Tarantino e a beleza em contar histórias
Tarantino é quase um adjetivo, uma palavra que roda a boca de todos e ainda assim, permanece mística. Algo sagrado, justamente por seus pecados. Um contador de histórias nato. O cinema é apenas mais uma das formas encontrada por nós para contarmos essas histórias. No final, não passa disso. Histórias de amor, contos de terror, sequências de ação ou grandes épicos que misturam tudo isso.
Elas podem ser muito bonitas, indo de cenários com a aridez do velho oeste até a crueldade da França ocupada pela Alemanha Nazista. O cruel pode e deve, ser muito bonito. Injustiças e personagens duvidosos dominam este universo tão próximo do nosso, gerando diversos momentos memoráveis de tensão e incomodando os que já esperam certos clichês de roteiro.
É nisto que Quentin Tarantino brilha: embelezar a crueldade que circunda todos nós. Por mais dura que uma situação possa ser, ela, ainda, guarda uma boa história. Recentemente, por meio da retratação histórica e de modificações na vida de personagens reais, o cineasta vem criando universos dentro de realidades e até subvertendo o olhar do espectador.
Seu cinema vem sendo cada vez mais algo muito bonito de assistir. Evoluindo em sua sensibilidade e chegando ao ponto alto de sua carreira: “Era Uma Vez Em… Hollywood“. A melancolia do que já passou. Dois mundos em embate. Dois cinemas lutando entre si para dominar os espectadores. Um olhar sensível sobre a própria arte de se contar histórias. Por que contá-las? Elas já não estão todas feitas?
A resposta é não. E acrescento ainda, as que já estão feitas podem ser reaproveitadas e inseridas em novos contextos e linhas narrativas. A marca de Tarantino é algo singular e qualquer história que ele conte, é uma história que vale a pena ouvir. Anos e anos se passaram e ele tem muito o que falar ainda.
É recriando essas épocas que já se passaram e as somando com personagens caricatos, situações contemplativos e longas cenas, que Tarantino desafia nosso próprio olhar. Passando por memórias de sua infância e tempos que nem ele mesmo viveu, o diretor deixa sua marca em histórias sensíveis que dizem muito mais do que apenas o sangue escorrido em tantas cenas finais.
Há muito escondido entre tantos cortes, passagens e diálogos. É lindo de acompanhar, seja pelas vinganças de Django e Shosanna ou pelas descobertas interiores de Rick Dalton. A transformação do banal em fundamental move essa forma de cinema “tarantinesca“, no qual, até a rotina diária dos personagens se torna interessante e muito reveladora.
Até um dia de nevasca em uma cabana torna-se um espaço para colocar personagens, preconceitos e visões de mundo em conflito. Diferente do que muitos pensam, a principal arma de Tarantino é o diálogo: seco, cruel, irônico e em doses certas. A violência não está somente nos grandes momentos catárticos desses diversos filmes, mas em seu próprio desenvolvimento, construindo cenários que transbordam conflitos.
Não é só contar essas histórias. É viver o que não se viveu. Ou até viveu, mas não da forma como gostaria. A História vira um largo campo de experimentação e tramas envolvendo assassinos e ladrões de banco evoluem para um sensibilidade não vista antes na carreira de Tarantino. Os elementos iniciais já estavam todos lá, mas a evolução dele como contador de histórias é algo que vale a pena acompanhar.
Emociona, diverte e faz ferver o sangue. É épico no próprio sentido da palavra. E em tempos de quarentena e isolamento social, talvez seja o que mais precisamos. Então, assista um filme de Tarantino, pois tanto pela primeira quanto pela milésima vez, há muitas coisas lá dentro para além do que se assiste. É a beleza de contar histórias.
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