar um granulado que confere um ar quase documental às imagens. Essa abordagem, combinada com a maquiagem de Brandi Boulet (“O Regresso”), aumenta a imersão na Nova York dos anos 70 e 80, transportando o público para aquela época vibrante e tumultuada.

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    Força Bruta I Diamond Films

    Ali Abbasi utiliza sua direção para criar um clima de espionagem e tensão. A câmera frequentemente se aproxima de Trump, intensificando a sensação de obscuridade e mistério em suas ações. Essa escolha estilística ajuda a construir uma narrativa que não apenas informa, mas também instiga a curiosidade do espectador.

    Além das questões políticas e empresariais, o filme também explora a vida pessoal de Trump. A tumultuada relação com sua primeira esposa, Ivana, interpretada por Maria Bakalova (“Borat: Fita de Cinema Seguinte”), é revelada, oferecendo um lado menos conhecido e mais emocional do protagonista. Essa dimensão humana acrescenta profundidade à narrativa, mostrando que por trás da figura pública existe um ser humano com conflitos e vulnerabilidades.

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    Força Bruta I Diamond Films

    A interação de Trump com a mídia, elemento crucial para sua ascensão, é apresentada de forma intrigante. O filme ilustra como ele manipulou essa relação a seu favor, explorando a cobertura midiática para construir sua imagem.

    No final, apesar de algumas oscilações no ritmo, “O Aprendiz” se revela uma cinebiografia audaciosa e bem estruturada, equilibrando crítica e análise de maneira instigante. A sátira proposta provoca reflexões profundas sobre a política e a sociedade, sem perder o viés de entretenimento. A obra oferece uma crítica social inteligente e pertinente, convidando o público a reconsiderar a figura de Donald Trump e seu impacto na política americana contemporânea.

    Com uma narrativa rica e envolvente, “O Aprendiz” se destaca como uma reflexão oportuna sobre o fenômeno Trump, consolidando-se como uma produção digna de atenção, tanto para seus fãs quanto para seus detratores. A obra não apenas informa, mas também provoca discussões relevantes, destacando a complexidade do personagem e as implicações de sua trajetória na sociedade atual.

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  • CRÍTICA (FESTIVAL DO RIO) | Meu Nome é Maria é uma necessária reparação histórica

    CRÍTICA (FESTIVAL DO RIO) | Meu Nome é Maria é uma necessária reparação histórica

    Meu Nome é Maria faz um retrato necessário da vida de Maria Schneider antes e após O Último Tango em Paris

    Na mitologia grega, Cassandra foi uma princesa troiana amaldiçoada pelo deus Apolo, apresentava o dom da profecia, porém, ninguém jamais acreditava nela. Estudiosos utilizam Cassandra como um modo de retratar o silêncio imposto em mulheres dentro da sociedade, não apresentando a possibilidade de falarem, ou, ao falarem, serem questionadas sobre a veracidade em sua fala.

    Dirigido por Jessica Palud, Meu Nome é Maria conta a história de Maria Schneider, a jovem de 19 anos que contracenou com Marlon Brando em O Último Tango em Paris (1972).

    O Último Tango em Paris continua impactando no ano de 2024. A história de um casal que decide viver histórias de luxúria em um apartamento, sem saber nem mesmo o nome de seu companheiro, e vivenciando os desejos mais carnais e sinceros, tornou o filme uma das produções cinematográficas mais discutidas de todas, principalmente por conta da cena do estupro de Maria Schneider pela parte de Marlon Brando e o diretor Bernardo Bertolucci.

    Anamaria Vartolomei, como Maria, e Matt Dillon, em uma caricatura de Marlon Brando, estão excelentes em seus respectivos papéis. Palud representa com muita beleza o brilho natural de Maria Schneider e Anamaria trespassa isso ao espectador com um único olhar, trazendo uma sutileza e doçura à personagem, porém, é este mesmo olhar que nos destrói ao chegar a famosa cena do estupro.

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    Anamaria Vartolomei em cena de “Meu Nome é Maria”- Foto divulgada pelo Festival do Rio

    A cena que foi refilmada para Meu Nome é Maria, consegue ser ainda mais terrível do que a cena filmada por Bertolluci, por dois motivos específicos: a onisciência do público que sabia da iminência daquele momento, e pelo close nas reações de dor de Maria, algo que nem mesmo Bertolluci fez em seu filme, mantendo a câmera mais distante.

    Meu Nome é Maria cumpre o papel não de cinebiografia, mas de reparação histórica. Brando, Bertolluci e Maria já faleceram. O ato cometido com a jovem de 19 anos nunca foi dignamente discutido em público, afinal, foi escondido da indústria por conta de questões jurídicas e sociais que afetariam principalmente Maria, sendo aconselhada até mesmo pelo pai a se manter calada.

    Do mesmo modo que uma Cassandra contemporânea, se Maria falasse tudo que sofreu, duvidariam da veracidade de suas palavras, e tristemente o movimento #MeToo surgiu somente em 2017, 6 anos após sua morte.

    Meu Nome é Maria apresenta duas Marias distintas, a primeira vive com a mãe e se aproveita dos contatos que o pai apresenta dentro da indústria cinematográfica, é sonhadora, determinada, corajosa, engraçada e em certo nível inocente, apresentando longas conversas com Brando que geram no espectador um falso senso de segurança da parte do homem. A segunda Maria Schneider se apresenta após do crime ocorrido no set de O Último Tango em Paris, uma Maria mais madura, destruída, com receio de se abrir, menosprezada pela indústria, viciada em drogas, que encontra um novo amor, mas, o destrói por conta de seu próprio comportamento.

    Jessica Palud constrói uma demarcação clara entre estas duas Marias, principalmente por meio da atuação de Anamaria Vartolomei, que amadurece na nossa frente na medida que enxergamos como Maria Schneider lida com o trauma e a humilhação causadas por homens como Brando e principalmente por Bernardo Bertolucci, colocado no filme como a verdadeira força antagônica, sendo uma representação do impacto que homens causam em mulheres de todo o mundo.

    Meu Nome é Maria

    Anamaria Vartolomei em cena de “Meu Nome é Maria”- Foto Divulgada pelo Festival do Rio

    Meu Nome é Maria é um pedido de desculpas para Maria Schneider, uma jovem que jamais se recuperou após ter sido abusada, humilhada e desprezada pela indústria cinematográfica, após sofrer uma crime orquestrado por dois homens, em posição de autoridade, e apoiados por inúmeros cúmplices silenciosos que não interferiram, apesar da dor legítima de Maria.

    Meu Nome é Maria é um filme forte que expõe uma verdade oculta por tempo demais. É estruturado de forma que o espectador apresenta vontade de resgatar Maria e avisá-la de tudo que a espera, porém, isto não ocorre, e somente podemos sentar e ver o brilho de uma mulher ir sumindo aos poucos.

    Até onde sabemos, Milton Nascimento em sua música “Maria, Maria” , não canta sobre Maria Schneider e não apresenta relações com Meu Nome é Maria, porém, a descrição de dor e alegria que ela apresentou ao longo da vida, esta luta por manter a alegria e a determinação apesar de tudo, e a sua perseverança que Jessica Palud representa tão bem, é algo vivido por muitas mulheres até os dias de hoje, é resumida de modo lúdico por meio das seguintes estrofes da música:

    “Maria, Maria, é o som, é a cor, é o suor
    É a dose mais forte e lenta
    De uma gente que ri quando deve chorar
    E não vive, apenas aguenta

    Mas é preciso ter força, é preciso ter raça
    É preciso ter gana sempre
    Quem traz no corpo a marca, Maria, Maria
    Mistura a dor e a alegria”

    Hoje conseguimos reconhecer a força de Maria Schneider e como a julgamos mal, e isto é o mínimo para ela ter um pouco da tão merecida paz que buscou ao longo de sua vida.

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    CRÍTICA (FESTIVAL RIO)| Todo o Tempo que Temos é feito sob medida para emocionar

    Dirigido por John Crowley, Todo o Tempo que Temos segura o elenco, porém, não traz novidades ao gênero.

    O gênero da comédia romântica é mais antigo do que o próprio cinema. No século XVI, William Shakespeare já havia escrito Sonho de Uma Noite de Verão , Muito Barulho por Nada e outras peças do gênero, porém, mesmo naquela época não era considerado original pois os gregos já haviam produzidos peças que inspiraram Shakespeare, e por consequência inspiram cineastas até hoje, em uma espécie de Atlas Mnemosyne.

    Recentemente, graças em grande parte à NETFLIX e outros serviços de streaming, estamos vivendo uma nova era de comédias românticas, um gênero que é reinventado a cada 10 ou 15 anos. Todo o Tempo que Temos se encontra nesta fase mais recente, uma fase que se baseia em pegar dois atores de renome, no caso Andrew Garfield e Florence Pugh, e colocá-los para vivenciar todas as aventuras e desaventuras de um casal, desde o clássico meet cute, a briga desnecessária, a reconciliação, a batalha entre emprego e amor, a vida familiar, entre outras.

    Todo o Tempo que Temos apresenta uma narrativa não linear para contar a história da chef de cozinha Almut, Florence Pugh, e do recém-divorciado Tobias, Andrew Garfield. O diretor John Crowley, juntamente com o roteirista Nick Payne, orquestram uma narrativa que nos diverte, porém, não acrescentando nada novo ao gênero. Na superfície aparenta ser uma novidade, porém, isto só se mantém por conta da química de Garfield e Pugh, dois excelentes atores muito confortáveis dentro do papel.

    Todo o Tempo que temos

    Florence Pugh em cena de “Todo o Tempo que Temos”- Foto divulgada pelo Festival do Rio

    Todo o Tempo que Temos levou grande parte da audiência que assistiu este filme no 26º Festival do Rio, a cair em lágrimas, algumas a soluçar. Isto acontece por conta do filme ter sido feito sob medida para nos fazer chorar, incluindo o, já batido, arco narrativo de um membro do casal apresentar câncer, algo já visto em produções como A Culpa é Das Estrelas (2014), O Amor Pode Dar Certo (2006), entre outras inúmeras produções dos últimos 20 anos, sendo na maioria das vezes a mulher que apresenta a doença, porém, câncer é uma doença tão pesada e discutida, que aterroriza até mesmo os mais corajosos, gerando a empatia do público para com o casal principal.

    Apesar de interessante em algumas cenas, Todo o Tempo Que Temos é uma comédia romântica decente, porém, somente isso, não acrescentando nada de novo ao lore já existente, seguindo uma estrutura segura e feita para emocionar, assim, garantindo o sucesso do filme por meio de um trailer que emociona mais do que o filme em si, e o marketing de dois grandes atores do cinema contemporâneo, que se torna mais interessante e inovadora do que a história do filme em si.

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  • CRÍTICA (FESTIVAL RIO) |Enterre Seus Mortos se inicia muito bem e fracassa no resto

    CRÍTICA (FESTIVAL RIO) |Enterre Seus Mortos se inicia muito bem e fracassa no resto

    Apesar de Selton Mello e da direção de Marco Dutra, Enterre Seus Mortos é um filme vazio de conteúdo.

    Na primeira cena de Enterre Seus Mortos, vemos um cavalo atravessado na parte traseira de um carro, um morto na estrada, e dois homens que chegam para resgatar o animal, ignorando o homem implorando por ajuda, que se encontra preso no banco da frente do carro, destruído pelo corpo do equino.

    Baseado no livro homônimo de Ana Paula Maia, Enterre Seus Mortos acompanha Edgar Wilson, Selton Mello, e o ex padre Tomás, Danilo Grangheia, dois homens responsáveis por recolherem animais mortos na estrada, dentro de um mundo pós apocalíptico, porém, diferente de outros mundos pós apocalípticos presentes no nosso inconsciente coletivo, como o de Exterminador Do Futuro e Mad Max: Estrada da Fúria, o mundo de Marco Dutra nunca se apresenta tão terrível quanto deveria.

    Isto é um problema comum a todo a produção: tentar chocar, porém, sem apresentar força ou contexto suficiente para transmitir qualquer forma de empatia do espectador para com seus personagens.

    Incluindo diversas alegorias bíblicas em seu desenvolvimento, incluindo, mas não limitado a: os 4 cavaleiros do apocalipse, o filme apresentar 7 capítulos, uma chuva de sapos como uma das pragas do Egito Antigo, entre outras. Porém, esta quantidade de alegorias bíblicas dentro de uma narrativa inflada, torna a produção muito hermética para o seu próprio bem e confundindo a audiência.

    Enterre Seus Mortos é um filme que aparenta justificar a existência de uma chocante primeira cena, por meio de cenas violentas e uma tentativa de construção de thriller, a partir de uma investigação sobre uma iminente seita que aterroriza os sonhos de Edgar Wilson, porém, a falta de explicações básicas não auxilia.

    Apesar de um elenco de peso que inclui Selton Mello, em um de seus papéis mais fracos, Marjorie Estiano e a eterna Betty Faria, a produção aparenta ter o objetivo de construir uma reflexão sobre o bem e o mal, porém, falha em conceitos básicos como a construção de personagens e de um maior enfoque no apocalipse em si.

    Os momentos em que Enterre Seus Mortos levemente se destaca, ocorre em alguns diálogos como o de Edgar Wilson com Nete, Marjorie Estiano, porém, mesmo uma cena interessante incomoda ao durar mais do que deveria, algo que Enterre Seus Mortos é perito.

    Enterre seus mortos

    Marjorie Estiano em cena de “Enterre Seus Mortos”- Foto divulgada pelo Festival Do Rio

    A fotografia neon, misturado com um estilo faroeste, apresenta interessante a principio, porém, não se mantém dentro de uma distopia que não é explicada em nenhum momento, assim, por conta do mundo de seus personagens não terem sido devidamente apresentados, a audiência não consegue ter empatia.

    Ao final de seu segundo ato, já com parte da audiência tendo desistido de assistir o resto da produção, Enterre Seus Mortos tira um deus ex machina na forma de Gilson, um demônio que estava no controle de Edgar Wilson o tempo todo, o tornando um assassino. O que poderia ser uma virada interessante para seu protagonista, a construção deste ponto de virada é tão absurda que se torna impossível sentir qualquer forma de impacto.

    Ao final da produção, saímos com um sentimento vazio, e com grande parte do filme apagado de nossa mente, por conta de uma construção narrativa que não faz sentido, dentro de um filme que se leva a sério demais para o seu próprio bem.

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  • CRÍTICA (FESTIVAL RIO) | Abraço de Mãe constrói terror a partir de relação materna

    CRÍTICA (FESTIVAL RIO) | Abraço de Mãe constrói terror a partir de relação materna

    Dirigido por Cristian Ponce, Abraço de Mãe conta história de fantasmas para retratar a aceitação da dor.

    Ao longo do cinema de terror, diversos filmes construíram uma narrativa assustadora, tendo como base uma relação pé no chão sobre maternidade, alguns exemplos incluem: Aliens, O Resgate (1986), O Bebê de Rosemary (1968), O Babadook (2014), As Boas Maneiras (2017) e o recente Abraço de Mãe (2024).

    Abraço de Mãe conta a história de Ana, interpretada por Marjorie Estiano, uma bombeira que deve evacuar um asilo durante um forte temporal na cidade do Rio de Janeiro, durante este processo, descobre as verdadeiras intenções de seus moradores e a ligação com o seu próprio passado.

    Grande parte da produção se passa dentro de uma enorme casa, aonde o horror é construído por meio da escuridão; pelo senso de não ter para onde fugir; pela construção sonora e silenciosa do local; e por seus moradores que iniciam uma cerimônia com a chegada da tempestade, uma cerimônia que Ana já presenciou em sua vida.

    Existem duas formas de maternidade ao longo da produção, aquela que cria e aquela que cuida. A primeira foi o que Ana vivenciou em sua infância, tendo tido uma mãe que aparentava se importar, porém, apresentava outros objetivos mais obscuros que foram impedidos por um incêndio. A segunda ocorre quando Ana conhece Lia, uma menina assustada presa no asilo, e deve protegê-la do mesmo destino que quase foi seu.

    A relação entre uma mãe e uma criança, seja ela biológica ou não, é uma das mais fortes que existe, por isso é tão comumente explorada ao longo da literatura e do cinema. Abraço de Mãe explora este simbolismo diversas vezes, um exemplo é o enorme útero aonde aqueles que são capturados, são aprisionados com um cordão umbilical que alimenta um gigante bebê em estado de formação.

    Um segundo simbolismo presente em Abraço de Mãe, se encontra na relação de Ana com os 4 elementos da natureza: o fogo que matou a mãe de Ana e ao mesmo tempo a salvou de um destino cruel; a água do temporal e do líquido amniótico aonde os personagens alimentam o bebê; a mãe terra que exige este sacrifício; e o vento de um dos maiores temporais da história do Rio de Janeiro.

    Abraço de Mãe

    “Abraço de Mãe”- Foto divulgada pelo Festival do Rio

    Abraço de Mãe constrói um universo fantástico que auxilia na construção do horror. O roteiro de Cristian Ponce, André Pereira e Gabriela Capello, propositalmente não explica todas as questões relacionadas à cerimônia ou às temáticas mais fantásticas da produção, deixando o espectador tirar suas próprias conclusões sobre os acontecimentos.

    O maior objetivo do roteiro e da direção é a construção de um arco narrativo para Ana, sendo o filme conduzido pela sua personagem. Primeiramente presenciamos a sua juventude e seu trauma que a marcou para a vida, em seguida sua versão mais madura na forma de uma bombeira orgulhosa e que se recusa a aceitar a dor ou a sua própria incapacidade de agir, e ao longo da produção, o seu amadurecimento em uma pessoa que aceita a sua própria condição humana e falha, protegendo Lia e aceitando que não é possível fugir da própria dor, devendo aceitá-la.

    Com uma direção de fotografia e construção de clima exemplares, Abraço de Mãe prova como é possível fazer um cinema de terror no Brasil, o filme estreia dia 23 de Outubro na NETFLIX.

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  • CRÍTICA (FESTIVAL DO RIO) | Apesar do nome, Bruxas é um documentário muito humano

    CRÍTICA (FESTIVAL DO RIO) | Apesar do nome, Bruxas é um documentário muito humano

    Fazendo uso de material de arquivo, Bruxas constrói um retrato sobre maternidade a dor feminina pós parto.

    Bill Nichols, um dos maiores estudiosos do gênero documental, delimita o gênero em 6 tipos: Expositivo, Observativo, Participativo, Reflexivo, Poético e Performático. Bruxas, se encaixa em três destas categorias: ele é um documentário participativo, na medida que diversas mulheres, incluindo a diretora, prestam seus depoimentos sobre a dor e a agonia que sofreram após o parto; é um documentário reflexivo, ao usar imagens de arquivos de filmes diversos para construir uma linha de raciocínio que conduz toda a produção; e principalmente é um documentário poético ao agir como um estudo psicológico e um modo destas mulheres se abrirem de forma terapêutica.

    Bruxas é narrado por Elizabeth Sankey, diretora e participante do documentário. Logo em seu inicio, vemos diversas imagens de filmes clássicos do cinema que apresentam alguma forma de bruxaria, seja Macbeth, As Bruxas de Eastwick (1987), A Bruxa do Amor (2016), Jovens Bruxas (1996), entre outros.

    O principal paralelo realizado ocorre quando se é analisado o filme O Mágico de Oz (1939). Elizabeth diz que desde pequena, sempre quis ser uma bruxa, porém, uma boa como Glinda, nunca a Bruxa Má do Oeste, enfatizando a dualidade interna entre as duas personagens da produção.

    A partir deste exemplo, somos apresentados à capítulos dentro documentário, cada um tomando como inspiração um trecho ou alguma frase do Grimório das Bruxas. Em cada capítulo, entramos mais a fundo na dor e culpa que Elizabeth, e outras mulheres como Sophia Di Martino, a Sylvie da série Loki (2021-2023), sentiram e ainda sentem por estarem encabeçadas dentro de um papel de mãe que são obrigadas a seguir.

    Em uma parte da entrevista, Sophia diz que a culpa nunca vai embora, você tem o filho e depois disso somente sobra culpa. Seguindo esta lógica, o documentário segue uma linha semelhante com o que Clarissa Pinkola Éstes fez em seu livro Mulheres que Correm com Lobos, trazendo caminhos para que as mulheres se libertem de um regime social que as aprisiona, sendo a principal forma de isto ocorrer, é na forma de sororidade, afinal, muitas mulheres sofrem sozinhas por medo de não serem compreendidas.

    bruxas

    Elizabeth Sarkley, diretora e roteirista de “Bruxas”- Foto cedida pelo Festival do Rio

    Em Bruxas, Jessica discute o estigma de maternidade e a importância de se unir com o espectro de dor que ela carrega, se abrindo sobre como teve que ser internada em um hospital psiquiátrico após o nascimento de seu filho, porém, este acontecimento permitiu que ela conhecesse outras mulheres que sentem o mesmo, permitindo que ela se libertasse de parte deste sentimento, aceitando que este sentimento é algo normal a se sentir dentro de determinado contexto.

    Por meio de dados históricos como o julgamento das bruxas de Salem, quadros históricos e muitos arquivo de filmes. Acompanhamos estes depoimentos com dor no coração, porém, uma felicidade, pois, ao fim, é explorado novamente O Mágico de Oz (1939), desta vez a partir de uma nova visão: a importância de se aceitar o lado Bruxa Má do Oeste, pois, a partir dele, que a mulher consegue se encontrar, encontrar o seu coven, e se libertar de um sentimento social imposto inconscientemente na mulher há muitos anos, afinal, manter a personagem de bruxa boa por toda a vida, apesar de ser isso que se espera das mulheres, é inviável, trazendo culpa e ressentimento no processo.

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  • CRÍTICA (FESTIVAL DO RIO) | Continente é uma história de vampiro em sistema coronelista

    CRÍTICA (FESTIVAL DO RIO) | Continente é uma história de vampiro em sistema coronelista

    Dirigido por David Pretto, Continente usa o vampiro para analogia ao colonialismo

    Por grande parte de Continente, fazemos um paralelo com Bacurau (2019) de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles. As semelhanças incluem: um vilarejo afastado do mundo, com moradores que tomam um remédio, cuja pessoa que protegia, acabou de falecer, e assim, após esta morte, o vilarejo começa a sofrer as consequências da morte de seu protetor.

    As diferenças entre Bacurau e Continente se encerram aí, abrindo espaço para as diferenças, como: um homem branco, e estrangeiro, que falece ao invés de uma mulher negra, sua filha francesa que retorna ao povoado com o namorado, um senso de tensão constante que somente é explicado no meio do segundo ato em diante, e vampiros.

    Continente retrata a queda de um sistema de coronelismo, em um pequeno povoado, e a substituição necessária para evitar a ruína da região. Todos trabalhavam para o antigo patriarca, todos respondiam à ele, e em troca, a cada 15 dias, recebiam seu pagamento em forma de sangue, ou seja, o patriarca sugava o sangue do morador, e vice-versa, para assim, manter a paz dentro dentro do vilarejo.

    Continente

    Cena de “Continente”- Foto divulgada pelo Festival Do Rio

    Após sua morte, a cidade rapidamente inicia um processo de auto-destruição e violência, algo que não existia durante o domínio de seu coronel, assim, todos os moradores viram ovelhas sem pastor, sem saber o que fazer. Em uma cena, que relembra os zumbis de George A. Romero, muitas pessoas, sem vida no olhar, prestam respeito ao falecido patriarca, assim, lentamente todos entram na casa e tentam sugam o sangue do corpo sem vida.

    O vampiro é um dos seres fantásticos mais discutido dentro do cinema e da literatura, cada produção tenta reinventar sua mitologia secular, seja o vampiro que brilha na luz, o vampiro atormentado, a vampira vizinha de um menino, ou o vampiro dono de um hotel. No caso da produção de Davi Pretto, o vampiro age como o dono de uma fazenda que protege todo o povoado, após sua morte, uma nova pessoa deve assumir este papel, alguém que apresenta o mesmo sangue do antigo coronel.

    Do mesmo modo que A Herança, de João Cândido Zacharias, Continente segue uma estrutura básica de filmes de horror já estruturados e consagrados mundialmente. Seu principal ocorre no clichê do retorno para casa, neste caso, na forma de Amanda, filha do patriarca que viveu 15 anos na França. Ela é seduzida pelo lugar, mesmo com todas as indicações que algo está errado.

    Continente

    Ana Flavia Cavalcanti em cena de “Continente”- Foto divulgada pelo Festival Do Rio

    Amanda aceita o seu destino e se torna a nova provedora para o vilarejo. Em uma cena extremamente erótica, suga o sangue de cada um dos moradores do local, em ambos os praticantes do ato apresentam um êxtase catártico, não fugindo da conotação sexual tão presente na mitologia de vampiros.

    Desde antes de sua mais famosa interação em Drácula de Bram Stoker, o vampiro é um estrangeiro. Nem Amanda, nem seu pai antes dela, eram brasileiros, porém, são eles que dominam a região e controlam os moradores com punho de ferro, dentro de um um sistema claro de suserania e vassalagem. Continente é um filme chocante, subvertendo um ideal patriarcal em diversas cenas, desde ele ser substituído por uma mulher, até a personagem de Helô, uma mulher, médica e negra, que recusa este sistema de soberania, porém, cede ao perceber que não existe escapatória.

    A produção é lenta em sua maior parte, porém, ao entrar de cabeça no horror do vampiro, o filme prende como poucos conseguem fazer, misturando um hermetismo em alguns momentos, um realismo fantástico em outros como uma chuva de sangue, e cenas de violência extremamente gráficas em outros.

    Continente é uma excelente adesão ao gênero de horror nacional que se encontra em rápida ascensão, usando um mito secular e conhecido, para construir analogias ideais para o nosso país.

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  • CRÍTICA | Heartstopper amadurece e ensina como lidar com as adversidades em sua 3º Temporada

    CRÍTICA | Heartstopper amadurece e ensina como lidar com as adversidades em sua 3º Temporada

    Heartstopper se aproveita de todos os personagens estarem mais bem resolvidos consigo mesmos para conversar com o espectador sobre a importância da saúde mental.

    Depois de enfrentarem o medo do preconceito para com o amor que sentem um pelo outro, Nick e Charlie encontram novas adversidades para enfrentarem, já que namorar não resolve tudo, e cada um vai amadurecer a seu próprio modo de acordo com o que o outro estiver passando, percebendo que em alguns momentos a única tarefa que resta é mostrar que está ali pela pessoa, algo que demanda muita força.

    Como ficou claro só pela sinopse dessa terceira temporada de Hearstopper, os novos desafios encontrados pelo casal protagonista e sua turma não é daqueles que se vê habituado em assistir numa produção juvenil, principalmente uma que sempre manteve um tom mais leve, como se o mundo que se encontrasse fosse mais ideal do que aquele que estamos acostumados a ver. Contudo, a abordagem realizada aqui mostra que a criadora da obra que a série adapta, Alice Oseman, sabe sim em que mundo vive.

    Ao final da 2º temporada, Nick começou a notar que Charlie estava apresentando problemas alimentares, problemas que estavam relacionados ao seu estado mental, e esse assunto se agrava aqui. Terapia, clínicas para doenças e como ajudar alguém que se importe mas está numa situação difícil de entender, são assuntos que ganham força, sendo abordados com um tom mais melancólico e sério, um tratamento cuidadoso para não despertar gatilhos, mas também não passar despercebido como se fosse uma gripe da semana.

    Heartstopper | Netflix

    Heartstopper | Netflix

    O episódio “Jornada” entrega não só o melhor episódio da produção, como um dos melhores se tratando de abordar um tema sério com uma profundidade que dá inveja pras mídias que acabam passando dos limites ao retratar a dor ou se limitam à mensagens superficiais como se fosse algo fácil. A maturidade em falar sobre acontecimentos, e não mostrar, em falar que é um processo que pode ser para toda a vida e que algumas pessoas não melhoram esclarece que há um conhecimento por trás de quem aborda o problema.

    E o bom, é que mesmo após um momento de angústia e tristeza, a narrativa continua a trabalhar os anseios adentrando na parte interna de cada um daqueles adolescentes que se completam com os amigos ao redor, indo do professor para o próprio namorado. Os jovens tem problemas, e assim como não devem lidar com eles sozinhos, também não precisam carregar fardos que não lhes pertence. As adversidades ficam mais fáceis de serem combatidas com o apoio, até mesmo as mais banais como o medo do sexo.

    Ao trabalhar um assunto até então distante, já que a série sempre apresentou mais flores para com o seu universo, dando a sensação de que os personagens eram santos demais para falarem sobre as descobertas vindas na puberdade, Hearstopper encontra um modo de balancear a parte dramática com a parte divertida de estar na fase do colégio, que é se descobrir, descobrir aquilo que excita e agrada, tal como aquilo que não combina, ainda mais quando se trata do tempo que é dado para isso.

    Heartstopper | Netflix

    Heartstopper | Netflix

    Felizmente, a série consegue transmitir segurança e maturidade sobre os assuntos que aborda, quase educando aqueles que assistem, pois desde o começo fala sobre a sexualidade, a auto-descoberta, as relações tóxicas, como conversar sobre assuntos que os outros podem não entender, e agora, sobre como lidar com doenças mentais e os desejos carnais que surgem conforme cresça.

    A produção encontra um jeito respeitoso de se manter divertido, confortável, com episódios redondinhos apresentando problemas que são resolvidos neles mesmo, sem soar apressado ou superficial, e com a delicadeza necessária, entrega cenas introspectivas para mostrar uma forma de lidar com alguns problemas, dando tempo para os atores sentirem o que seus personagens pedem, muitas vezes tirando a trilha sonora para ganhar mais atenção daquele que assiste e num ritmo certeiro, aumentar uma música que vem com fluidez para entregar a emoção ideal que o momento anseia.

    A 3º Temporada de Hearstopper é a melhor da série até agora, ela aproveita o afeto que o espectador criou para com os personagens e te quebra com uma narrativa real o suficiente para te atingir e fazer se enxergar naquela situação, para aprender o básico que muitas pessoas não se permitem ter noção, de que a saúde mental é a coisa mais importante e delicada que alguém pode ter e precisa de um cuidado, uma atenção, acima de tudo, sejam problemas familiares ou escolares.

    Além de que, as pessoas com quem convive, conversa, que considera de coração, seja família ou não, farão o máximo para cuidar daquele que necessita. Mas é preciso que a pessoa com problemas permita esse auxílio, porque do contrário, pode acabar se afundando em um poço que ficará cada vez mais difícil de sair, podendo afastar e magoar aqueles que tanto ama e se importa. Então, se precisa de ajuda, busque. O mundo de certas pessoas não está preparado para viver sem você.

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  • CRÍTICA (FESTIVAL DO RIO) | Serra das Almas é um thriller catártico

    CRÍTICA (FESTIVAL DO RIO) | Serra das Almas é um thriller catártico

    Dirigido por Lírio Ferreira, Serra das Almas usa a violência e a tensão para construir um potente drama

    Serra das Almas se inicia com uma montagem paralela entre uma mulher nadando em um rio em extrema paz, e um grupo de pessoas gritando em uma vã, porém, com uma música tão alta que não se consegue distinguir o que dizem, somente conseguimos perceber que dois dos homens estão portando armas, uma mulher está ferida no banco do passageiro e um homem está morto no fundo.

    Com este começo inusitado, Serra das Almas me lembrou muito o cinema de Quentin Tarantino, sendo esta cena diretamente relacionada à Cães de Aluguel (1992), porém, as referências ao diretor norte americano não se encerram aí. O filme apresenta uma narrativa não linear, algo muito visto em Pulp Fiction (1995), se passa inteiramente em uma casa isolada, como em Os Oito Odiados (2015), personagens femininas fortes como em À Prova de Morte (2007), e apresenta diálogos potentes sobre objetivos de vida e ambições de seus personagens, marca registrada de toda sua filmografia.

    Lírio Ferreira se inspirou nestas referências consagradas do cinema para contar a história de um rapto de duas jornalistas que são presas na região de Serra das Almas, no Pernambuco. Impossibilitadas de escapar, vamos aprendendo aos poucos o que as levou a estar naquela situação, além de conhecermos mais profundamente seus captores.

    Serra das Almas

    Serra das Almas- Foto divulgada pelo festival do Rio

    Existe uma dualidade ao longo do filme, ao explorado pela atriz Julia Stockler, no debate ocorrido após a sessão realizada no Cine Odeon, no centro do Rio de Janeiro: os homens se matam, enquanto as mulheres, que não se conhecem, protegem umas as outras e criam uma relação por meio do ato de cuidar da companheira.

    Apesar da produção se arrastar muito ao longo do segundo ato, um momento que o ritmo fica mais devagar, com o objetivo de explorarmos melhor os desejos dos personagens, seja a filha do dono do jornal que está presa com a amante do pai, o captor que deseja ir para os EUA e ser senador, o outro captor que deseja ser um palhaço do caos e um personagem que começa inocente, mas, se torna a maior surpresa do filme.

    Em Serra das Almas, nenhum personagem é o que parece, este é o ponto forte do roteiro de Paulo Fontenelle, Audemir Leuzinger e Maria Clara Escobar. O que se inicia como uma história de rapto que poderia ser a mesma coisa que já vimos tantas vezes no cinema, se torna uma exploração sobre violência, liberdade, o modo como o nosso lugar de nascimento nos toma como refém e impede que façamos algo a mais, e uma ode à sororidade feminina.

    Serra das Almas

    Pally, Mari Oliveira e Julia Stockler em “Serra das Almas”- Foto divulgada pelo festival do Rio

    Na produção, Julia Stockler, Pally e Mari Oliveira, se tornam organicamente um trio que domina o filme, por meio da linha do tempo não cronológica, percebemos como a força violenta do machismo, tira o brilho destas mulheres e que somente quando elas se unem, se torna possível vencer.

    Serra das Almas faz um excelente trabalho com a trilha sonora, trazendo agonia por meio de um tinnitus que aparece constantemente, uma trilha sonora composta de um coro de vozes que se apresenta diferentemente ao longo do filme, e o próprio silêncio vindo do isolamento em uma casa na região da Serra das Almas.

    Ao final da produção, terminamos em êxtase, do mesmo modo que Bacurau (2019) de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, nos traz uma catarse por meio da violência, Serra das Almas apresenta um sentimento semelhante, em uma certa “justiça divina”, vindo na forma destas mulheres que sofreram durante o filme todo e finalmente conseguiram se libertar.

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  • CRÍTICA (FESTIVAL DO RIO) | O Homem que Amava Discos Voadores: o sucesso por mentiras

    CRÍTICA (FESTIVAL DO RIO) | O Homem que Amava Discos Voadores: o sucesso por mentiras

    Dirigido por Diego Lerman, O Homem que Amava Discos Voadores discute jornalismo por meio de

    O Homem que Amava Discos Voadores conta a história de José, um jornalista que descobre o caminho para o sucesso ao se tornar responsável pela cobertura de uma suposta presença extraterrestre, em um vilarejo na Argentina.

    Aproveitando a oportunidade, José orquestra a reportagem de tal maneira que transforma a reportagem jornalística em uma produção ficcional, com direito a pintar cabelo de crianças e construção de cavernas cenográficas.

    Do mesmo modo que o fidalgo de La Mancha escrito por Miguel de Cervantes, em O Homem que Amava Discos Voadores, José cria toda uma história na sua cabeça, enquanto sempre seguido por sua voz da razão na forma de seu câmera: Pancho. Não ironicamente, muda-se somente uma letra e vira o nome do acompanhante de Dom Quixote.

    José é um personagem que, como toda a humanidade, sonha em ser mais. Supersticioso, divorciado, com uma filha adolescente e muito carisma, ele é uma construção absurda perfeita, um homem que convence uma cidade inteira a se unir em pró de uma possível presença extraterrestre. Um dos melhores momentos de sua produção se encontra em seus créditos finais, aonde percebemos que todos os absurdos do filme, enxergados como ficcionais, na verdade foram reais e ocorreram na Argentina durante a década de 80.

    O Homem que Amava Discos Voadores

    Mónica Ayos e Leo Sbaraglia em O Homem que Amava Discos Voadores- Cr. Cleo Bouza / Netflix ©2024

    Billy Wilder construiu com o seu A Montanha dos 7 Abutres, um filme que discute o jornalismo sensacionalista e a busca por notícias chocantes para aumentar a audiência do jornal. Em O Homem que Amava Discos Voadores, Diego Lerman constrói algo semelhante, porém, de uma forma bem mais humorística, permitindo um enfoque maior no programa de variedades e talk shows, satirizando a construção de imagens que a televisão constrói com o objetivo de enganar o público, como um programa de entrevistas que se passa em uma banheira sem água.

    O Homem que Amava Discos Voadores é uma produção de entretenimento, dentro de um serviço de streaming que cada vez mais está indo para novas direções, com resultados diversos, que é a NETFLIX. Mas enquanto assistia o filme em uma sala com menos de 30 pessoas, percebi que é muito mais interessante assistir este filme do que outras produções norte-americanas da plataforma que acabam caindo na mesma história de sempre, focando em grandes nomes e deixando o roteiro de lado, algo que esta produção argentina não faz, focando em um roteiro simples e cômico, para demonstrar os absurdos da televisão de entretenimento.

    O Homem que Amava Discos Voadores estreia dia 18 de Outubro na plataforma da NETFLIX.

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  • CRÍTICA (FESTIVAL RIO) | A Vilã das Nove é tudo que um bom filme deve ser

    CRÍTICA (FESTIVAL RIO) | A Vilã das Nove é tudo que um bom filme deve ser

    Dirigido por Teodoro Poppovic, A Vilã das Nove mistura comédia, drama e metalinguagem em uma produção surpreendente.

    Na metade de A Vilã das Nove eu percebi que estava com um sorriso de ponta a ponta, eu não estava com muitas expectativas, porém, desde seu inicio, percebe-se algo grandioso. A produção conta a história de Roberta, uma mãe recém-separada que se descobre a principal inspiração para a vilã da novela das nove.

    O nome da produção já transmite o tom almejado, na medida que a novela brasileira ainda apresenta picos enormes de audiência, e faz sucesso internacional, uma produção com o nome de A Vilã das Nove, por conta de nosso inconsciente coletivo de brasileiro, já é um nome que atrai público.

    A Vilã das Nove discute uma metalinguagem em seu processo, mostrando os bastidores desde a construção narrativa, até os problemas que podem surgir durante os sets de filmagem. O diretor Teodoro Poppovic se inspirou em produções que discutem o próprio cinema como Sunset Boulevard (1950) de Billy Wilder e Barton Fink (1991) dos Irmãos Coen, trazendo uma mistura de gêneros para a produção que variam do drama à comédia.

    A maior força de A Vilã das Nove se mostra em seu trio de mulheres protagonistas. Karine Teles, Camila Márdila e Alice Wegmann, apresentam personagens distintas entre si, seja de idade ou de construção psicológica, porém, todas apresentam uma aura, conseguindo roubar o holofote para si, porém, nunca privando as demais de seu momento de glória.

    A Vilã das Nove

    Cena de “A Vilã das Nove”- Foto divulgada pelo Festival do Rio

    O elenco de A Vilã das Nove como um todo é cheio de surpresas, com destaque para Antônio Pitanga por uma das cenas mais engraçadas de toda a produção. Tudo sendo conduzido por um roteiro coeso que sabe muito bem aonde quer chegar e como pretende alcançar, auxiliado por uma fotografia simples, mas, eficiente, e uma direção de arte bem feita que aprecia muito uma dicotomia de branco e vermelho, presente algumas vezes em interações diversas.

    Para fechar com chave de ouro, A Vilã das Nove produz uma potente história sobre maternidade e a importância de se redimir com o passado, trazendo momentos leves que acrescentam aos momentos mais dramáticos, principalmente na relação entre Roberta, Karine Teles, e Débora, Alice Wegmann, que conseguem prender o espectador do mesmo modo que toda boa novela.

    Antes de seu lançamento nacional no dia 31 de Outubro, A Vilã das Nove terá mais uma sessão no Festival do Rio e seguirá em seguida para a mostra de cinema de SP.

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  • CRÍTICA (FESTIVAL DO RIO) | Todo mundo ama Touda se arrasta em uma trama circular

    CRÍTICA (FESTIVAL DO RIO) | Todo mundo ama Touda se arrasta em uma trama circular

    Dirigido por Nabil Ayouch, Todo mundo ama Touda é lindo, mas, repetitivo após sua primeira hora

    Todo mundo ama Touda inicia com um letreiro explicando o que é uma Sheika: uma categoria de mulheres que usa o canto e a dança como forma de libertação, principalmente por conta da Aita, a epítome da poesia musicada, que transforma tanto quem escuta, quanto quem canta.

    Touda tem o sonho de ser uma Sheika, para se estabelecer em Casablanca e conseguir um futuro melhor para si e para seu filho surdo. A ironia clara da Sheika apresentar um filho surdo, é mostrada por meio do apreço que a mãe tem por ele. Touda daria a vida se isso significasse um futuro melhor para sua criança, assim, ela se submete a cada vez mais absurdos, sempre com ele em mente.

    Na medida que a produção se passa dentro na sociedade marroquina, um local extremamente machista, acompanhamos desde a primeira cena o tom que se dará no resto do filme: Touda canta lindamente, Touda é vista como objeto sexual, e sofre as consequências por ser uma mulher independente e livre, em uma sociedade dominada por homens.

    Todo Mundo Ama Touda

    Nisrin Erradi em “Todo Mundo Ama Touda” – Foto divulgada pelo Festival do Rio.

    Todo mundo ama Touda nos apresenta duas Toudas. A primeira é a mãe caridosa, melancólica e atenciosa, enquanto a segunda se liberta durante as suas performances, Nisrin Erradi cativa à todos durante cada uma de suas perfomances, cantando de modo que sempre traz uma tristeza por trás.

    Ao longo de Todo mundo ama Touda, perdi a conta de quantas vezes sua protagonista é vista erroneamente como uma prostituta, seja pelo seu chefe ou pelos homens para quem canta. Apesar desta discussão ser importante, principalmente na atualidade, ocorre um desgaste após a primeira uma hora, sempre repetindo a mesma primeira cena, sem acrescentar nada de novo e somente mais dor para sua protagonista.

    Uma mudança ocorre quando Touda se muda para Casablanca, lá ela conhece um violinista que se torna um mentor para sua jornada e indiretamente permite que ela finalmente se liberte deste ciclo. Em uma performance final, acompanhada por um longo plano sequência, vemos a última performance de Touda, porém, enquanto os homens continuam agindo do mesmo modo que sempre, Touda aceita que não merece mais isso, e desiste de terminar o seu canto. A câmera a segue e o filme se encerra com um sorriso misturado de lágrimas, em um final agridoce.

    Apesar do final impactante de Todo mundo Ama Touda, não consigo relevar o fato que assistimos por uma hora e 40 o mesmo ciclo de ação e reação, e que cansa a audiência a ponto de uma pessoa na sala de cinema roncar alto durante a produção.

    A maior falha de Todo mundo ama Touda não é a direção de fotografia, não é a direção de arte que apresenta vestidos cada vez mais lindos e não é o roteiro, pois a história de Touda é eficiente e muito forte. Seu maior problema é o ritmo cansativo, ao enfatizar tantas vezes seu ciclo de sofrência, a produção perde forças, justamente por termos visto a mesma situação anteriormente.

    Todo mundo ama Touda é o representante oficial de Marrocos para a pré seleção do Oscar de melhor filme internacional do ano de 2025, tentando uma vaga juntamente com A Garota da Agulha e Matem o Jóquei.

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  • CRÍTICA (FESTIVAL DO RIO) | Retrato de um Certo Oriente demonstra a harmonia na Amazônia

    CRÍTICA (FESTIVAL DO RIO) | Retrato de um Certo Oriente demonstra a harmonia na Amazônia

    Dirigido por Marcelo Gomes, Retrato de um Certo Oriente usa dois irmãos libaneses para discutir sobre memória, imigração e sincretismo religioso

    Baseado no livro de Milton Hatoum, escolhido por Marcelo Gomes por ser inadaptável, Retrato de um Certo Oriente, conta a história de Emilie e Emir, dois católicos, que fogem do Líbano após o assassinato dos pais. Ambos embarcam em uma jornada de navio em direção ao Brasil, enquanto Emir descobre o amor pela fotografia, Emilie se apaixona por um Árabe muçulmano, trazendo a ira de seu irmão.

    A discussão principal de Retrato de um Certo Oriente é a possibilidade de convivência pacífica entre os povos, não por coincidência, a equipe presente no Cine Odeon, antes e depois da apresentação do filme, soltaram gritos legítimos de “Palestina Livre”. Dentro da produção, um árabe que ora para Allah tem um relacionamento com uma católica libanesa, que tem o irmão salvo graças à medicina tradicional indígena.

    O filme apresenta um sentimento melancólico, estamos na viagem junto com Emilie e Emir e sentimos a força da floresta amazônica junto com eles, por conta de pessoas da cidade não apresentarem um contato profundo com estas raizes, ficamos tão maravilhados quanto, e a fotografia nos auxilia dentro deste processo.

    A produção é lenta, porém, visualmente estonteante. A Amazônia é tratada como algo imenso e surreal, todos os personagens são pequenos perto dela, inclusive o espectador. A decupagem auxiliada por uma fotografia em preto e branco, segundo Marcelo Gomes uma escolha exigida por sua protagonista, transmite um sentimento de grandiosidade dentro de uma estética que remete aos primórdios do cinema, não por acidente que o diretor de fotografia Pierre de Kerchove, cita Limite de Mario Peixoto como uma grande referência.

    Retrato de um Certo Oriente

    Cena do filme “Retrato de um certo Oriente”- Foto Divulgada pelo Festival do Rio

    Com o protagonismo do filme sendo direcionado para Emilie, Emir é pouco explorado ao longo de Retrato de um Certo Oriente, sendo rebaixado a um irmão raivoso da irmã e desaparecendo por grande parte do segundo ato, porém, sua importância é fundamental por conta do apreço que ele encontra em fotografias.

    O único momento da produção em que existe alguma cor, é no momento de revelação destas fotos, quando os personagens são iluminados por uma luz vermelha e divina, apresentando uma segunda discussão fundamental: a fotografia e o modo como ela é usada para captar memórias.

    Marcelo Gomes mudou o nome original do livro de Hatoum de Relato de um Certo Oriente, para Retrato de um Certo Oriente, enfatizando a força da fotografia e o modo com o qual ela traz redenção, por meio de uma aceitação das memórias do passado, e um olhar de esperança para o futuro, mesmo com a saída de um lar destruído, no caso de seus personagens a Líbia, é possível construir novas memórias e relações em outros lugares.

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