Tag: Orson Welles

  • Oscar 2021 | Mank — Fincher e sua reverência a Metalinguagem

    Oscar 2021 | Mank — Fincher e sua reverência a Metalinguagem

    Se tem algo que sempre hipnotiza os olhos dos votantes do Oscar são os filmes que retratam a rotina da própria indústria cinematográfica, como Mank — a obra mais recente do diretor David Fincher. Não é espanto para ninguém que o cinema adora falar sobre “Cinema”! Do terror ao drama, a metalinguagem perpetuou-se por diversos gêneros. Pânico 3, La La Land e o clássico Cantando na Chuva são alguns títulos que levantaram o velho debate: “a vida imita a arte ou a arte imita a vida?”.

    Eis uma confissão. Já assisti Garota Exemplar cinco vezes. Clube da Luta eu perdi as contas! Semana passada revi O Quarto do Pânico, e sempre que está passando O Curioso Caso de Benjamin Button eu paraliso na frente da TV. Prefiro nem explanar o número de vezes que meus olhos assistiram A Rede Social.

    Oscar 2021 | Mank - Fincher e sua reverência a Metalinguagem
    Mank / Netflix

    O que todos esses filmes têm em comum? É um nome, e começa com a letra “D” de David Fincher. Um dos diretores mais consagrados dos últimos anos, ele é conhecido por sempre tecer uma narrativa profunda, capaz de roubar um turbilhão de sentimentos dos espectadores. Não é à toa que as críticas positivas cercam o trabalho do cineasta. E ele é merecedor de cada elogio.

    Eu, como um grande fã, preciso engolir meu orgulho e admitir algo. Mank, infelizmente, é o filme menos “Fincher” da carreira de David Fincher (questão totalmente pessoal). No entanto, sua reverência a metalinguagem é um dos pontos altos desse filme.

    Mank - Fincher e sua reverência a Metalinguagem
    Mank / Netflix

    Mas, o que é a metalinguagem, de fato? Basicamente é quando a linguagem usa a própria linguagem para falar de si mesma. Sabe os momentos que o cartunista Mauricio de Sousa falou da criação de seus gibis dentro das tirinhas da Turma da Mônica? Ou quando Ryan Murphy retratou a produção de filmes e a corrida pelo Oscar na minissérie Hollywood? Ou o recente sucesso da Marvel, Wandavision, que usou a linguagem das séries em uma série? Bom, todos são exemplos de metalinguagem!

    Na maioria das vezes, a metalinguagem no cinema nada mais é que “um filme dentro do filme“, como Mank, de David Fincher.

    Focado no processo de criação do roteiro de Cidadão Kane, lançado de 1941, a história narra eventos que aconteceram com o roteirista Herman J. Mankiewicz (Mank para os íntimos) e sua luta contra o diretor Orson Welles, para ter seu nome nos créditos do filme. Entre verdade e ficção, o longa de Fincher se apega aos conceitos técnicos de filmagem e edição para construir sua narrativa, inclusive no uso de flashbacks, transição de cenas, diálogos, e, é claro, a fotografia em preto e branco. É o “Moderno” reverenciado o “Clássico”.

    Mank - Fincher e sua reverência a Metalinguagem
    Mank / Netflix

    Sobretudo, Mank é um “filme Legado”, visto que o script foi escrito por Jack Fincher (pai de David Fincher) na década de 90, e somente agora ganhou as telas. Ou seja, um roteirista escrevendo uma história sobre outro roteirista e sua jornada para conceber o roteiro de um filme. Metalinguagem maior que essa, não há!

    Em suma, Fincher filho homenageou O Filme que se tornou um dos pilares da história do cinema, compartilhando com o mundo a herança deixada pelo seu pai.

    Com o maior número de indicações da temporada, Mank concorre nas seguintes categorias: Melhor Filme, Melhor Ator, Melhor Atriz Coadjuvante, Melhor Direção, Melhor Figurino, Melhor Trilha Sonora, Melhor Fotografia, Melhor Maquiagem e Cabelo, Melhor Som e Melhor Design de Produção.

    O filme está disponível no catálogo da Netflix.

    Assista ao trailer:

    Veja tudo sobre a principal cerimônia do Cinema:

    Oscar 2021 | Bela Vingança — O jeito “Emerald Fennell” de colocar o dedo na ferida!

    Oscar 2021 | Minari — Como assim uma Avó que xinga e não faz biscoitos?

    Oscar 2021 | Meu Pai — Qual é o propósito de uma Montagem “caótica”?

    Oscar 2021 | Nomadland — Cada imagem de Chloé Zhao vale mais que mil palavras.

    Oscar 2021 | O Som do Silêncio — Quando o “Design de Som” cria imersão.

  • Os Melhores Filmes de Todos os Tempos

    Os Melhores Filmes de Todos os Tempos

    Confira este compilado com mais de 300 filmes clássicos que fizeram parte da história do cinema. Não deixe de se inscrever no canal.

  • O Outro Lado do Vento e o ataque de Orson Welles à uma lunática Hollywood

    O Outro Lado do Vento e o ataque de Orson Welles à uma lunática Hollywood

    Lançado após anos de problemas técnicos, legais e a morte de Welles durante uma espécie confusa de “pós-produção“, “O Outro Lado do Vento” foi lançado em 2018, pela Netflix e de acordo com os principais desejos do cineasta para sua última obra-prima. Ninguém sabe direito o que Welles pretendia, no todo, com o filme, gerando até um documentário sobre o assunto, o excelente “ Serei Amado Quando Morrer” (2018) que foi lançado juntamente com o corte final do filme, como um complemento desse tão bizarra e divertida história (tirando o pesar de um cineasta tão genial não conseguir gravar em paz).

    Após o sucesso estrondoso de “Cidadão Kane” (1941), Welles ficou marcado pelos estúdios como um gênio problemático, extremamente inventivo, mas perigoso para os tão conformistas modelos de negócio dos mesmos. Mesmo tendo feito o que muitos consideram o melhor filme estadunidense já feito, a sua vida foi marcada pelas mais complicadas dificuldades para poder gravar os projetos que tanto amava, se mudando para a Europa e recebendo cortes bizarros em obras como “Soberba” (1942) e “A Marca da Maldade” (1958).

    Os conflitos com o magnata das comunicações William Randolph Hearst, o canalha que inspirou seu Cidadão Kane e um dos sujeitos mais sujos que já passou pelo capitalismo norte-americano, também não ajudaram nem um pouco. A RKO Pictures sofreu imensas pressões de Hearst para cancelar o lançamento do filme, cuja trama não esconde os efeitos negativos do chefão da imprensa para a democracia norte-americana.

    Orson Welles
    Antológica cena de “Cidadão Kane“. “RKO“.

    Passados alguns anos, Welles se dedicou ao seu trabalho na Europa, lançado excelentes adaptações das principais obras de William Shakespeare, como “Macbeth – Reinado de sangue” (1948) e “Othello” (1952). Além disso, o cineasta ainda lançou o genial “Verdades e Mentiras” (1973) e “Falstaff – O Toque da Meia Noite” (1965), um dos épicos mais criativos já filmados na história da humanidade e outros dos seus projetos que também esteve ligado à vários problemas legais.

    Nos anos 70, Welles planejava sua volta à Hollywood, montando um projeto ousado e reunindo seus aliados: Oja Kodar, sua companheira e atriz, Peter Bogdanovich (“Lua de Papel“), seu pupilo e cineasta em ascensão e John Huston (“O Tesouro de Sierra Madre“), o lendário cineasta da Velha Hollywood. O filme deveria dialogar com o próprio processo de criar um filme, estudando os principais elementos que compõem esse tão complexo trabalho e atacando as bizarrices de um sistema tão destrutivo como Hollywood. Os estúdios são os grandes assassinos de mentes criativas, aliados aos tão “queridos” críticos e paparazzis.

    Orson Welles
    Pôster oficial de “O Outro Lado do Vento“. “Netflix“.

    A história acompanha o último dia de vida de um velho cineasta, enquanto ele planeja seu controverso último filme e precisa lidar com todas as pressões e problemas do mundo ao seu exterior. De maneia muito original, Welles traça um retrato de uma Hollywood que não consegue conversar com si mesma, gritando à todo momento e fazendo perguntas cada vez mais idiotas. Os jovens sempre ao redor, seu pupilo irônico, uma crítica prepotente e os vários flashes da mídia irritam cada pedaço da alma de J.J. Jake Hannaford (Houston).

    Hannaford, querendo ou não, é outro dos reflexos de Welles acerca de si mesmo, representando as inseguranças e explosões do diretor de maneira surreal. Assim como, querendo ou não, havia muito de Welles em Charles Foster Kane, há também as pinceladas pessoais do cineasta na construção de um amargo diretor no fim de sua vida. A grandeza de Kane, aliás, parece perseguir e moldar as sombras de Welles, como uma espécie de maldição encantada, cujos efeitos foram sentidos por uma vida inteira.

    A melhor cena é perto do fim: Hannaford pega um velho rifle de caça e começa a atirar em manequins parecidos com seu ator principal que havia acabado de largar a produção. É somente desta forma que se pode trabalhar em um ambiente tão lunático como Hollywood: a partir de tiros e violência.

    Orson Welles
    Os bastidores. “Netflix”

    Há ainda, o filme dentro do filme: uma experimentação de cores e sensações, estrelada pela musa Oja Kodar, um dos amores de Welles e dona de um par de olhos penetrantes. O filme de Hannaford é diferente de tudo o que Welles já havia feito até então, mas ao mesmo tempo, é tão próximo da sua intensidade, gerando sequências de imagens lindíssimas. Fortemente influenciado por “Zabriskie Point” (1970) de Michelangelo Antonioni (“Blow Up- Depois Daquele Beijo“), o filme é um grande ode à Contracultura, ao mesmo tempo em que lida com temas e noções universais, todas menosprezadas pelo mundo ao redor de Hannaford.

    O filme dentro do filme é outro ponto alto da versatilidade de Orson Welles; o homem podia fazer qualquer tudo, navegando pelos gêneros e entregando trabalhos que ficaram na História do cinema mundial. É com verdadeira dor que se deve assistir “Serei Amado Quando Morrer“, percebendo o quão deixado de lado foi Welles, pelos ditos entendidos de cinema e arte. “O Outro Lado do Vento” só poderia ter sido feito desta forma, como uma explosiva zona de guerra, declarando o fim de toda uma carreira e gerando muitas mais perguntas do que respostas.

     Orson Welles
    Outros relatos destes tão lindos bastidores. “Netflix

    Welles não para nos modelos já trabalhados, não escolhe os caminhos mais simples e parece totalmente à vontade em explorar as hipocrisias de um mundo que ele conhece e viveu como ninguém. O amor e ódio entre Hannaford e seu pupilo é parte fundamental disto, ainda refletindo as caóticas relações de Welles com os outros, com Bogdanovich e até mesmo conosco, os tão influenciais telespectadores.

    Para melhor ou pior, “O Outro Lado do Vento” só nos encontrou muitos anos após a morte do gênio, mas suas palavras e ações ainda continuam firmes, no ataque à um mundo louco. Hannaford/Welles parece lutar contra os tão poderosos moinhos de Quixote, afinal, nada pode ser indestrutível.

    Veja também: Quase 45 anos depois, Taxi Driver é um dos filmes mais poderosos já feitos