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  • Crítica | Sonic – O Filme

    Crítica | Sonic – O Filme

    Baseado na clássica franquia de jogos da SEGA, o filme produzido pela Paramount traz o personagem do universo dos games, Sonic, em um live-action surpreendente. Dirigido por Jeff Fowler e estrelado por nomes como Jim Carrey e James Marsden, o longa chega aos cinemas mundiais sob muitas expectativas e muitas dúvidas.

    Em “Sonic – O Filme” somos apresentados à história de origem do ouriço azul mais famoso do mundo. Nascido com poderes incríveis e perseguido desde criança por isso, Sonic (Ben Schwartz, no original, e Manolo Rey, em português) é obrigado a deixar sua terra natal e a viver escondido e em constante alerta por diversos mundos. Estabelecido na Terra, ele vive em completa solidão em uma cidade pequena dos Estados Unidos, Green Hills. Após um incidente envolvendo seus poderes, a presença de Sonic no planeta é detectada e ele precisará da ajuda de Tom Wachowski (James Masden), um novo conhecido, para fugir e para sobreviver dos mais diversos perigos que o esperam, incluindo a perseguição incansável do vilanesco Dr. Robotnik (Jim Carrey).

    Sonic
    Sonic – O Filme / Paramount Brasil

    A temporada de divulgação do filme em 2019 foi o suficiente para atrair a atenção dos mais variados espectadores para o lançamento do longa. Por toda confusão gerada no ano passado quando o design visual da primeira versão do ouriço azul foi revelado, os produtores de “Sonic” tiveram a difícil missão de remodelar o personagem, depois de o filme pronto, e de entregar aos fãs uma versão mais fiel e semelhante ao alien de olhos grandes e tênis vermelhos que, lançado pela Sega em 1991, tornou-se uma espécie de Mario Bros ou Pac-Man da época e um dos personagens mais famosos do milênio. Apesar de nunca ser tarde para ajustar ou melhorar um filme, “Sonic” ficou marcado desde antes de seu lançamento, principalmente por seus fãs mais fiéis, e criou uma grande dúvida quanto ao que o filme poderia vir a ser.

    O resultado, contudo, não é, nem de longe, o fracasso imaginado pelos mais pessimistas ou pelos mais apreensivos. Pelo contrário, “Sonic” parece ter saído diretamente do videogame para o nosso mundo e nos convida para um passeio nostálgico pelos anos 90. Seja no começo, quando o logo da produtora de jogos aparece, ou seja quando um vislumbre do videogame original é mostrado em tela. O visual da produção é bastante satisfatório e cumpre o papel na adaptação com um grande serviço para os mais aficionados pela criatura.

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    Sonic – O Filme / Paramount Brasil

    A tentativa de encaixe da mitologia dos games com o nosso mundo é, por grandes precedentes, complicada. Os erros e as críticas às adaptações previamente produzidas são incontáveis e “Sonic” tenta fugir do mesmo e tornar-se mais agradável. O carinho com o qual a obra é tratada é evidente e, por isso, o acerto com a mesma é bem mais palpável. A utilização de elementos clássicos do personagem e o cuidado com a fidelidade de seu universo dão crédito à produção. Green Hills Zone, dos games, torna-se a pacata cidade americana e palco do desenvolvimento dos protagonistas, os clássicos anéis dourados carregados por Sonic, seu modo de fuga e de transporte para outros mundos, e Dr. Robotnik, o mesmo clássico e irreparável vilão.

    Jim Carrey entra aqui, em um parágrafo unicamente dedicado a ele. Excêntrico gênio da ciência e da tecnologia, o antagonista do filme carrega trejeitos realmente dignos dos anos 90 e contribui imensamente para o tom criado pelo longa. Olhos esvoaçantes, bigode “móvel”, complexo de superioridade e movimentos completamente exagerados que se comparam a danças performáticas em diversos momentos do filme são apenas algumas características do personagem brilhantemente interpretado pelo inesquecível ator. Ágil e quase como um “Ace Ventura”, Dr. Robotnik é envolvente e tem seu próprio lugar no filme, sem roubar a cena ou o brilho dos outros personagens e abrindo espaço para a real desenvoltura dos outros em cena, como Sonic e seu amigo Tom Wachowski.

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    Sonic – O Filme / Paramount Brasil

    Posicionando-se como um entretenimento despreocupado e sem ambições muito altas, “Sonic”, mesmo com um roteiro genérico que se atém a fórmulas prontas e com alguns furos, pode ser considerado um acerto. Divertido e inofensivo, a produção do filme une narrativa para crianças e adultos e tenta oferecer algo mais inclusivo. Jovens são apresentados à criatura clássica da Sega e adultos experienciam nostalgia por um game do milênio passado. O novo e o saudosista se unem em uma mesma sala de cinema e o resultado é surpreendente.

    Simples, ágil e seguro, “Sonic – O Filme” não passa nem perto do horror esperado quando o primeiro trailer foi liberado.  Tratando-se de uma adaptação de game para o cinema, a qualidade apresentada é diferente e superior quando comparada a outras produções e pode ser considerada uma das melhores do gênero.

    Nota: 4/5

    Assista ao trailer:

  • Crítica | Jojo Rabbit

    Crítica | Jojo Rabbit

    Indicado ao Oscar em 6 categorias, incluindo a de Melhor Filme, Jojo Rabbit, de Taika Waititi, é anunciado como uma “sátira anti-ódio”, especialmente pelo fato de ser uma comédia sobre Adolf Hitler e sobre o nazismo, e traz em seu elenco nomes como Scarlett Johansson, Sam Rockwell e Rebel Wilson.

    Adaptado livremente do romance “Caging Skies”, de Christine Leunens, “Jojo Rabbit” se passa na Alemanha durante a Segunda Guerra Mundial e segue um jovem nazista alienado e solitário que tem Adolf Hitler (Taika Waititi) como um amigo próximo em sua imaginação. Com o sonho de participar da Juventude Hitlerista, grupo pró-nazista de crianças e adolescentes, e de lutar por seu exército, Jojo (Roman Griffin Davis), protagonista do longa que dá nome ao filme, assiste sua visão de mundo ficar de cabeça para baixo ao descobrir que sua mãe (Scarlett Johansson) está escondendo uma judia (Thomasin Mckenzie) em sua casa. Tendo que enfrentar seu nacionalismo cego e um grande dilema envolvendo toda a situação e sua lealdade, Jojo consegue contar apenas com seu amigo imaginário enquanto vê a guerra se desenrolar e as consequências da mesma acontecerem.

    Jojo Rabbit
    Jojo Rabbit / 20th Century Studios Brasil

    Telespectadores familiarizados com a carreira de Taika Waititi e que acompanharam seu modo de contar histórias em filmes como “O que Fazemos nas Sombras” (2014), “Fuga para a Liberdade” (2016) e “Thor: Ragnarok” (2017) – todos com uma clara e ácida verve cômica -, com certeza se interessarão pelo que o diretor irá fazer agora com o seu recente “Jojo Rabbit”. Uma comédia realmente engraçada sobre nazistas? Com certeza. Contudo, o filme é também muito sério. Utilizando sua origem Judaica e Maori, Waititi constrói uma comédia para debochar e zombar do nazismo e performa um Hitler intencionalmente patético. Uma grande e bela ironia como pano de fundo para o objetivo do longa de demonstrar, em meio a risadas, os absurdos do período e os perigos que nacionalismos cegos e líderes extremistas e preconceituosos podem fazer aos povos.

    A proposta do filme é ousada e, à primeira vista, pode soar até um pouco insensível para certas pessoas. Contudo, esse é a finalidade primordial da produção de Taika Waititi: levar tudo ao extremo e satirizar aqueles acontecimentos de tal forma que é evidenciada a crítica por detrás do cômico. A utilização de um protagonista de 10 anos de idade que é um grande defensor do nazismo e de tudo o que o envolve, a inclusão de Adolf Hitler na trama como um amigo imaginário de Jojo e a caracterização de Taika Waititi como o ditador alemão. Tudo é cautelosamente construído para beirar o estúpido e o idiota, e consegue. Hitler é completamente ridicularizado, assim como o Partido Nazista e todas as suas práticas. Até o cumprimento “Heil Hitler” vira chacota e rende boas risadas. O filme tem um objetivo claro e o alcança de maneira espetacular. Tudo na Alemanha nazista vira piada e sinônimo de um grande deboche.

    Jojo é o caminho para todo o planejamento de Taika Waititi para o filme. A visão de mundo do jovem garoto e a maneira que ele enxerga o regime alemão e se porta frente a tudo é imprescindível para a narrativa que se deseja contar. O personagem interpretado de forma maravilhosa por Roman Griffin Davis é o retrato do nazismo alemão e, após receber seu apelido de Jojo Rabbit ao se recusar a quebrar o pescoço de um coelho no acampamento da Juventude Hitlerista, tem um desenvolvimento bastante profundo a partir do momento que tem contato com a judia abrigada por sua mãe. A interação entre os dois faz o filme fluir e a química e a dinâmica entre Roman e Thomasin são responsáveis por grandes momentos dramáticos do filme e contribuem para a história de amadurecimento em meio a um dos maiores horrores que a humanidade já enfrentou.

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    Jojo Rabbit / 20th Century Studios Brasil

    O texto de Taika Waititi explicita a lavagem cerebral nos jovens, o modo absurdo como os judeus eram retratados, a hipocrisia do governo nazista e toda a violência do período em questão, utilizando, para isso, uma narrativa engraçada e um tom mais leve. A sátira, no entanto, não esconde em momento algum a grande crítica realizada pelo diretor e intérprete de Hitler. “Jojo Rabbit” é inteligente, humorado e, ao contrário do que possa parecer, enfatiza todos os horrores históricos, e não os diminui. O filme é um grande acerto e, ao discutir sobre um tema sério como o nazismo em uma comédia, torna-se uma produção que ficará marcada na história cinematográfica por sua narrativa diferente da usual e por todas as reflexões acerca do tema que provocará.

    Nota: 5/5

    Assista ao trailer:

  • Crítica | Don’t Fuck With Cats  – mais um ótimo documentário

    Crítica | Don’t Fuck With Cats – mais um ótimo documentário

    Don’t Fuck With Cats é um documentário criminal da Netflix lançado em 2019 e está entre os melhores do gênero disponíveis no serviço de Streaming. São três episódios de aproximadamente 60 minutos em média que mostram diversos pontos de vista de um mesmo crime. Uma daquelas séries para assistir em um dia.

    Ao contrário de outras produções do gênero, muito comuns em canais por assinatura, o documentário segue o padrão de produções da Netflix e tenta não cair em sensacionalismo barato, ou apelação emocional – tenta, mas nem sempre consegue, falaremos mais disso.

    Desenvolvido para ser muito mais do que um relato sobre alguns crimes, Don’t Fuck With Cats faz o público passear pela narrativa, brincando com a expectativa das pessoas e até gerando diversas dúvidas.

    Vamos ver quais são os acertos.

    Uma nota antes de começar a crítica: como esse documentário fala de crimes reais eu vou tentar ao máximo não dar spoilers, o que pode tornar alguns trechos “etéreos” demais. De todo modo, prometo fazer o máximo para que você absorva bem a crítica.

    Os méritos de Don’t Fuck With Cats

    A premissa básica consiste em: uma pessoa postou vídeos na internet mostrando gatos sendo torturados e mortos, diversas pessoas se revoltaram contra os vídeos e iniciaram uma caçada na tentativa de descobrir quem foi o responsável pelas mortes e vingar os gatos.

    O primeiro episódio serve para assentar essa perspectiva de que: existe uma pessoa sem escrúpulos usando a internet para espalhar conteúdo terrível e há um grupo de pessoas absurdamente dedicadas na captura desse indivíduo.

    Esse primeiro episódio fala muito pouco da participação policial (ou se sequer existe uma) e também não contextualiza a vida das pessoas que estavam investigando o responsável pelo vídeo. Não é uma história sobre personagens específicos caçando um homem, é uma história sobre usuários da internet caçando um psicopata (e o documentário até utiliza bastante os “nicknames” dos usuários).

    Apesar de que a história depois será centrada em dois “caçadores” oficiais e a vida dessas pessoas é mostrada por alto, não se trata de um embate entre personalidades. São duas “encarnações” da sociedade “comum” buscando vingança contra uma pessoa degenerada que intoxica a internet.

    Percebe a diferença? Ao não humanizar tanto os “caçadores” o documentário coloca o público como central. Fica-se a impressão de que qualquer um seria capaz de ter o ímpeto que eles tiveram, se as notas certas de revolta fossem tocadas no espírito de quem assiste aos vídeos de tortura.

    Mas o principal acerto desse primeiro episódio, para mim, está na construção na narrativa que se desdobrará nos seguintes. É uma história sobre as causas que fizeram o homem publicar um vídeo assassinando gatos, não apenas sobre a psicopatia pura e simples

    O documentário não defende uma maldade inerente, ele explora motivações

    Eu gosto disso, gosto da forma como a história foi construída ao redor de uma pessoa que, se atingida por certo nível de egoísmo, vem a tornar-se um degenerado assassino de gastos. A trama se desenrola e novos personagens vão surgindo na proporção em que mais vídeos são postados e as ações tanto do perseguido, quanto dos perseguidores, vão tomando novas dimensões.

    Don't Fuck With Cats

    Onde Don’t Fuck With Cats falha

    A forma como a história foi roteirizada conta uma trama perfeita sobre egoísmo, idolatria, desejo por fama, repulsa por certas características e comoção coletiva em busca de um mesmo objetivo. Estava tudo ali, mas o documentário também tentou encapsular todas essas questões em uma crítica ao uso da tecnologia.

    Assim como Black Mirror e também como um (muito menos famoso) Wrinkles the Clown – entre tantos outros – virou lugar comum questionar qual é o papel da tecnologia e principalmente das redes sociais no nosso comportamento e sobre como nossos hábitos de consumo são transferidos para essas redes.

    É a visão de que nós passamos o dia agindo online como se a internet fosse um grande mercado e nós estivéssemos escolhendo produtos nas prateleiras. Essa é, ao menos, a crítica que pode ser conseguida em Don’t Fuck With Cats.

    Mas o documentário não é sutil o bastante em suas observações e algumas frases foram usadas de propósito para “causarem choque.”

    Acontece que quando uma ideia do tipo surge e o público percebe que aquela cena específica deveria causar arrepios, mas não causa, o que funciona com um efeito contrário. Tirando força do filme.

    É como ver o zíper na fantasia do mostro do parque. Você até se esforça para sentir medo dele, mas não consegue mais voltar para dentro da história. A narrativa perde você.

    Entende o que eu quero dizer? A crítica está lá e ela seria interessantíssima, se os produtores e responsáveis conseguissem incrementar no todo. Do jeito que eles fizeram, com frases feitas dignas de fotografias de Instagram, não dá para absorver muito bem e em alguns momentos essas críticas são até enjoativas.

    Ok, eu já entendi, precisamos ter consciência sobre o que nós estamos assistindo e quem nós estamos deixando famosos na internet. Dá para ir além disso?

    De todo modo, Don’t Fuck With Cats vale o investimento de 3 horas. Serão três episódios que passarão rapidinho e se você não pesquisar sobre os crimes nem sobre o responsável por eles terá uma experiência interessantíssima e até algumas surpresas.

    Nota 3 de 5, não é maravilhoso, mas acho que, dentro do gênero, ele encontra um lugar de destaque.

  • Crítica | Judy – Muito Além Do Arco-Íris

    Crítica | Judy – Muito Além Do Arco-Íris

    Adaptado da peça “End of the Rainbow”, de Peter Quilter, e dirigido por Rupert Goold, o drama musical traz a deslumbrante Renée Zellweger como a lendária atriz e cantora Judy Garland na atuação de uma vida.

    Em “Judy – Muito Além do Arco-Íris”, é o inverno de 1968 e a lenda do showbiz, Judy Garland, com sua carreira em baixa, chega a Londres para uma turnê esgotada de cinco semanas no The Talk of the Town. Faz 30 anos que ela chegou ao estrelato global em O Mágico de Oz. Contudo, se sua voz enfraqueceu, sua intensidade dramática só aumentou. Enquanto ela se prepara para os shows, Judy batalha com a gerência, encanta músicos e relembra com amigos e fãs sua inteligência e seu calor, enquanto enfrenta sua solidão e seus conhecidos problemas com o álcool e com os remédios. Compensando tudo o que deu errado em sua vida pessoal e apresentando algumas de suas canções mais conhecidas, o filme celebra a voz, a vitalidade e o glamour de uma das maiores artistas do mundo.

    Judy
    Judy – Muito Além do Arco-Íris / Paris Filmes

    Nos últimos anos, o afastamento de Renée Zellweger da vida pública, consequência das grandes transformações físicas que a atriz enfrentou e do preconceito que sofreu, torna surpreendente, porém, certeira, a escolha do papel. Encarnando realmente a mítica atriz de “O Mágico de Oz” devido a uma certa personificação da decadência que as duas viveram, a adaptação para as telas dos últimos meses de vida de Judy Garland começou com um grandioso acerto de Rupert Goold. A catarse de Renée com Judy é o que faz a engrenagem fílmica funcionar perfeitamente, de modo que as duas coexistem de forma simbiótica e a experiência do espectador com a obra assistida é única, de maneira que esquecemos que quem realmente aparece em tela não é a própria Judy Garland – fato que rendeu o Globo de Ouro e uma indicação ao Oscar para a atriz.

    “Demorou um tempo e às vezes o processo se complicava, mas quanto mais me afastavam de mim mesma, melhor ficavam as coisas. Não se tratava de imitar, mas de encontrar sua essência. Todos nós temos uma conexão especial com Over the Rainbow, um tema nostálgico que nos leva de volta à infância. A presença de Judy é lembrada de geração em geração porque ela é alguém com quem podemos nos identificar, sentir sua incompreensão, sua vulnerabilidade.” – Renée Zellweger.

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    Judy – Muito Além do Arco-Íris / Paris Filmes

    Retratando os últimos meses de vida de Judy Garland, o filme aborda diversos problemas pessoais da atriz, aprofundando-se em sua vida e em tudo o que aconteceu para que ela, naquele momento, estivesse de pé num palco de Londres tentando fazer o possível para ela e para os seus filhos. Dessa forma, por meio de flashbacks, somos transportados para a infância da atriz e para todos os problemas e abusos sofridos por ela durante o início de sua carreira e durante a produção do clássico “O Mágico de Oz”. O plano de fundo do longa é bem definido e sentimos a dor de Judy e entendemos as raízes de tudo pelo que ela passou em sua vida. A produção é tocante e emocionante, e Renée dá um toque especial em tudo o que é visto.

    “Judy” é um grande acontecimento. Com todas as suas características exuberantes e admiráveis, e com roteiro e direção que trabalham em prol da melhor caracterização e performance da lendária atriz, o filme é maravilhoso e toma seu lugar na prateleira das melhores cinebiografias já produzidas. Enquanto isso, Renée caminha a passos largos para a sua estatueta do Oscar e para o seu lugar na história ao interpretar a incrível Judy Garland em um relato comovente e cativante.

    Nota: 5/5

    Assista ao trailer:

  • Crítica | A Possessão De Mary

    Crítica | A Possessão De Mary

    “Mary”, nome original do longa de terror sobrenatural dirigido por Michael Goi, escrito por Anthony Jaswinski e estrelado pelo vencedor do Oscar Gary Oldman, chega aos cinemas no começo de 2020 e já pode brigar pelo posto de pior filme do ano.

    A Possessão de Mary” nos apresenta David (Gary Oldman), um capitão de colarinho azul que luta para melhorar a vida de sua família. Estranhamente atraído por um navio abandonado que está em leilão, David impulsivamente compra o barco, acreditando que será o bilhete de sua família para a felicidade e para a prosperidade. Porém, logo depois que eles embarcam em sua jornada inaugural, eventos estranhos e assustadores começam a aterrorizar David e sua família, fazendo com que se voltem um contra o outro, duvidem de sua própria sanidade e testemunhem a presença de um espírito maligno.

    A Possessão de Mary
    A Possessão de Mary / Paris Filmes

    A premissa inicial do longa norte-americano é interessante ao revisitar um tema pouco explorado no cinema: navios assombrados. A mudança de ares com relação à massividade de produções de terror que tomam lugar em casas ou mansões é, inicialmente, boa, de modo que o espectador até se interesse pelo que irá ver no decorrer do filme. Esse interesse, contudo, dura apenas alguns minutos, e a produção, que tenta se desvencilhar do comum e apresentar algum diferencial, falha em todas as suas tentativas e se torna nada mais, nada menos do que ruim. Os problemas do longa são inúmeros e assistir ao filme até o final torna-se uma missão difícil e tediosa.

    O roteiro de Anthony Jaswinski (“Águas Rasas”) é preguiçoso e, após uma tentativa extremamente rápida de tentar ser, no mínimo, medíocre, escolhe explorar cada clichê do gênero, fazendo com que o longa não tenha personalidade e, por vezes, não tenha muito sentido. A falta de inspiração na construção do filme é nítida e o espectador, em decorrência disso, é constantemente apresentado a subtramas que parecem ser esquecidas no decorrer da produção, a situações desnecessárias que não interferem em nada na obra como um todo e, finalmente, a uma história que não apresenta impacto algum.

    “A Possessão de Mary” tenta se agarrar a qualquer coisa para evitar que naufrague, e não consegue. Nessa ocasião, a utilização recorrente de jumpscares é sofrível. A atmosfera de terror e suspense é praticamente inexistente e, assim, a produção optou pelo modo preguiçoso de assustar os espectadores e tentar transmitir o mínimo de emoção possível. As mudanças abruptas de imagens, juntamente com a repentina aparição de personagens e o uso de sons altos e assustadores definem o filme e, mesmo assim, não funcionam. A previsibilidade de tudo o que acontece é enorme e, assim, infelizmente, o público vive uma eterna quebra de expectativa.

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    A Possessão de Mary / Paris Filmes

    “Mary” não tem muitos pontos positivos. O roteiro raso, a construção preguiçosa e praticamente tudo o que existe sobre a produção o tornam um filme simplesmente ruim. E isso se estende para todo o seu elenco. Apesar da presença do incrível Gary Oldman, sua performance é extremamente contida e não agrega valor algum, assim como o personagem que ele interpreta, absolutamente comum e previsível. Emily Mortimer, que faz o par romântico (ou nem tão romântico) do ator, também é um grande problema. Uma atuação forçada e caricata, que tenta encarnar o espírito de uma Final Girl dos filmes de terror, a transforma em uma piada forçada. Nada parece se encaixar e ninguém consegue extrair algo minimamente bom de nenhuma das esferas da produção.

    “A Possessão de Mary” não funciona. Distante de qualquer possibilidade de obter sucesso, o filme encarna a maldição da embarcação protagonista e demonstra que, desde o início, tudo está fadado ao fracasso.

    Nota: 1/5

    Assista ao trailer:

  • Crítica | O Escândalo

    Crítica | O Escândalo

    “O Escândalo” é uma impactante produção que traz às telas a história real da devastadora questão de assédio sexual ocorrido na Fox News. Estrelado por Charlize Theron, Nicole Kidman e Margot Robbie, o longa chega aos cinemas trazendo consigo uma trama complexa e chocante sobre o machismo e o abuso de poder em uma das maiores emissoras norte-americanas da atualidade.

    Baseado no escândalo real deflagrado em 2016, “Bombshell” (título original do filme) aborda as graves denúncias contra o então presidente executivo da Fox News, Roger Ailes (John Lithgow), e todas as suas consequências. Sob o ponto de vista de Megyn Kelly (Charlize Theron), Gretchen Carlson (Nicole Kidman) e da personagem fictícia Kayla Pospisil (Margot Robbie), o filme apresenta um olhar revelador dentro do mais poderoso e controverso império de mídia norte-americano, com a história pulsante das mulheres que afrontaram o infame homem à frente deste império e o destituíram.

    O Escândalo
    O Escândalo / Paris Filmes

    Mais de um ano antes das acusações de assédio contra Harvey Weinstein tomarem seu lugar nos holofotes mundiais e desencadearem um dos mais famosos movimentos contra o machismo e o abuso instaurados e enraizados nas instituições, o movimento #MeToo, houve Roger Ailes e a Fox News. É comum perceber que as denúncias contra o cineasta da Academia do Oscar em 2017 foram o ponto de partida para a evolução da luta contra a agressão sexual nas indústrias de mídia, contudo, houveram precedentes notáveis que acenderam – ou incendiaram- esse acerto de contas. O império televisivo norte-americano foi palco de um dos maiores escândalos sexuais já delatados e, hoje, essa história chega aos cinemas nas mãos de três das maiores estrelas de Hollywood e surge como um filme extremamente necessário nos dias atuais.

    Roteirizado por Charles Randolph, vencedor do Oscar por “A Grande Aposta”, e dirigido por Jay Roach, de franquias como “Austin Powers” e “Entrando Numa Fria”, “O Escândalo” é conduzido de forma, por vezes, incômoda. O tema tratado é grande e delicado e a atenção e o cuidado que a dupla Charles e Jay tiveram com ele não foram os ideais. O ritmo da produção é sublime e envolvente e a identidade da história é bem clara, porém, o tom humorístico de certos pontos do filme destoa da maneira que a situação e o assunto deveriam ter sido tratados e parece suavizar as situações e as atitudes de certos personagens da trama. Roger Ailes, por exemplo, é satirizado a ponto de se transformar em uma figura caricata. Há uma certa desarmonia entre a história do filme e o modo que ela é retratada, entre o que está sendo exposto e o formato cômico-visual de certos momentos da produção.

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    O Escândalo / Paris Filmes

    Se em “O Escândalo” a narrativa adotada é insuficiente para uma história deste porte, a balança se equilibra quando analisamos o seu trio de protagonistas. Charlize Theron, Nicole Kidman e Margot Robbie são certamente o maior acerto do filme e trazem, por si só, toda a carga dramática que era necessária. Theron é um show à parte. Indicada ao Oscar de Melhor Atriz por seu papel, ela está irreconhecível e realmente encarna a pele de Megyn Kelly, sobretudo por conta da maquiagem que se encarregou de aproximar o máximo possível as feições da atriz com as feições da apresentadora da Fox News. Força e sensibilidade determinam essa protagonista que, no meio de todos os problemas em sua vida, enfrenta um enorme dilema envolvendo sua participação nas acusações de assédio. Seguida bem de perto, Margot Robbie, indicada ao Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante, traz à vida uma personagem fictícia que, ao longo da trama, transmite uma gradual e tocante mudança de tom após os assédios sofridos por ela. A alegria e a animação são substituídas por um grande vazio e ela endurece e entristece no decorrer dos acontecimentos filmados, principalmente um em específico que envolve Ailes e incomoda qualquer um que assiste. Finalizando a tríade, Nicole Kidman aparece também fantástica com a responsabilidade de ser Gretchen e dar o ponto de partida contra Roger e ser a primeira a processá-lo por assédio, dando o passo inaugural para destronar o abusivo presidente executivo da Fox e para o desenrolar da história que, hoje, foi adaptada para os cinemas.

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    O Escândalo / Paris Filmes

    O material abordado é pesado e sério. O filme surge como necessário e urgente em um meio social machista e abusivo que precisa ser mudado. O tom adotado por Charles e Jay, no entanto, não é o ideal para tratar do assunto e, por vezes, destoa de tudo o que a produção deseja transmitir. A carga dramática fica sob responsabilidade de seu trio de protagonistas que entregam performances memoráveis e que vem, merecidamente, se destacando na atual temporada de premiações.

    “O Escândalo” é definitivamente impactante. A competência em sua produção é notável e suas interpretações impecáveis. No entanto, o filme peca na superficialidade de sua narrativa e deixa passar uma possibilidade de se tornar um marco da indústria cinematográfica, como foi o caso de “Spotlight” (2016). Contudo, “Bombshell” não deixa de ser um ótimo e importante filme para a conjuntura social atual e de servir como denúncia para o que diariamente ocorre não só em lugares como a Fox News, mas em todos os locais possíveis.

    Nota: 4/5

    Assista ao trailer:

  • Crítica | Kursk – A Última Missão

    Crítica | Kursk – A Última Missão

    “The Command”, nome original da produção, é um thriller dramático dirigido pelo dinamarquês Thomas Vinterberg baseado no livro “A Time to Die”, de Robert Moore, que conta a história de Kursk, o submarino russo que, apesar de ter sido considerado “inafundável”, naufragou em decorrência de uma explosão interna.

    Em “Kursk – A Última Missão” o ano é 2000 e, durante um exercício naval da Marinha russa no congelante Mar de Barents, uma explosão naufraga o submarino K-141 Kursk. A embarcação tinha uma tripulação de 118 homens e tinha sido batizada em referência a uma das maiores batalhas da Segunda Guerra Mundial: a Batalha de Kursk, em 1943. Da tripulação, 23 sobreviventes da tragédia esperam desesperadamente por ajuda enquanto tentam resistir às condições extremas as quais são colocados à prova. Durante todos os dias de terror, o caso toma proporções gigantes e conhecimento mundial à medida que o tempo dos marinheiros começa a se esgotar e o próprio governo russo, por descaso, falha em suas tentativas de resgate e, ao mesmo tempo, nega a ajuda mais competente de outros países.

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    Kursk – A Última Missão / Paris Filmes

    “Kursk – A Última Missão” é muitas coisas. É um filme sobre a triste história real de marinheiros que esperaram esperançosos por uma ajuda que nunca veio. É um filme que traduz todo o sofrimento das famílias e amigos dos envolvidos no acidente. É uma batalha política nos bastidores mundiais que, infelizmente, se sobrepôs à importância das vidas que estavam se afogando. No entanto, “The Command”, no original, é, sobretudo, um filme sobre o tempo. Desde a primeira cena do filme, onde se é cronometrado o tempo que o jovem Micha ficava sem respirar, desde a venda dos relógios de marinheiro da equipe em um ato simbólico no começo do longa, até a corrida contra o próprio tempo que eles tinham para que suas vidas fossem salvas.

    O roteiro de Robert Rodat e a direção de Thomas Vinterberg são essenciais para o bom e fluido desenrolar da trama e ditam o tom que a produção deseja entregar. O clima de constante tensão e de suspense são complementados por momentos em terra nos quais as esposas dos envolvidos exigiam respostas de um governo omisso e desrespeitoso, ao mesmo tempo em que a ajuda de outros países era negada por puro ego e os 23 sobreviventes batalhavam para se agarrar à qualquer fio de esperança e de oxigênio que estavam ao seu alcance, sem, porém, abandonar o companheirismo que a equipe tinha entre si e o amor que nunca deixariam de nutrir por quem já havia falecido e por quem eles nunca reencontrariam. O trabalho com o desenrolar da história e com o elenco e os objetos de cena são inseparáveis e conseguem transmitir ao espectador toda a ansiedade, toda a angústia, todo o medo e toda expectativa vivida por cada personagem em cena, de modo que não podemos evitar de sentir desgosto com as atitudes do governo russo para com esse assunto e compaixão por quem ainda esperava que houvesse alguma chance.

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    Kursk – A Última Missão / Paris Filmes

    “Está escuro aqui para escrever, mas vou tentar pelo tato. Parece que não há possibilidades, 10-20%. Vamos torcer para que pelo menos alguém leia isto. Cumprimentos a todos. Não há necessidade de ficarem desesperados (…) Há 23 pessoas aqui. Tomamos essa decisão porque nenhum de nós pode escapar. Estou a escrever isto às escuras.” — Capitão-Tenente Dmitri Kolesnikov. A carta, apesar de dirigida à família, é a única prova existente de que houve 23 sobreviventes às duas explosões que destruíram grande parte do submarino e serviu como base para diversas investigações e para o consequente “A Time to Die” de Robert Moore que, por sua vez, serviu de base para “Kursk – A Última Missão”.

    O filme é forte na maioria de seus aspectos e oferece o que já é de se esperar em obras deste tipo. O potencial dramático do longa nos envolve, principalmente ao contar uma história trágica derivada do orgulho russo e sua incapacidade de reconhecer os próprios erros. Em “Kursk – A Última Missão”, a batalha política e a inventiva e constante necessidade de proteção de segredos nacionais selou o destino dos marinheiros que deram sua vida por seu país em troca de um tratamento inconsequente e egoísta das autoridades.

    “Kursk” é impactante e revoltante. A trágica história real adaptada para as telas consegue tocar o espectador e alcançar tudo o que pretende. Os atores acompanham o nível da produção e entregam performances dignas, principalmente quando vemos, em uma gradação, o fio de vida lentamente se esvaindo de seus corpos durante o filme. A produção da EuropaCorp, distribuída no Brasil pela Paris Filmes, é simbólica e tem muita qualidade, sendo, certamente, um excelente filme para iniciar o calendário de 2020.

    Nota: 4,5/5

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  • Crítica | O Farol

    Crítica | O Farol

    “O Farol” apresenta um “espetáculo noir visceral” que captura a essência da miserável e abtrusa relação do homem com o natural em um espetáculo absurdo e fantasioso sobre dois homens sozinhos em um farol de uma ilha isolada que tomam vida pelas mãos de um diretor, de certa forma, ainda novato no cinema.

    Em 2015, o mundo foi presenteado com um cineasta estreante conhecido como Robert Eggers. Na época, o lançamento do longa “A Bruxa” gerou uma comoção geral e um certo fascínio com a obra dele e sua linguagem. Considerado um dos melhores filmes do ano, rótulos sobre Eggers e sobre ele ser uma das grandes promessas do cinema mundial – e, principalmente, do horror – começaram a tomar forma. O filme e o diretor conquistaram fãs pelo mundo todo e a ansiedade por uma nova obra crescia a cada instante. A espera foi longa, porém, em 2019, Robert Eggers voltou às salas de cinema com “O Farol”.

    Tendo em mãos um elenco enxuto, “O Farol” (“The Lighthouse”) nos transporta para o início do século XX. Thomas Wake (Willem Dafoe), responsável pelo farol de uma ilha isolada, contrata o jovem Ephraim Winslow (Robert Pattinson) para substituir o ajudante anterior e colaborar nas tarefas diárias. No entanto, o acesso ao farol é mantido fechado ao novato, que se torna cada vez mais curioso com este espaço privado. Enquanto os dois homens se conhecem e se provocam, Ephraim fica obcecado em descobrir o que acontece no local, ao mesmo tempo em que fenômenos estranhos começam a acontecer ao seu redor.

    O Farol
    O Farol / Vitrine Filmes

    Inovador, o filme resgata recursos de linguagem do cinema mudo e conjura elementos de grandes nomes da literatura e do cinema, como Stanley Kubrick, Andrei Tarkovsky, Ingmar Bergman e Herman Melville, autor de Moby Dick – que detém uma das maiores referências na construção da obra. Preto-e-branco e filmado em uma tela quase quadrada (1.19:1), “O Farol” constrói um alucinante e sombrio terror psicológico que é sustentado por seu elenco reduzido. Por 1h49 min, Willem Dafoe e Robert Pattinson são os únicos em tela e, dessa forma, constroem um dos pontos mais importantes da trama: seu tom claustrofóbico. Dois homens brutos trancados em um farol de uma ilha deserta sem nada a não ser a companhia conturbada um do outro e na presença de eventos estranhos e tempestades intermináveis. A tensão entre os personagens é nítida e caminha sobre uma linha tênue que tende, por vezes, para a violência e, por vezes, para a sexualidade. A sequência de qualquer e toda ação é completamente obscura e o espectador não tem noção do que pode se suceder.

    Robert Eggers, para incrementar suas escolhas para “O Farol” e para o tom claustrofóbico e psíquico do filme, lança mão de uma sonoplastia impecável que imerge o espectador na obra de uma maneira gritante. Frente a uma tela quadrada, a uma filmagem preta e branca e a sequências completamente absurdas, envolventes e arrepiantes, o espectador sente-se presente em cena com Thomas Wake e Ephraim Winslow a cada ruído estridente e a cada trovão de cada tempestade. Como uma progressão, nos sentimos puxados cada vez mais para dentro de tela e ficamos ansiosos, com medo e sentimos tudo o que os personagens estão sentindo e que os leva à loucura. Estamos presos ali com eles e somos um tipo de terceiro personagem, enfrentando as mesmas questões sombrias e vidrados com o mistério do farol.

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    O Farol / Vitrine Filmes

    A fábula sinistra e hipnotizante de Eggers parece assombrada. A narrativa é – na teoria – simples, mas a construção em seu entorno é tão bem feita que coloca o filme em um outro patamar. Um instantâneo clássico do horror. O Inferno nunca pareceu tão próximo e tão diferente do que se poderia imaginar. Todo o peso da obra é encarnado nos personagens de Willem Dafoe e de Robert Pattinson, que estão à altura dos papéis e do enredo e oferecem performances mais do que memoráveis. Dafoe, o capitão bêbado, agressivo e à beira de um constante ataque de nervos. Pattinson, o típico subordinado explorado pelo chefe e com uma instabilidade notável. Os dois entregam seu melhor e mostram que o elenco do filme, apesar de enxuto, é mais do que o suficiente para dar ao espectador uma obra maravilhosa e digna de um diretor que nos deixou com um gostinho de quero mais desde “A Bruxa”, em 2015.

    O Farol” poderia ter sido feito décadas atrás. Sua saga minimalista sobre uma prisão sem grades traz selvageria às telas e envolve todos que assistem. O cenário se apresenta como a pior das ameaças e a jornada psicológica acompanha esse desenvolvimento de forma concisa e certeira. Isolados na Terra, os personagens de Eggers não têm alternativa a não ser seguir o caminho que lhes foi proposto. A imensa e profunda mente humana é explorada de forma muito pouco glamourosa e evidencia o pior de Thomas e Winslow – e de todos nós.

    Manifestação pura de um cinema clássico em uma produção completamente contemporânea, “The Lighthouse” é uma das principais apostas para o Oscar 2020. À frente de seu tempo, o surrealismo que a produção nos permite experimentar é a razão de todo seu sucesso. Diferente dos demais, a obra de Robert Eggers tem tudo o que um grande filme precisa, e mais. “O Farol” é, de longe, um dos melhores do ano.

    Nota: 5/5

    Assista ao trailer:

    https://www.youtube.com/watch?v=rwExUiQzCD0&feature=emb_title

    Veja também: Crítica | Minha Irmã De Paris – Uma Agradável Comédia Francesa

  • Crítica | Minha Irmã De Paris

    Crítica | Minha Irmã De Paris

    Transportados para o Velho Continente, somos apresentados à uma história que se passa na França. Dirigido e roteirizado por Anne Giafferi e estrelado por Mathilde Seigner, “Minha Irmã de Paris” é uma amostra de um cinema diferente do qual somos acostumados e traz às telas uma aposta em uma história comum, mas, ainda assim, eficaz.

    Em “Ni Une, Ni Deux”, no título original, a famosa atriz Julie Varenne (Mathilde Seigner) está desesperada por não agradar mais seu público. Quando finalmente consegue um bom contrato para estrelar uma comédia, ela se submete a um procedimento estético que não dá nada certo. É nesse momento que Julie se lembra de Laurette (Mathilde Seigner), uma fã que conheceu há tempos em um restaurante parisiense e com quem se parece bastante fisicamente. A atriz pede a Laurette que se passe por ela durante as gravações, sem suspeitar de que ela, na verdade, é sua irmã gêmea.

    Minha Irmã de Paris
    Minha Irmã de Paris / Pagu Pictures

    Irmãs gêmeas com comportamentos completamente distintos e uma situação complicada a se enfrentar. O tema da duplicidade é o que sustenta toda a obra e, dessa forma, se mostra essencial aos filmes sobre farsas cômicas que existem desde os primórdios do cinema. Nesta obra, o pilar desse fator é ninguém mais ninguém menos do que a própria Mathilde Seigner. Interpretando as duas protagonistas do longa, a atriz consegue transpor essa dualidade de personalidades de forma tão natural que conseguimos até esquecer que é a mesma pessoa interpretando as gêmeas francesas.

    A comédia é leve e gostosa de se assistir, principalmente nessa época de fim de ano. A fotografia do longa acompanha esse clima e transmite ao espectador uma sensação de conforto e felicidade por meio de seus planos ensolarados e coloridos. Uma bela composição. É tudo muito bem emendado e fácil de se ver, com certos momentos em que a risada é certa.

    Talvez o que atrapalhe “Minha Irmã de Paris” de ser ainda melhor seja o fim de seu roteiro. Uma certa obviedade ao longo da trama e no desfecho dos fatos nos leva a um final, de certa forma, inexpressivo e rápido, destoando de toda a construção cautelosa da história que o filme vinha propondo e do tom romântico e quase poético oferecido por toda a sua duração, apesar de os finais de cada irmã serem doces e coerentes. Contudo, isso não afeta em nada a qualidade da obra que continua sendo uma opção muito boa de entretenimento para fechar o ano de 2019.

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    Minha Irmã de Paris / Pagu Pictures

    O filme todo é uma grande lição e uma fábula familiar sobre laços fraternos e o amor e a ligação entre duas irmãs que superou tempo e espaço. A narrativa é assumidamente irreal e não foge desse fato em momento algum. O espectador tem ciência disso e se deixa levar por toda a trama alegre e, de certa forma, fantasiosa.

    Minha Irmã de Paris” é excelente e realiza muito bem tudo o que se propõe a fazer. É um inocente conto de fadas (acredito que possa ser chamado desse jeito) e nos transporta a uma realidade leve e a uma história mais leve ainda. Entrei na sala de cinema sem criar expectativas e saí com um sorriso no rosto esperando a hora de rever o filme com minha família.

    Nota: 4/5

    Assista ao trailer:

    Veja também: Crítica | Ted Bundy – A Irresistível Face Do Mal

  • Crítica | Ted Bundy – A Irresistível Face Do Mal

    Crítica | Ted Bundy – A Irresistível Face Do Mal

    Cinebiografia sobre um dos mais temíveis assassinos em série norte-americanos da história, “Ted Bundy – A Irresistível Face do Mal”, dirigido por Joe Berlinger e estrelado por Zac Efron, Lily Collins e Kaya Scodelario, nos traz uma versão mais intimista e interessante sobre uma história que chocou e ainda choca o mundo.

    Baseado em fatos reais e adaptado para as telas, o filme nos coloca em contato com Ted Bundy (Zac Efron), um mero estudante de Direito dos Estados Unidos. Sua jornada nos é mostrada tendo como um dos pontos de partida o seu encontro com Liz Kendall (Lily Collins), com quem viria a ter uma intensa e profunda relação amorosa. Para os que não conhecem a história real e o fim dos fatos, uma relação comum. E é o que deve aparentar. Porém, tudo muda quando o nome de Ted surge no meio de uma investigação policial.

    A teia parece se desenrolar, muitas questões começam a vir à tona e, assim, somos imergidos em um dos maiores julgamentos dos Estados Unidos. Declarando-se publicamente inocente, Ted Bundy utiliza seu charme e seu poder de convencimento para tentar conquistar sua liberdade. Contudo, provas irrefutáveis revelam o monstro por detrás da figura de bom moço e o rastro de sangue deixado por ele.

    Ted Bundy
    Ted Bundy – A Irresistível Face do Mal / Paris Filmes

    “Ted Bundy – A Irresistível Face do Mal” é muito interessante. Creio que esse seja o adjetivo que mais se encaixa com as características da produção. A direção de Joe Berlinger e o roteiro de Michael Werwie desenvolvem uma abordagem diferente para o caso, focando menos nos assassinatos e nos crimes em si e mais em quem era Ted e tudo e todos que o rodeavam. Vemos menos do assassino e mais do estudante da Lei. Parece que estamos apenas diante de um homem tentando se defender de sérias acusações e tentando conquistar sua liberdade. Apesar de sabermos que esse não é o caso. Não mesmo.

    Essa abordagem inédita é coroada com a atuação de Zac Efron. Buscando se distanciar da imagem de artista adolescente marcada pela época de High School Musical, ele vive um intenso papel e encarna o assassino de forma muito convincente. Complementando tudo o que fora construído pelo filme, chegamos ao ponto de realmente comprar as palavras de Ted Bundy. Acredito que esse seja o ponto da produção. Se nós, que conhecemos a história verdadeira e tudo o que realmente aconteceu podemos ser influenciados pelas palavras de um condenado, imaginemos todo um país em comoção por uma história perturbadora, cheia de lacunas e por um réu bastante convincente e manipulador. Zac Efron é formidável.

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    Ted Bundy – A Irresistível Face do Mal / Paris Filmes

    A questão técnica é bastante correta e a acuidade com o real também. As imagens verídicas no final do filme nos trazem de volta à realidade e conseguimos, finalmente, voltar a enxergar o sadismo nas palavras de Ted Bundy, algo que não era totalmente possível no decorrer do filme. Somos seduzidos por suas falas. É incômodo. Interessante, porém, sobretudo, incômodo. Ainda mais quando a ficha do espectador cai e quando tomamos noção de que tudo aquilo é realmente real e de tudo o que aquilo representa.

    A adaptação do caso é bem feita e se une a um conjunto de obras que tem Ted Bundy como foco, como, por exemplo, o recente “Conversando com um Serial Killer: Ted Bundy” (2019), do próprio diretor Joe Berlinger. Entre outras produções, temos “Ted Bundy” (2002) e “Bundy: An American Idol” (2008) como exemplos de diferentes vertentes da mesma história e que também merecem a devida atenção.

    “Ted Bundy – A Irresistível Face do Mal” é triste. Seu conteúdo é triste. Mas com certeza vale a pena assistí-lo, principalmente por Zac Efron e por toda a abordagem diferente de um caso já bastante conhecido. Um grande acerto. Uma grande produção.

    Nota: 4,5/5

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  • Crítica | Crime sem Saída

    Crítica | Crime sem Saída

    Confesso que quando soube da estreia de “Crime sem Saída” (“21 Bridges”, no original), não fiquei muito animado. Mais um filme do gênero policial que, ultimamente, não tem conseguido oferecer nada muito novo, salvo algumas exceções. O filme, entretanto, tenta nos oferecer esse algo a mais.

    A produção gira em torno de Andre (Chadwick Boseman), um detetive da polícia cujo pai, também policial, fora assassinado quando ele era ainda uma criança. O protagonista carrega o fardo dessa situação até o presente dia e deixou que isso influenciasse em sua carreira. Julgado em seu meio de trabalho, quando dois homens cometem uma chacina policial durante a madrugada, é ele o responsável por juntar todas as peças desse crime.

    Andre tem a ajuda de Frankie Burns (Sienna Miller), policial da Narcóticos, e, juntos, têm apenas algumas horas para resolver todo o mistério que, a cada descoberta, parece que se engrandece. O detetive exige o fechamento e isolamento total de Manhattan e de suas 21 pontes, de onde vem o nome original da produção e, a partir daí, começa uma verdadeira caçada pelos assassinos. O que Andre não espera é que a cada nova descoberta do caso os caminhos o direcionam para lugares cada vez mais próximos e íntimos, mostrando que nada é realmente o que parece.

    Crime sem Saída
    Crime sem Saída / STX Entertainment

    O filme tem muitos pontos positivos, como a direção de Brian Kirk, que tenta extrair o que de melhor tem a obra, assim como a presença dos nomes de Joe e Anthony Russo na produção e de uma fotografia maravilhosa que consegue captar o tom do filme em sua essência. Nova York é mostrada em um tom melancólico e triste, sendo palco para 2 horas de ação intensa e ininterrupta. A cidade age como um personagem do filme, retratando quase que o interior de cada um que aparece em tela.

    Os acertos da produção são muitos. Porém, apesar de todos os pontos positivos, nada consegue disfarçar o roteiro raso de Adam Mervis e de Matthew Carnahan. A história é boa. A ideia é boa. Mas a previsibilidade de todo o filme acaba por frustrar de certa forma o espectador. Por isso, os plot twists acabam sendo danificados e não apresentam o impacto que deveriam. Cheguei a ouvir um “sabia”, decepcionado, na sala de cinema. O ápice do filme é previsível.

    Um dos pontos mais altos de “Crime sem Saída”, com certeza, é seu elenco. Apesar de toda a previsibilidade do enredo, os atores encarnam seus papéis e conseguem trazer a eles o peso que a trama, por vezes, não consegue. Menção especial ao próprio protagonista. Boseman traz ao público uma performance memorável de um policial machucado por dentro e que, dessa vez, tenta fazer as coisas de uma maneira diferente.

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    Crime sem Saída / STX Entertainment

    “Crime sem Saída” é mais um filme policial. Com todas as suas qualidades técnicas, tenta se diferenciar do comum, e até certo ponto consegue. Porém, em sua totalidade, não se destaca dos demais. Tenta entregar algo a mais, mas no final é um pouco mais do mesmo. Um bom filme de ação policial.

    Para os mais críticos, o filme pode deixar um pouco a desejar. Para os que procuram um bom passatempo e ver um bom exemplar do gênero policial, o filme é ótimo. O roteiro raso não tira o mérito da produção e não o torna um filme ruim. Comum, apenas, apesar de tentar entregar algo novo. Me diverti assistindo e me interessei pela história, mas esperarei a estreia na televisão para o caso de assistir novamente.

    Nota: 3,5/5

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  • Crítica | As Golpistas

    Crítica | As Golpistas

    A cena noturna é tema recorrente na indústria cinematográfica e, em “As Golpistas”, esse contexto é profundamente explorado. Tendo em mãos um elenco talentosíssimo, Lorene Scafaria, diretora e roteirista do filme, traz às telas uma história baseada em um artigo de 2015, exposto por Jessica Pressler para o New York Magazine, que conta a história de um grupo de mulheres de uma casa noturna de Nova York e de como elas se apossaram rapidamente de milhares de dólares de, sobretudo, homens ricos de Wall Street.

    “As Golpistas” nos apresenta, inicialmente, Dorothy (Constance Wu), mais conhecida como Destiny. Logo de cara, somos introduzidos ao seu cotidiano no clube de strippers no qual trabalha e a todos os problemas que insistem em rodeá-la. Desesperada por dinheiro para sustentar sua família, Destiny conhece Ramona (Jennifer Lopez), uma espécie de referência no cenário noturno de Nova York, e, ali, encontra uma mentora e amiga.

    A parceria entre as duas dá muito certo e já começa a render bons frutos. Tudo parece se encaminhar para o melhor cenário possível. Contudo, quando a crise atinge os Estados Unidos, toda a fonte de lucro parece se esvair e seus negócios começam a desandar. Cabe, então, a um grupo de strippers desvendar e planejar maneiras de voltarem a conseguir seu sustento no meio de um país quebrado de muitas formas possíveis.

    As Golpistas
    As Golpistas / Diamond FIlms

    A história que deu origem ao filme já é, por si só, muito interessante. Juntamente a isso, a direção de Lorene torna a obra ainda mais atraente. O ritmo imposto por toda a produção não deixa que o espectador fique entediado por momento algum. Pelo contrário, só queremos conhecer ainda mais cada personagem do elenco e saber como cada uma delas vai agir frente às situações que se apresentam – e não são poucas. Todas são muito profundas e muito bem desenvolvidas.

    Somos tomados por empatia e acabamos por entender as atitudes das protagonistas e a torcer por elas, mesmo sabendo que tudo o que acontece é errado. E, na verdade, não vemos durante o filme desculpas para o que Destiny, Ramona e as outras mulheres fazem. Elas não são mostradas como vítimas (nem como vilãs), mas sim como pessoas reais, apenas. A solução para todos os seus problemas foi arranjar uma maneira de extorquir os altos executivos de Wall Street e, no final, queremos que cada vez mais os cartões de créditos desses “clientes” tenham seus limites estourados.

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    As Golpistas / Diamond Films

    O filme é um sucesso e isso se deve, em grande parte, ao roteiro e à direção de Lorene Scafaria. Porém, a escolha criteriosa e certeira do elenco também carrega o peso de levantar o patamar da produção. Além de Constance Wu e Jennifer Lopez, que brilham, cada uma à sua maneira, temos também a presença de figuras como Keke Palmer, Cardi B e Lili Reinhart. Elas, em conjunto, nos oferecem uma experiência cinematográfica muito interessante, nos imergindo na história e transmitindo com muita honestidade muitas emoções. Além disso, essa equipe serve como base para que uma delas, em específico, se sobressaia: Jennifer Lopez. Com uma atuação primorosa, a cantora e atriz está sendo cotada por diversos canais de crítica e de comunicação como uma das apostas para a vindoura temporada de premiações, incluindo o Oscar.

    “O grupo liderado por Lopez, Constance Wu, Lili Reinhart e Keke Palmer colocou suas principais protagonistas em papéis que aparentemente nasceram para interpretar.” – Variety.

    “As Golpistas” é tudo o que se pode esperar e querer. Entrega tudo o que promete e ainda mais. Vemos um novo ponto de vista sobre a crise americana e no final concluímos que os ditos “lobos de Wall Street” não são nada comparados às strippers de Nova York.

    Nota: 4,5/5

    Assista ao trailer: