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CRÍTICA (FESTIVAL DO RIO) | Serra das Almas é um thriller catártico

Dirigido por Lírio Ferreira, Serra das Almas usa a violência e a tensão para construir um potente drama

Serra das Almas se inicia com uma montagem paralela entre uma mulher nadando em um rio em extrema paz, e um grupo de pessoas gritando em uma vã, porém, com uma música tão alta que não se consegue distinguir o que dizem, somente conseguimos perceber que dois dos homens estão portando armas, uma mulher está ferida no banco do passageiro e um homem está morto no fundo.

Com este começo inusitado, Serra das Almas me lembrou muito o cinema de Quentin Tarantino, sendo esta cena diretamente relacionada à Cães de Aluguel (1992), porém, as referências ao diretor norte americano não se encerram aí. O filme apresenta uma narrativa não linear, algo muito visto em Pulp Fiction (1995), se passa inteiramente em uma casa isolada, como em Os Oito Odiados (2015), personagens femininas fortes como em À Prova de Morte (2007), e apresenta diálogos potentes sobre objetivos de vida e ambições de seus personagens, marca registrada de toda sua filmografia.

Lírio Ferreira se inspirou nestas referências consagradas do cinema para contar a história de um rapto de duas jornalistas que são presas na região de Serra das Almas, no Pernambuco. Impossibilitadas de escapar, vamos aprendendo aos poucos o que as levou a estar naquela situação, além de conhecermos mais profundamente seus captores.

Serra das Almas

Serra das Almas- Foto divulgada pelo festival do Rio

Existe uma dualidade ao longo do filme, ao explorado pela atriz Julia Stockler, no debate ocorrido após a sessão realizada no Cine Odeon, no centro do Rio de Janeiro: os homens se matam, enquanto as mulheres, que não se conhecem, protegem umas as outras e criam uma relação por meio do ato de cuidar da companheira.

Apesar da produção se arrastar muito ao longo do segundo ato, um momento que o ritmo fica mais devagar, com o objetivo de explorarmos melhor os desejos dos personagens, seja a filha do dono do jornal que está presa com a amante do pai, o captor que deseja ir para os EUA e ser senador, o outro captor que deseja ser um palhaço do caos e um personagem que começa inocente, mas, se torna a maior surpresa do filme.

Em Serra das Almas, nenhum personagem é o que parece, este é o ponto forte do roteiro de Paulo Fontenelle, Audemir Leuzinger e Maria Clara Escobar. O que se inicia como uma história de rapto que poderia ser a mesma coisa que já vimos tantas vezes no cinema, se torna uma exploração sobre violência, liberdade, o modo como o nosso lugar de nascimento nos toma como refém e impede que façamos algo a mais, e uma ode à sororidade feminina.

Serra das Almas

Pally, Mari Oliveira e Julia Stockler em “Serra das Almas”- Foto divulgada pelo festival do Rio

Na produção, Julia Stockler, Pally e Mari Oliveira, se tornam organicamente um trio que domina o filme, por meio da linha do tempo não cronológica, percebemos como a força violenta do machismo, tira o brilho destas mulheres e que somente quando elas se unem, se torna possível vencer.

Serra das Almas faz um excelente trabalho com a trilha sonora, trazendo agonia por meio de um tinnitus que aparece constantemente, uma trilha sonora composta de um coro de vozes que se apresenta diferentemente ao longo do filme, e o próprio silêncio vindo do isolamento em uma casa na região da Serra das Almas.

Ao final da produção, terminamos em êxtase, do mesmo modo que Bacurau (2019) de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, nos traz uma catarse por meio da violência, Serra das Almas apresenta um sentimento semelhante, em uma certa “justiça divina”, vindo na forma destas mulheres que sofreram durante o filme todo e finalmente conseguiram se libertar.

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