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  • O Outro Lado do Vento e o ataque de Orson Welles à uma lunática Hollywood

    O Outro Lado do Vento e o ataque de Orson Welles à uma lunática Hollywood

    Lançado após anos de problemas técnicos, legais e a morte de Welles durante uma espécie confusa de “pós-produção“, “O Outro Lado do Vento” foi lançado em 2018, pela Netflix e de acordo com os principais desejos do cineasta para sua última obra-prima. Ninguém sabe direito o que Welles pretendia, no todo, com o filme, gerando até um documentário sobre o assunto, o excelente “ Serei Amado Quando Morrer” (2018) que foi lançado juntamente com o corte final do filme, como um complemento desse tão bizarra e divertida história (tirando o pesar de um cineasta tão genial não conseguir gravar em paz).

    Após o sucesso estrondoso de “Cidadão Kane” (1941), Welles ficou marcado pelos estúdios como um gênio problemático, extremamente inventivo, mas perigoso para os tão conformistas modelos de negócio dos mesmos. Mesmo tendo feito o que muitos consideram o melhor filme estadunidense já feito, a sua vida foi marcada pelas mais complicadas dificuldades para poder gravar os projetos que tanto amava, se mudando para a Europa e recebendo cortes bizarros em obras como “Soberba” (1942) e “A Marca da Maldade” (1958).

    Os conflitos com o magnata das comunicações William Randolph Hearst, o canalha que inspirou seu Cidadão Kane e um dos sujeitos mais sujos que já passou pelo capitalismo norte-americano, também não ajudaram nem um pouco. A RKO Pictures sofreu imensas pressões de Hearst para cancelar o lançamento do filme, cuja trama não esconde os efeitos negativos do chefão da imprensa para a democracia norte-americana.

    Orson Welles
    Antológica cena de “Cidadão Kane“. “RKO“.

    Passados alguns anos, Welles se dedicou ao seu trabalho na Europa, lançado excelentes adaptações das principais obras de William Shakespeare, como “Macbeth – Reinado de sangue” (1948) e “Othello” (1952). Além disso, o cineasta ainda lançou o genial “Verdades e Mentiras” (1973) e “Falstaff – O Toque da Meia Noite” (1965), um dos épicos mais criativos já filmados na história da humanidade e outros dos seus projetos que também esteve ligado à vários problemas legais.

    Nos anos 70, Welles planejava sua volta à Hollywood, montando um projeto ousado e reunindo seus aliados: Oja Kodar, sua companheira e atriz, Peter Bogdanovich (“Lua de Papel“), seu pupilo e cineasta em ascensão e John Huston (“O Tesouro de Sierra Madre“), o lendário cineasta da Velha Hollywood. O filme deveria dialogar com o próprio processo de criar um filme, estudando os principais elementos que compõem esse tão complexo trabalho e atacando as bizarrices de um sistema tão destrutivo como Hollywood. Os estúdios são os grandes assassinos de mentes criativas, aliados aos tão “queridos” críticos e paparazzis.

    Orson Welles
    Pôster oficial de “O Outro Lado do Vento“. “Netflix“.

    A história acompanha o último dia de vida de um velho cineasta, enquanto ele planeja seu controverso último filme e precisa lidar com todas as pressões e problemas do mundo ao seu exterior. De maneia muito original, Welles traça um retrato de uma Hollywood que não consegue conversar com si mesma, gritando à todo momento e fazendo perguntas cada vez mais idiotas. Os jovens sempre ao redor, seu pupilo irônico, uma crítica prepotente e os vários flashes da mídia irritam cada pedaço da alma de J.J. Jake Hannaford (Houston).

    Hannaford, querendo ou não, é outro dos reflexos de Welles acerca de si mesmo, representando as inseguranças e explosões do diretor de maneira surreal. Assim como, querendo ou não, havia muito de Welles em Charles Foster Kane, há também as pinceladas pessoais do cineasta na construção de um amargo diretor no fim de sua vida. A grandeza de Kane, aliás, parece perseguir e moldar as sombras de Welles, como uma espécie de maldição encantada, cujos efeitos foram sentidos por uma vida inteira.

    A melhor cena é perto do fim: Hannaford pega um velho rifle de caça e começa a atirar em manequins parecidos com seu ator principal que havia acabado de largar a produção. É somente desta forma que se pode trabalhar em um ambiente tão lunático como Hollywood: a partir de tiros e violência.

    Orson Welles
    Os bastidores. “Netflix”

    Há ainda, o filme dentro do filme: uma experimentação de cores e sensações, estrelada pela musa Oja Kodar, um dos amores de Welles e dona de um par de olhos penetrantes. O filme de Hannaford é diferente de tudo o que Welles já havia feito até então, mas ao mesmo tempo, é tão próximo da sua intensidade, gerando sequências de imagens lindíssimas. Fortemente influenciado por “Zabriskie Point” (1970) de Michelangelo Antonioni (“Blow Up- Depois Daquele Beijo“), o filme é um grande ode à Contracultura, ao mesmo tempo em que lida com temas e noções universais, todas menosprezadas pelo mundo ao redor de Hannaford.

    O filme dentro do filme é outro ponto alto da versatilidade de Orson Welles; o homem podia fazer qualquer tudo, navegando pelos gêneros e entregando trabalhos que ficaram na História do cinema mundial. É com verdadeira dor que se deve assistir “Serei Amado Quando Morrer“, percebendo o quão deixado de lado foi Welles, pelos ditos entendidos de cinema e arte. “O Outro Lado do Vento” só poderia ter sido feito desta forma, como uma explosiva zona de guerra, declarando o fim de toda uma carreira e gerando muitas mais perguntas do que respostas.

     Orson Welles
    Outros relatos destes tão lindos bastidores. “Netflix

    Welles não para nos modelos já trabalhados, não escolhe os caminhos mais simples e parece totalmente à vontade em explorar as hipocrisias de um mundo que ele conhece e viveu como ninguém. O amor e ódio entre Hannaford e seu pupilo é parte fundamental disto, ainda refletindo as caóticas relações de Welles com os outros, com Bogdanovich e até mesmo conosco, os tão influenciais telespectadores.

    Para melhor ou pior, “O Outro Lado do Vento” só nos encontrou muitos anos após a morte do gênio, mas suas palavras e ações ainda continuam firmes, no ataque à um mundo louco. Hannaford/Welles parece lutar contra os tão poderosos moinhos de Quixote, afinal, nada pode ser indestrutível.

    Veja também: Quase 45 anos depois, Taxi Driver é um dos filmes mais poderosos já feitos

  • Quase 45 anos depois, Taxi Driver é um dos filmes mais poderosos já feitos

    Quase 45 anos depois, Taxi Driver é um dos filmes mais poderosos já feitos

    Escrito por Paul Schrader, dirigido por Martin Scorsese e estrelado por Robert De Niro, “Taxi Driver – Motorista de Táxi” (1976) é um dos grandes filmes da chamada Nova Hollywood (movimento cinematográfico dos EUA marcado pelas grandes mentes inventivas, em detrimento do velho sistema dos grandes estúdios e executivos). Esse filme é um dos mais poderosos do cinema estadunidense e um verdadeiro marco para a arte no geral, impactando gerações e proporcionando debates atualizadíssimos.

    Com poderosas atuações coadjuvantes de Jodie Foster (aos 12 anos!), Cybill Shepherd e Harvey Keitel, o filme passa por vários temas universais, ao mesmo tempo que constrói um mosaico muito verdadeiro acerca dos Estados Unidos pós-Vietnã. Deprimido e sombrio, esse país já não parece o mesmo lar do sonho americano, carregando sujeitos confusos e problemas que ainda não serão resolvidos nesta cruel década de 1970.

    Taxi Driver
    Sony Pictures

    O filme é precisamente um produto de seu próprio tempo, retratando a solidão e as mazelas estadunidenses como nenhum outro, mesmo que muitos tentaram e beberam na fonte de Scorsese/Schrader. Muito mais do que a tão lembrada cena do espelho (“Tá falando comigo?”), “Taxi Driver” é primoroso pela formação de todo um ambiente próprio, indo do terror até as relações humanas mais básicas, cuja dependência e toxidade dos personagens ainda levantam questões muito importantes.

    Em sua própria cabeça, cada personagem parece fazer o certo, guiados por uma determinada confusão que eles julgam como verdade absoluta. Não há fatos nesse período, somente interpretações e julgamentos rápidos, definindo toda uma geração de homens e mulheres que simplesmente não conseguem se comunicar. Travis (DeNiro) é resultado direto disto, em um exercício de Scorsese em nos fazer entender um homem abominável, um verdadeiro sociopata.

    Não é só a solidão que transforma Travis no que ele é, mas toda a carga da existência, gerando um dos protagonistas mais interessantes do cinema mundial e uma das tramas mais tensas de se acompanhar como mero espectador. A impotência de todos nós é a fraqueza que Travis carrega, cuja única solução parece ser o cruel massacre ao final dos 110 minutos de filme.

    Taxi Driver
    Scorsese e DeNiro nos bastidores. “Sony Pictures“.

    A trilha sonora de “Taxi Driver“, por sua vez, é quase um personagem à parte, dialogando com as situações e criando um verdadeiro clima de horror, ao mesmo tempo em que entrega um das músicas mais românticas do cinema. Assinada por Bernard Herrmann, o fiel músico de Alfred Hitchcock, as músicas parecem embalar os personagens em uma tensa dança pelas suas próprias vidas.

    A ambientação (fotografada por Michael Chapman, falecido no fim do ano passado) é outro ponto alto do filme, criando a sua própria visão de uma noturna Nova York em frangalhos. Cada rua de “Taxi Driver” conta uma história por si só, gerando um imenso impacto na cabeça do espectador. Com influências da Nouvelle Vague e principalmente dos filmes de Jean-Luc Godard (“Acossado“), as cores parecem explodir na tela, indo da janela do Taxi de Travis até o coração de qualquer um que assiste o filme pela primeira vez.

    Taxi Driver"
    Sony Pictures

    De todos os ângulos possíveis, em todas as décadas assistidas e passados quase 45 anos, “Taxi Driver- Motorista de Taxí” é um dos melhores filmes da filmografia de Martin Scorsese e uma das obras de arte mais influentes do últimos anos. Tirando até os diálogos primorosos, só o estilo visual do longa já vale qualquer assistida. Cinema de gente grande, para falar o mínimo.

    Sinopse: O motorista de táxi de Nova York Travis Bickle, veterano da Guerra do Vietnã, reflete constantemente sobre a corrupção da vida ao seu redor e sente-se cada vez mais perturbado com a própria solidão e alienação. Apesar de não conseguir fazer contato emocional com ninguém e viver uma vida questionável em busca de diversão, ele se torna obcecado em ajudar uma prostituta de 12 anos que entra em seu táxi para fugir de um cafetão.

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